Parkour Heroes.

Não é à toa que desde pequenos que gostamos de brincar uns com os outros. Há momentos, gravados nas nossas memórias de infância, que não se esquecem. Muitas vezes, pelo simples facto de os termos vivido na companhia de outros, tornam-se recordações tão importantes que nos definem enquanto seres humanos.
Chama-se a isso o sentimento de partilha e é um dos requisitos mais marcantes daquilo a que (ainda) vamos chamando de humanidade.

É através deste sentimento que os videojogos sempre se expressaram. Reparem que por muito simples que fosse o jogo (pong anyone?) houve sempre uma noção bem definida da necessidade deste funcionar enquanto elemento aglutinador da diversão. Porquê? Porque é mais divertido a dois!
Há aliás uma série de actividades que são melhores acompanhadas do que a solo. Não vou entrar em pormenores.

Pong. Tão dramático que às vezes tinhamos de parar uma sessão de jogo e ir chorar sozinhos para um canto para descomprimir.

 

Depressa a indústria dos jogos se apercebeu disso e tentou logo à partida capacitar as suas máquinas para que estas pudessem servir de diversão a mais do que uma pessoa.

É aqui que reside a força de Brink e, de uma certa forma, onde também revela alguma fraqueza.

A ideia original deste FPS (first person shooter) é ambiciosa – tornar a experiência de singleplayer tão interessante como a sua opção multiplayer. Ou seja, dar ao jogador a ilusão de que está a partilhar os momentos de jogo com um parceiro e não com um conjunto de linhas de código bem alinhavadas.
E, para meu espanto, por vezes até consegue essa proeza.
Não porque seja perfeito, estamos ainda longe disso, mas porque o tenta fazer de uma forma elegante e quase invisível para o jogador.

A coisa funciona mais ou menos assim: Lançamos o jogo e desde logo temos uma série de modos diferentes – Campaign (a história propriamente dita) Challenges (desafios que nos põem à prova e usam as várias habilidades necessárias para cumprir o modo de história ) e ainda Freeplay (uma forma de criarmos os nossos próprios desafios através da imposição de regras, mapas, etc..)
Ao escolhermos o modo Campaign, por exemplo, um jogo será criado e resta-nos aceitar a opção de jogar as missões por ordem ou escolhermos nós o desafio que mais nos apetece.

Haja pachorra. Também ainda não é neste que nos livramos dos campers.

 

Após um breve carregamento somos levados para o cenário propriamente dito, uma cidade flutuante (The Ark) que alberga aquilo que parecem ser os últimos sobreviventes de um autêntico dilúvio universal. E é a partir daqui que começa a parte interessante deste título da Splash Damage. Existem duas facções, Seguranças ou Resistência que tentam respectivamente defender ou atacar o que resta desta cidade futurista. Podemos escolher uma ou outra mas a pergunta que se impõe mesmo é:
Estaremos a jogar com parceiros humanos ou simples bot’s dotados de inteligência artificial?

Não há (quase) uma distinção. Ou seja, haver há porque ao fim de um tempo conseguimos perceber que alguns adversários se movem com um comportamento bastante mais errático do que outros e, como tal, se tornam bem mais imprevisíveis e mortíferos. Por outro lado os produtores do jogo insistiram em diluir a barreira entre esta fronteira humano/máquina e ao fazerem-no provocam uma certa confusão no jogador. Quando entramos numa nova missão podemos sempre estar a jogar contra humanos ou bot’s e não há qualquer sinal particular que nos revele quem é quem. O servidor analisa os intervenientes e cria o número de bot’s que restam para formar as equipas (8 para cada lado).
O que por vezes é bom e por vezes é mau, pelo menos na minha opinião. A IA dos bot’s está, em geral, bem conseguida mas nota-se aqui e ali alguma incoerência.

