Em animada conversa acerca da Nintendo com o Pedro aqui do blogue (a propósito de uma review ao novo Zelda que irei publicar em breve), ele alerta-me para os riscos de assumir em público o meu amor pelos jogos actuais da marca nipónica. Com razão, ele diz que muitos outros jogadores vão enfiar-me uma chucha na boca assim que eu falar nisso. Então, com todo o perigo envolvido, com uma reputação de gamer refinado posta em causa, porque raio insisto eu em bater nessa tecla, ou neste caso em premir esse botão?

Começamos então por fazer um exercício simples por razões de contexto. Pegamos num comando da PS3 e num comando da Xbox 360. Agora recuamos no tempo e paramos quando deixarmos de achar comandos que sejam similares na forma anatómica de segurar e jogar. Vamos parar a 1982 e ao comando do sistema Vectrex da Smith Engineering que embora tenha vendido bem no primeiro Natal do seu lançamento acabou por encontrar a morte inevitável durante o Crash dos Videojogos de 1983. Este comando foi no entanto popularizado três anos depois pelo método de input escolhido para a Nintendo Entertainment System, esta bem longe de uma morte inevitável quando para além de umas estimadas 60 milhões vendidas, os seus jogos continuam a vender nos dias de hoje em consolas virtuais. Este formato de comando acompanhou-nos até aos dias de hoje com mais analógico menos analógico, com mais ou menos triggers e shoulder buttons, com cabo ou com pilhas, mas mantendo-se a forma básica.

O comando veio até aos dias de hoje. O humidificador também.

 

A primeira e única revolução no esquema de controlo (com sucesso de massas a nível comercial) teve de esperar 24 anos até ver a luz dos dias, na forma da parelha Wiimote e Nunchuck da Nintendo Wii. Mais de duas décadas depois. Mas para variar, a Nintendo não se ficou por aqui. Por muitos, a revolução foi vista do prisma da interacção com os jogos que favoreciam um novo conceito de jogo de família casual muito mais interactivo. É certo que, infelizmente para a consola aos olhos de um público mais exigente, a grande parte do catálogo consta de jogos de festa e jogos infantis, que não dispensam figuras ridículas em frente ao ecrã. Por outro lado, escovar um cavalo com um comando é tão motivante quanto dar banho ao cão. E para isso também há um jogo. Mas resumir a consola a esse lugar é a mesma coisa que dizer que Perfect Blue e Akira são filmes de animação, logo são para crianças. A Wii é muito mais do que lógica falaciosa. A Wii é, nesta geração, a única consola que tem verdadeiramente inovado.

Praticamente 95% das mecânicas de jogo que estão a vender milhões em todo o mundo provêm da geração anterior, no que toca à Sony e à Microsoft, ou ainda mais atrás. Transportar apenas duas armas de cada vez: Halo (Xbox); Mundos sandbox: GTA III (PS2) ou na minha opinião Ocarina of Time (N64); Stealth: Thief (PC); Árvores de diálogo (Monkey Island e outras aventuras); Sistema de moral: Fahreneit (PS2 e Xbox), etc, etc. A única mecânica da qual me lembro que seja original nesta geração é o cover system de Gears of War, actualmente adaptado a grande parte dos shooters. A geração actual de consolas têm-se limitado a uma guerra pelo processamento gráfico, quantidade de narrativa e funções multiplayer.

My name is Ray Muzyka, and I want to be the mighty CEO of Bioware.

 

Não quero com isto dizer que não tenham existido grandes jogos nesta geração. Muito, mas mesmo muito longe disso. Alguns dos meus preferidos de sempre foram lançados nos últimos três anos. Mas, na realidade, analisando-os friamente a todos por um momento, o que foi evoluindo foi o realismo e qualidade gráficos e a qualidade e coerência narrativas. O gameplay conheceu muitos melhoramentos, mas poucas ou raras vezes surpreendeu. Excepto na Wii.

É na Wii que tenho experimentado jogos nos quais me apetece repetir as sequências logo a seguir a jogá-las. Não me refiro apenas a repetir o jogo, mas sim em voltar atrás ao último save continuamente para repetir a experiência mais que uma vez. Jogos que me espantam com mecânicas das quais não estou à espera e que muitas vezes nem sequer as conheço porque nunca as vi nem experimentei. Jogos que potenciam uma interação físico emocional muitas vezes tão bem conseguida que queremos partilhar imediatamente com alguém. Jogos originais. Jogos frescos.

Mas então porque razão os outros me enfiam uma chucha na boca? É que a maior parte desses jogos inovadores pertencem a IP’s que fazem comichão a muitos hardcore gamers. Link, Mario, Kirby e Donkey Kong. Só estes quatro heróis tem proporcionado mais inovação nesta geração de consolas do que todos os jogos das outras plataformas. O uso da gravidade no level design de Super Mario Galaxy; a reivenção e quase já impossível inovação do género de plataformas em Donkey Kong Country Returns; o sistema de combate em Zelda são apenas alguns exemplos de jogos com verdadeiras ideias originais. Várias dezenas delas. Só Super Mario Galaxy é um armazém de novidades, sem contar com a sequela. Muitas das ideias dos actuais jogos milionários provém de gerações anteriores destes IP’s da Nintendo, e muito do que está para vir virá beber aos títulos actuais. Skyward Sword é apenas o último exemplo de um progresso extraordinário.

Super Paper Mario, um RPG de plataformas 2D que se transforma em 3D (Eat that Braid!)

 

Infelizmente, estes universos aparentemente infantis afastam muitos jogadores. Esses nunca irão conhecer o quão longe estes jogos vão e admirar a Nintendo por continuar a arriscar na inovação em vez de se sentar calmamente em cima de mais uma maior e melhorada sequência “on-rails” de um shooter moderno. Com a base de fãs que a marca tem, podia lançar versões menos exigentes de qualquer dos seus heróis (como o faz a Sega), mas num tempo de éticas perdidas, a Nintendo mantém a sua.

O pior desta história é que os jogadores afastados da Wii por estas propriedades intelectuais nunca vão conhecer nomes como No More Heroes; Monster Hunter Tri; Metroid Prime Corruption; Smash Bros Brawl ou o excelente e despercebido Madworld, entre muitos outros. Hardcore? Tentem acabar o Donkey Kong e depois falamos.

Por todas estas razões está explicado porque não me importo que me ponham a chucha na boca. Desde que não me tirem o Wiimote da mão.

Prestem muita atenção a este menino.