Experimentem jogar o primeiro Tomb Raider, o original da Playstation. Passem o menu de entrada, vejam o vídeo de abertura e entrem no jogo. A primeira coisa que vos garanto que vão fazer é usar o manipulo analógico direito para rodarem a câmara à volta de Lara Croft. Pois é, não funciona. Certo? É que essa invenção só iria surgir mais tarde e já muito bom era naquela altura jogar um jogo com cenários e personagens totalmente construídos em três dimensões. A câmara, essa, era controlada pelo jogo. Jogar o mesmo Tomb Raider actualmente é uma experiência curiosa, pois as mecânicas de controle de personagem são ainda muito rudimentares e requerem habituação, numa fase dos jogos em que estamos treinados para a precisão e controle máximos. Porém, algo no jogo faz todo o sentido, pois os gráficos “primitivos” emparelham perfeitamente com as velhas mecânicas. O número reduzido de polígonos, a falta de detalhe dos elementos, as texturas gigantescas desfocadas, tudo se conjuga para sentirmos que estamos a jogar um jogo criado há 15 anos.

A verdadeira inspiração de Cristiano Ronaldo.

 

Entra 2011 e chegou até nós a febre das conversões ou remakes de jogos em HD, de Prince of Persia a God of War, de Splinter Cell a Shadow of the Colossus, passando por Sly Trilogy, por Tomb Raider Trilogy, por Sonic e por muitos outros. E esta não é uma tendência passageira pois 2012 arranca já com as colecções HD de Devil May Cry, Silent Hill e Metal Gear Solid. A indústria descobriu uma nova teta que não tem maneira de secar. A febre do remake passou do cinema aos videojogos, mas esta transição tem um problema grave. No cinema não é só o aspecto gráfico que é actualizado, mas também o conteúdo para se adaptar à nova realidade dos novos tempos. Nos videojogos, o único upgrade até agora levado a cabo é um embelezamento gráfico que em muitos casos se resume a um polimento.

O cinema conhece centenas de remakes ao longo dos últimos anos: Ocean’s Eleven, Cape Fear, Karate Kid são exemplos de filmes que adaptaram a história aos tempos correntes, enquanto outros cuja adaptação mais visível é a evolução nos efeitos especiais como Rise of the Planet of the Apes, I Am Legend ou King Kong têm de adaptar os seus argumentos para que a história faça sentido actualmente, mesmo que a acção se passe noutras épocas. Outros ainda como Clash of the Titans mais valia terem ficado no arquivo, mas o mundo não é perfeito e há muito espaço nas prateleiras.

Qual será o equivalente da adaptação do conteúdo no remake de um videojogo? O grafismo é certamente um dos pontos a melhorar e daí a nomenclatura HD no título dos novos lançamentos. Mas o que deveria ser obrigatoriamente adaptado numa conversão são as mecânicas de jogo. Câmara, controlo do personagem, progressão entre outros devem ser reescritos para os dias actuais sobre pena de o jogo se tornar um híbrido disfuncional. Um bom (ou neste caso mau) exemplo é o remake de Prince of Persia, Sands of Time, onde o polimento gráfico deixou-nos com os mesmo gráficos triangulares com um número baixo de polígonos para os standards actuais mas demasiado polidos para a sua resolução actual. É como se faltasse conteúdo, como se alguns elementos não tivessem sido construídos, como se fosse uma impressão em papel brilhante de um quadro a óleo onde a rugosidade da textura se perde. Há uma sensação de vazio estranho, um sentimento de solidão inexplicável ao longo dos níveis e uma expectativa de que qualquer som emitido irá provocar eco.

O que se passa com as mãos do príncipe? Prince of Persia Arkham City?

 

Os jogos devem ser jogados nas suas plataformas originais para as quais foram criados. Se possível até na própria plataforma. Na minha opinião, mais radical, os jogos não devem levar nenhum polimento gráfico se as suas mecânicas não forem actualizadas também e as conversões em alta definição são o equivalente à baba de caracol. Veja-se no extremo oposto o caso do excelente Pac-Man Championship Edition DX, aquele que é provavelmente o melhor jogo de download de 2010, onde para além dos gráficos existiu inovação em toda a jogabilidade do clássico.

Quando eu assumo esta posição radical muitas vozes se levantam para apontar que os remakes permitem que as novas gerações joguem títulos passados. Bullshit. Os jogos podem ser jogados na sua forma original nas consolas e computadores actuais. Clássicos PSOne na Playstation Network; Megadrive, NES, SNK e outras na Virtual Console da Wii, Game Room na Xbox 360, para além dos emuladores e sites online como o zxspectrum.net. Até os clássicos Game&Watch da Nintendo se encontram na loja da DS. Dar a conhecer não pode ser desculpa para lançar jogos antigos a preços actuais e apenas lhes puxar o lustro e incluir num pacote. Por último, enquanto as produtoras gastam tempo a engraxar o cágado estão a ocupar parte da equipa que deveria estar a desenvolver sequelas reais desses jogos ou novos IP’s. O mercado de videojogos não se deveria assemelhar aos stands de carros usados ao lado da estrada, onde os carros foram lavados até brilhar mas onde a mecânica continua antiga e muitas vezes gasta.

Fossem todos assim e estávamos bem.

 

Resumindo, chamem-me Velho do Restelo, mas os jogos devem ser jogados como sempre o foram. O grão de Ico não deve desaparecer, as arestas grosseiras de Metal Gear Solid dão-lhe um toque especial, e a primeira Lara Croft deve ser jogada da forma como foi pensada e criada, com mamas triangulares e tudo a que temos direito.