Crónicas de gelo, pedra e fogo.

Ao analisarmos a expansão do mercado de jogos de distribuição digital, podemos dizer com alguma certeza que o aumento do número de jogos de plataformas de scrolling lateral foi uma das suas principais consequências. Durante anos sob a sombra dos jogos de ação na primeira pessoa, com proliferação quase exclusiva sob a forma de jogos em Flash na sua maioria de produção fraca, o side-scroller tem se afirmado cada vez mais como um produto comercialmente viável.

Zack Zero é o primeiro projeto do estúdio independente espanhol Crocodile Entertainment. É na sua essência um jogo de plataformas totalmente renderizado em 3D, com a câmara a acompanhar o movimento do protagonista em perspetiva lateral, ao velho estilo dos nossos queridos jogos de plataformas 2D. Ao que parece o impensável aconteceu, e o terrível Zulrog raptou a amada de Zack, Marlene, de modo a conseguir uma substância que o permitirá viajar no tempo. Zulrog pretende voltar ao passado de modo a salvar o seu irmão e derrotar Zack, que o impediu de conquistar um planeta…onde o herói passava férias! A história é raramente um ponto forte neste género, e em Zack Zero não é exceção, seguindo a velha fórmula vilão rapta donzela para conquistar o mundo e herói tenta salva-la. Mas esta história sempre foi suficiente para jogar este tipo de jogo: foi há 30 anos e será nos próximos 30.

Marlene às vezes não reconhece o homem com quem está.

 

A sensação de controlo em Zack Zero é semelhante à de jogos como Crash Bandicoot, nas sequências de câmara lateral. Zack pode correr, saltar e efetuar ataques especiais consoante o poder que possuir nesse momento. Zack usa um fato experimental que o permite alternar entre 3 formas especiais, cada uma delas com utilizações práticas diferentes. O jogador tem à sua disposição a forma neutra, de fogo, de gelo e de pedra, atribuídas aos botões direcionais. Cada  uma delas tem um ataque frontal, um ataque de área circular, uma variação no salto e uma ação específica para puzzles. A forma de Fogo surge como a solução mais ofensiva, com um ataque frontal que incendeia os inimigos e a habilidade de fazer fire surf , que permite percorrer distâncias mais longas que o salto normal, e finalmente ativar mecanismos de fogo. A forma de Gelo é composta por habilidades mais defensivas, como parar o tempo e congelar os inimigos. Por último, a forma de Pedra é em grande parte usada em puzzles, permitindo destruir paredes e alçapões, sendo igualmente usada para ativar alavancas e empurrar blocos. Em cada uma destas formas é gasta energia a realizar habilidades, ou simplesmente no movimento, como é o caso da forma de fogo em que Zack se move com maior velocidade. Quando a energia é gasta, Zack regressa à sua forma neutra, com um ataque normal através de um disco de energia e a habilidade de duplo salto. Esta mudança de mecânicas constitui um dos pontos fortes do jogo, oferecendo bastante variedade.

Zack Zero é um jogo visualmente apelativo. Tanto os cenários como as personagens têm um aspeto cartoon característico que é reforçado pelas cutscenes desenhadas à mão, dando ao jogo um estilo de filme de animação muito bem conseguido. O aspeto cuidado dos níveis é mais ou menos consistente ao longo do jogo, com a exceção do sensaborão (e esperado) nível da fábrica e da base espacial, salientando-se os níveis das grutas subterrâneas, e o nível da lava, este último um verdadeiro eye candy. O mesmo não se pode dizer dos backgrounds, com excessivo blur com maior evidência nos níveis exteriores, mas que não estragam a experiência. As animações também são de qualidade, com especial atenção para os bosses obrigatórios de cada nível.

A crise também chegou ao planeta de Zulrog.

 

Infelizmente é difícil recomendar Zack Zero sem algumas reservas, visto apresentar alguns problemas que podem tornar o jogo, em ocasiões, frustrante. Sendo um jogo de plataformas com um design da velha guarda, o jogador é confrontado com situações que exigem reflexos rápidos e precisão de controlo. No entanto, em vários momentos o design dos níveis, o controlo e a câmara impedem o jogador que conseguir ultrapassar os desafios que se lhe deparam. Frequentemente a posição da câmara é longe da ideal, ficando Zack demasiado perto dos limites do ecrã, com visibilidade reduzida e em alguns cenários, Zack pode parar atrás de paredes ou estruturas ficando o jogador impedido de o ver.

