Legus Perfectus.

Não neguem à partida uma ciência que desconhecem. É certo que a adaptação de cinema para videojogos é sinónimo de roubo à carteira dos jogadores, com títulos tão maus no currículo que por vezes conseguem ser ainda piores que os próprios filmes, como o mostra Capitão América que consegue essa impossibilidade. Somam-se do outro lado as dezenas de bons filmes que têm tudo para dar bons jogos e mesmo assim produzem obras impossíveis de jogar, como o exemplo de Iron Man. Há no entanto duas produtoras que conseguem fazer magia. Uma delas é a Rocksteady com as suas adaptações de Batman. A outra é a Traveller’s Tales com todas as suas maravilhosas adaptações de filmes para o universo da LEGO, uma fórmula que acertou desde os primeiros títulos e que chegou com LEGO Harry Potter: Years 5-7 quase à perfeição.

Chegou altura de mergulharmos a cabeça nesta análise para descobrirmos várias surpresas.

 

LEGO Harry Potter Years 5-7 cobre os últimos quatro filmes da saga do feiticeiro quatro olhos que tanto irrita aquele cujo nome não deve ser referido (e não estamos a falar de José Sócrates): Order of the Phoenix, Half-Blood Prince, Deathly Hollows Parte 1 e Parte 2 são aqui recriados ao pormenor com muitos blocos de construção na mistura. Confesso que estava muito curioso para jogar este título e perceber como a Traveller’s Tales ia adaptar aqueles que são os episódios mais negros da saga. A resposta veio acompanhada de muitas gargalhadas. Mais uma vez, a produtora recorre ao humor e a uma boa dose de liberdade criativa ao recontar a história de Harry. Ao longo das excelentes cut scenes que atravessam toda a história dos filmes é sempre acrescentado mais um pequeno pormenor ou detalhe que nos provoca quase sempre o riso. A boa disposição é uma constante no acto de jogar 5-7 e estamos praticamente sempre com um sorriso na cara ao longo do jogo. Um bom exemplo é quando Potter tem de falar “serpentês” para abrir armários especiais e que provoca sempre o mesmo riso de todas as vezes. De salientar que antes de se jogar este título deve-se ter visto os filmes envolvidos pois só dessa forma se pode tirar proveito do humor das sequências animadas. Todas as sequências chave dos filmes foram reproduzidas em Lego Harry Potter, com algumas a serem tão excelentes como as originais, como é o caso da sequência da Millennium Bridge em Londres de Half-Blood Prince.

O jogo divide-se em 6 níveis para cada filme, num total de 24 níveis de jogo, cada um destes níveis com vários locais e várias missões a completar. As missões são por norma simples e executadas rapidamente, mas é impossível jogar 5-7 dessa forma. Os níveis dão-nos tantas possibilidades de coisas para fazer e experimentar que ficamos horas ao longo dos mesmos. Quem já experimentou jogar um título da LEGO sabe o vício e a obsessão que é coleccionar studs (os rebites) a unidade mais pequena de construção da LEGO. Praticamente todos os objectos no cenário podem ser destruídos e largar centenas de studs como nos outros títulos, mas em 5-7 a inclusão da magia leva esta mecânica mais longe. Mesmo os objectos que não são destrutíveis podem ser excitados com magia e cada um irá ter a sua animação. Dezenas deles. De bancos de jardim que encolhem, a estátuas de cavaleiros que tentam apanhar a pena do capacete para depois caírem e se desfazerem em peças, a candeeiros que se acendem, a teatros de fantoches que aparecem com uns hilariantes bonecos de Harry e Voldemort a lutarem entre si, a quantidade de coisas que podemos destruir, construir e experimentar em 5-7 é infindável e uma das razões do sucesso deste jogo. Também graças à magia, a maior parte dos objectos destruídos podem ser reconstruídos novamente e é sempre com uma agradável expectativa que esperamos para ver qual vai ser o novo objecto finalizado.

Há tanto para descobrir que só os mais audazes vão atingir os 100% de jogo.

 

Como não podia deixar de ser a magia é um dos pontos fortes do jogo: os feitiços principais são 8, cada um com a sua função e vão sendo desbloqueados ao longo do jogo. No entanto, os feitiços são todos desbloqueados demasiado cedo, a meio do segundo filme, ficando a sensação que a Traveller’s Tale poderia ter espalhado mais a progressão de aprendizagem de feitiços ao longo do jogo. Percebe-se que esta opção provém do facto de já os termos aprendido em Harry Potter 1-4, mas mesmo assim era mais gratificante receber alguns mais tarde na história. Existem ainda outros feitiços que são exclusivos de algumas personagens, umas que estão disponíveis para jogar durante a história, outras que se podem desbloquear mais tarde como Tom Ridley ou Bellatrix Lestrange e que introduzem a magia negra. A variedade de feitiços é suficiente e os seus efeitos bem diferentes entre si. As animações que produzem nos objectos e os efeitos especiais de iluminação dos próprios feitiços são excelentes e não nos cansamos de usar e ver os mesmos, como o exemplo de Diffindo que desbloqueia todos os objectos vermelhos no cenário e que é uma delícia de usar. Fica apenas a faltar uma forma de poder consultar o nome dos feitiços, pois se não dominarmos os livros ou os filmes da saga vamos passar o jogo inteiro sem saber o nome de alguns uma vez que o interface do jogo só os mostra com um símbolo gráfico que nem sempre é bem identificável.

