Suit me up?

Quando eu era muito pequeno a minha avó fazia-me fatiotas para o Carnaval.
O facto de ela ter um jeito tremendo para costurar (creio que na sua juventude chegou mesmo a vender as suas criações) e o amor incondicional que tinha por mim resultaram que, ao contrário dos outros meninos, nessa época tinha sempre uma fantasia nova para estrear.
Astronauta, Homem-Aranha, Cowboy, Polícia Sinaleiro, Pirata, etc…
Todas feitas com um bom gosto e uma paciência invejável.
No entanto, só de uma é que tenho memórias a sério.

A de Polícia Sinaleiro.
Não, estou a brincar, a única que me lembro em detalhe foi mesmo a de Batman (quem ainda não tinha concluído isto…)

O fato que eu tinha era o mais tradicional. Longe estavam os tempos do ‘Cavaleiro das Trevas’ de Frank Miller ou do anti-héroi mais trágico e adulto que Christopher Nolan trouxe recentemente para o grande ecrã. Este era um Batman dos antigos, sem problemas existenciais e ainda com o fato cinzento claro, calção tipo ‘short’ negro e no peito um símbolo do morcego a preto num patch oval a amarelo canário. Sim, eu sei…

Aquilo que já passou na cabeça de qualquer leitor do comic original.

 

Uma das criações mais kitsch de sempre, sem sequer ainda mencionar a farpela que o Robin usava nessa altura. Não vamos tão longe.
O original de Bob Kane foi amadurecendo ao longo dos anos. Na minha modesta opinião de uma forma bastante favorável em termos de âmbito e profundidade.

Mas seja como for a personagem marcou a minha infância e chegou a ser o meu super-herói preferido. Tinha um fato porreiro, ‘gadgets’, bons vilões, um carro fantástico e… uma caverna. Não deve ser fácil ter uma caverna.

Eu tenho problemas de humidade em casa só por ter um canteiro de plantas em paredes-meias com o quarto onde durmo!

Pelo passado, pelo presente e pelo futuro desta personagem é impossível jogar Batman: Arkham City e não pensar no brilhante trabalho de direcção de arte que está, não por trás, mas bem pela frente desta nova aventura.

Arkham City, a cidade prisional de alta segurança, tem tanta personalidade como qualquer um dos outros intervenientes.
Retirando inspiração às mais recentes encarnações cinematográficas é, antes de tudo, um jogo incrivelmente bonito. Ou então muito feio, se nos prendermos de forma literal ao que estamos a ver no ecrã. Salta à vista o rigor e pormenor na concepção deste espaço. Somos completamente envolvidos na sua opressão. Não podemos imaginar o cheiro dos vapores das condutas de exaustão (e ainda bem) mas quase… É um ambiente industrial, sujo, feio, decadente e visivelmente hostil. O palco perfeito para envolver-nos nesta trama.

A única forma credível de fugir ao pivete que vai por aquelas ruas.

 

E é aqui mesmo que começamos a nossa saga.

Ainda na pele de Bruce Wayne, preso, algemado e colocado no meio da população prisional, um conjunto dos maiores e mais terríveis criminosos que já existiram, somos confrontados com uma nova personagem, o doutor Hugo Strange. Este será mais ou menos omnipresente durante todo o nosso percurso pois será ele que nos dará conta de toda a conspiração. Cabe portanto ao jogador fugir desta cidade prisão, investigar as pistas ao nosso dispor e defrontar o homem por trás deste plano.

Para nos desenvencilharmos ao longo do jogo temos ao nosso dispor um conjunto de apetrechos. Alguns são recuperados do já excelente Batman: Arkham Asylum (o título anterior a este e que venceu um BAFTA de melhor jogo em 2010) outros são novas aquisições. Mas mesmo quando se trata de recuperar algo do passado este jogo vai sempre mais longe do que o anterior. Mecanicamente até pode ser semelhante mas temos novas armas, novos movimentos de combate, novas personagens e centenas de puzzles de maior ou menor complexidade para explorar.

Se isto tudo pode parecer interessante e motivo suficiente para investigar o jogo posso garantir que não é tudo e nem sequer o que me parece mais importante. A forma como esta história se desenvolve à nossa frente e claro a excelência da caracterização de personagens como Joker, Penguin, Two-Face ou Catwoman são para mim os verdadeiros trunfos.

Se encontrarem por aí, noutro jogo qualquer, uma personagem feminina com um andar mais sexy do que este avisem, ok?

 

De realçar que ao contrário de Batman: Arkham Asylum desta vez temos acesso a mais duas personagens jogáveis. Ambas com campanhas próprias mas que complementam a narrativa principal. É nesta transição de umas personagens para outras que reside muito do interesse que tive por este jogo. A integração narrativa é extremamente bem feita e um bom exemplo de como criar apetência para continuarmos agarrados à história. Por exemplo, como já referi, a personagem de Catwoman – uma ladra profissional e portanto o contrabalanço ideal em termos morais à conduta do herói principal – está tão bem conseguida que me pergunto até que ponto os estúdios da Rocksteady não estarão já a pensar em expandir o conceito e desenvolver um jogo só com ela.

Animações fantásticas, banda sonora de luxo, formas de combate distintas, objectivos e motivações diferentes mas que, lá está, se enquadram completamente na história principal são razões mais do que suficientes para afirmar que esta aposta na diversificação da já excelente jogabilidade do titulo anterior foram dinheiro em caixa. Possivelmente de uma forma literal já que as campanhas de Nightwing e Robin constituem um DLC pago (conteúdo extra, mas opcional, em formato de download)

Em termos mais negativos há relativamente pouco a apontar. Mas vamos a isso.

Uma ou outra opção menos feliz no FOV (perspectiva de visão utilizada pela personagem) que resulta em algumas dificuldades na transposição de obstáculos ou no combate corpo-a-corpo, um vilão com geometria claramente decalcada de outro e, para além disto, tenho de mencionar a primeira situação onde fiquei encalhado num dos mapas por não ter percebido totalmente o amplo espectro de acções de uma pistola que dispara descargas eléctricas.
Azelhice ou erro de gamedesign? Valha-nos os guias da Brady e os walkthroughs do Youtube.

Resumindo, Batman: Arkham City foi para mim uma experiência muito gratificante. É um jogo extremamente ambicioso em todos os aspectos pois tenta recriar e ampliar o universo já apresentado no título anterior e consegue-o tão bem que quase será difícil antever onde é que este franchise poderá melhorar no futuro. Cenários, personagens e jogabilidade variada e bem balanceada entre o desafio e a descoberta são um autêntico primor. Os conteúdos extra também aumentam consideravelmente as campanhas originais e estão recheados de pequenos pormenores e troféus únicos.
É um Batman muito, muito diferente daquele que Bob Kane idealizou?
Não sei. Uma coisa é certa, este é um Batman a sério.

(versão analisada: Xbox 360)