Essencialmente o que Brink trás para a mesa é um fps com uma filosofia de cooperação entre equipas (humanas e/ou artificiais) de forma a conquistar um objectivo. Estes são variados e na sua maioria interessantes. Mas até aqui nada de novo, certo?
Não propriamente. Há aqui algumas coisas novas.
Por exemplo: É de facto um jogo que adopta as já tradicionais classes (soldados, espiões, médicos e engenheiros) mas consegue se diferenciar dos restantes pois existe a opção de trocá-las a qualquer altura. Para isso basta acedermos às várias consolas de controle espalhadas pelos mapas, escolher a especialidade que mais nos apetece e colmatar uma ou outra necessidade da missão. Este factor é bastante importante e introduz dinamismo e incentiva à experiência entre as especialidades.

A propósito de experiência, Brink usa um sistema de XP em tudo semelhante aos mais recentes RPG’s. Cumprimos determinado objectivo e somos recompensados com mais pontos. E até aqui consegue alguma inovação. Os pontos ganhos podem ser trocados por novas capacidades, armamentos ou na definição do nosso aspecto físico. A partir dessa altura o nosso personagem carregará estes atributos para qualquer dos modos de jogo. Seja online ou offline (como já dissemos é difícil separar as duas vertentes)
Este aspecto da personalização está bem conseguido pois permite-nos criar uma personagem verdadeiramente talhada ao nosso estilo.
Independentemente da classe podemos ser mais musculados (e também mais lentos), de estrutura mediana (um misto de velocidade e robustez) ou uns lingrinhas com pernitas de gafanhoto (rápidos como tudo mas bastante vulneráveis às balas inimigas)

Esta missão passa-se nos antigos estaleiros da Setenave. O objectivo é limpar a proa de um cargueiro com uma escova de dentes.

 

Portanto, temos classes específicas, temos missões variadas, que podem ser tão simples como escoltar um refém até estar fora de perigo ou desactivar uma bomba relógio, e temos ainda algo que confesso que não me impressionou por aí além mas que não deixa de ser uma inovação.
Os criadores da Splash Damage dotaram estas personagens de uma forma de se movimentar um pouco mais fluida do que estamos habituados noutros shooters. Chamam-lhe S.M.A.R.T. e permite-nos escalar objectos, deslizar pelo chão (a minha preferida) ou simplesmente alcançar através de um salto um patamar mais elevado do mapa. Tudo automatizado, basta correr de encontro a um obstáculo e o nosso personagem realiza o leque de acções disponível para transpô-lo. É interessante ver os restantes elementos da nossa equipa, ou dos nossos adversários, a fazerem parkour pelos cenários intricados de Brink mas menos apelativo em termos do nosso FOV (field of view) Nota-se que estamos a escalar ou transpor um objecto mas falta alguma plasticidade na coisa. É pena pois com um pouco mais de exagero podia tornar-se a experiência bem mais interessante ao nível visual.

E já que chegámos aos visuais tenho de acrescentar que adoro a direcção artística e o ambiente em geral. A ‘Ark’ tem mapas muito bem desenhados e uma ambiência futurista que se diferencia dos restantes fps’s. Há níveis em aeroportos abandonados, marinas, bairros da lata feitos de contentores industriais e outras surpresas pelo meio. As personagens são caricatas e o facto de as podermos personalizar tanto em termos de aspecto físico como em termos de atributos constitui uma lufada de ar fresco em relação a outras opções actualmente no mercado.

Resumindo: Onde Brink poderá falhar (e digo poderá pois até agora ainda não me fartei) é no facto de existirem ainda poucos cenários disponíveis. O level design tem qualidade mas pode parecer relativamente limitado em relação à concorrência.
A opção de fundir os modos de single e multiplayer é que deixo ao vosso critério. Para mim, que sou um veterano de fps’s, pareceu-me um pouco confuso. Mas lá está, tenho de admitir que a IA está bem programada e que houve um enorme esforço por parte do developer para atenuar a sensação de estarmos a jogar um jogo de squad’s sem oponentes ou adjuvantes humanos. Isso é bom ou mau? Ambas as respostas podem servir consoante o perfil do jogador.
O que interessa realmente é que este é um jogo para jogar com dois ou mais homo sapiens e do qual retiramos exactamente aquilo que lhe dedicarmos.
E vale a pena nos dedicarmos.

(versão analisada: Xbox 360)