A iluminação é outro dos pontos fortes de 5-7. O motor gráfico do jogo está extremamente bem desenvolvido e atinge aqui uma qualidade gráfica de última geração nos mais de 50 locais entre interiores e exteriores. A iluminação e os efeitos de luz são visualmente fantásticos incluindo partículas, fogo e água, sendo alguns níveis como os de floresta ou da neve do melhor que já se fez em adaptações da LEGO ao nível da direcção artística. A atenção dada aos detalhes e pormenores é imensa com uma variedade de construção que vai sempre surpreendendo ao longo do jogo. Em termos musicais também não há nada a apontar com a excelente banda sonora original dos filmes de Harry Potter a ser aqui usada para emprestar o ambiente certo a cada zona. Os efeitos sonoros cumprem o objectivo sem grandes virtuosismos.

Fossem todas as adaptações iluminadas como esta e não existiam tantos jogos em segunda mão.

 

As batalhas são um dos pontos fracos do jogo (como o foram nos outros títulos), com poucas ao longo do mesmo e com um sistema de duelo que é agradável na primeira incursão mas que cedo se torna demasiado fácil e repetitivo. Não só deveria existir mais variedade de formas de luta como a dificuldade deveria ir aumentando. Percebe-se que a 5-7 quer colocar a dificuldade ao nível de jogadores mais novos, mas poderia permitir a opção de níveis de dificuldade maiores, para além de os jogadores mais novos já andarem actualmente a dominar shooters online. Os outros pontos fracos de 5-7 prendem-se com os veículos quase impossíveis de controlar (o que infelizmente já é um hábito em todos os jogos da LEGO) se bem que na maior parte das vezes não sejam necessários para a progressão da história. Por vezes o cenário também coloca algumas áreas tapadas por outras peças o que dificulta a visibilidade de zonas de jogo e sendo a câmara praticamente “fixa” não temos possibilidade de ajustar a vista ao cenário, mas mais uma vez isto é raro e também não dificulta a progressão. Alguns sons são ainda um pouco irritantes como o caso do riso dos irmãos Weasley sempre que estes se encontram presentes no nível.

Um ponto muito ambíguo é  a falta de modo cooperativo online. O cooperativo local é um dos ex-libris de 5-7, em que o segundo jogador pode juntar-se a nós ou abandonar o jogo sempre que quiser sem que tenhamos que parar ou recomeçar. Os jogos da Lego sempre foram muito divertidos a dois, e a fórmula em split-screen permite evitar as lutas entre jogadores que querem ir cada um para seu lado. Quando ambos os jogadores estão perto de si partilham um único ecrã, mas se um se afastar para um dos limites extremos o ecrã divide-se em dois. Resolver os cenários com companhia ou simplesmente chatear a nossa companheira com um feitiço de jacto de água é uma fórmula já obrigatória nestes jogos. Falta apenas como referi a possibilidade de isto funcionar via online e espero que a Traveller’s Tale inclua essa função nos seus próximos títulos.

Mas voltando aos pontos fortes, Lego Harry Potter é um jogo enorme. Quando acabei todos os filmes, o que aconteceu depois de mais de 20 horas de jogo (se bem que me distraí várias vezes ao longo do mesmo em tarefas de destruição e construção) a progressão anunciada era de 41,5% de jogo. Daí para a frente há muito mais horas para jogar e muito mais para fazer. Os studs seleccionados podem agora servir para comprar as 200 personagens jogáveis no jogo. Mas para comprar, é preciso primeiro desbloquear. As lojas de Diagon Alley tornam-se agora um Hub onde podemos encontrar dezenas de tarefas para completar. Entre soltar estudantes em perigo, encontrar todos os blocos dourados, completar os brasões de Hogwarts, ou desbloquear todas os extras e  personagens, temos semanas adicionais de jogo, senão mesmo meses. Tudo isto pode ser desbloqueado em modo de free Play  ou em modo de história, permitindo-nos revisitar e reviver todos os momentos, níveis e cenários de jogo, incluindo alguns geniais como a recriação da história dos três irmãos e das relíquias da morte, o momento visualmente mais impressionante.

Gotta Catch ‘Em All

 

Com Lego Harry Potter Years 5-7 a Traveller’s Tale quase que atinge a perfeição nas suas adaptações de cinema para o universo da Lego e todos devem experimentar este jogo que proporciona dezenas de horas de boa disposição. Não há muito mais a melhorar à fórmula e os únicos pontos verdadeiramente negativos são a falta de um modo cooperativo online e o grau de dificuldade pouco exigente das batalhas. Este é no entanto um título obrigatório para os fãs da Lego, de Harry Potter, ou simplesmente dos videojogos em geral, onde reina o excelente humor, a surpresa e a criatividade constante ao longo dos últimos quatro filmes da saga do menino feiticeiro. Um jogo mágico e impossível de largar para jogadores dos 8 aos 80. Expecto Patronum!

 

(versão analisada: Playstation 3)