No combate este problema é fatal, porque  Zack perde vida com muita facilidade. Apesar dos inimigos serem facilmente destruídos, Zack fica sem “corações” rapidamente e quando atingido, muitas vezes fica atordoado sem hipótese de se recompor antes de morrer. Durante as batalhas com os bosses esta situação é muito frustrante, não se tratando de um questão de reflexos. A deteção de colisões em Zack Zero é folgada e os frequentes stuns criam situações em que o jogador sente que morreu, não por falta de skill, mas porque não teve hipótese para evitar essa morte. Felizmente, os checkpoints são comuns, mesmo nas batalhas com bosses, o que alivia bastante esta situação. Zack recupera vida através de Nahkems, insetos cuja força vital restitui o herói. No entanto, apanhar este itens é um desafio desnecessário já que após caírem dos inimigos ou de caixotes, deslocam-se rapidamente para a esquerda ou direita do ecrã quase tão rápido como o jogador corre, obrigando não só a combater como a correr atrás da vida, literalmente. Uma dificuldade acrescida e desnecessária que mais uma vez, leva a mortes frequentes. Nada mais frustrante do que no meio de um combate com um monstro de magma gigante ter de correr atrás de vida, que se precipita alegremente na direção do inimigo, com uma chuva constante de pedras incandescentes e torrentes de fogo. Desesperante, mas que pode ser do agrado dos jogadores que gostam de desafios.

Monstros de lava e o seu comportamento anti-social.

 

Também a noção das distancias pode ser uma dificuldade ocasional. Zack Zero permite ao jogador caminhar em diferentes planos, apresentando um design de níveis bastante cuidado, com áreas secretas e tesouros escondidos. O problema surge quando o jogo faz uso da sua tri-dimensionalidade e dispõe os inimigos em direções e planos diferentes, em ocasiões em que não é possível mudar de plano. Os ataques de Zack direcionam-se automaticamente para determinados inimigos, uma solução do jogo para fazer face a isto. Mas o resultado é muitas vezes confuso, especialmente quando no meio da confusão o jogador é atingido por um projétil vindo sabe-se lá de onde. Este problema ocorre nalgumas sequências de plataformas, nos momentos em que é necessário mudar de plano, ou em que obstáculos vêm do fundo em direção ao jogador, sendo difícil mais uma vez avaliar a distancia a que Zack está desses obstáculos.
O jogo apresenta ainda alguns problemas de refinamento e escolhas de design dúbias, como a existência do leveling. Zack vai recuperando as suas habilidades apanhando gemas que lhe permitem aumentar de nível, mas o jogador tem um papel passivo nesse processo, não podendo escolher quais as habilidades a desenvolver primeiro. O jogo oferece-as simplesmente e com pouca  ou nenhuma fanfarra. É pena pois este tipo de solução é bastante interessante e oferece um twist à velha formula Metroid de recuperação de habilidades. O jogo tem igualmente um ranking consoante os pontos que o jogador acumula. Jogar ligado à Playstation Network significa ter constantemente a informação dos leaderboards no ecrã, mas a verdadeira questão são os frequentes bloqueios da consola se jogarmos com o PSN ligado. Um problema que certamente será resolvido com um patch.

Tudo ao molho e fé no checkpoint!

 

Para além do combate e das plataformas, o jogo apresenta uma série de puzzles simples, de alavancas e painéis de pressão. É nos momentos de puzzle mais inspirados que Zack Zero realmente brilha: usar a forma de fogo para ultrapassar uma armadilha correndo velozmente ou parando o tempo para evitar que uma parede nos esmague, são momentos de puro divertimento. Também é nas ocasiões em que a câmara se afasta mais de Zack que o jogo mostra todo o seu potencial, permitindo ao jogador uma maior sensação de controlo ao mesmo tempo que nos proporciona uma visão mais global dos seus excelentes gráficos. Não senti necessidade de usar a forma de gelo, com a exceção de escassos puzzles que exigiam parar o tempo, o que é uma pena porque essa habilidade é um clássico e funciona muito bem. No entanto em combate não é uma opção viável tendo em conta a facilidade com que se perde vida e os reflexos rápidos exigidos nessas situações, para além de se gastar muito rapidamente.

O combate é por vezes frustrante, os puzzles simples e a câmara de consistência variável, no entanto Zack Zero é um jogo que tem personalidade. É mais difícil do que aparenta, e acaba por ser um jogo de plataformas da velha guarda com um (belo) acabamento 3D e mecânicas variadas, o que é uma lufada de ar fresco na montanha de shooters que os jogadores têm pela frente nos dias de hoje. E o amor e respeito da Crocodile pelos velhos jogos de plataformas é visível quando encontramos uma secção de jogo secreta e pixelizada, repleta de itens para apanhar. Pode não re-inventar o género, no entanto os amantes de plataformas têm em Zack Zero um jogo com solidez suficiente para algumas horas de divertimento.

(Zack Zero é um exclusivo Playstation Network)