Eu danço bem, a sala é que está torta e o gelo não ajuda.

Ao pegarmos pela primeira vez numa adaptação do cinema para o universo dos jogos, a reacção normal e acrescente-se legitima, é sermos defraudados nas nossas expectativas. Há excepções como é óbvio mas a regra infelizmente é que as versões jogáveis dos filmes são meras ferramentas de capitalização das produtoras. Não vou estar aqui a bater no ceguinho com esta conversa mas é só para que fique claro que este estigma tolda o nosso juízo e deixa-nos à priori de pé atrás. Tendo eu instruções para analisar este título de mente aberta resolvi arregaçar mangas e deixar-me ir pela magia destes pinguins dançantes. Frase demasiado romântica? Talvez até seja verdade, no entanto foi mesmo o que fiz, só não arregacei as mangas que está frio…

Sendo o Happy Feet 2 uma adaptação de um filme de animação, esta “passagem” para um outro médio talvez seja um pouco mais fácil. A versão PS3 não está igual ao filme como é óbvio, mas não vão ser precisas muitas mais gerações de consolas para as mesmas estarem ao nível gráfico daquilo que se faz actualmente no cinema. Sem me querer estar a armar em Guru, parece-me que a questão não é se as máquinas de jogo actuais de primeira linha vão conseguir atingir a qualidade do cinema de animação, mas sim quando. Para mim, isso não me parece estar muito longe.

Em 54 níveis distribuídos por 8 capítulos, o jogo segue a narrativa do filme, todavia Mumble, o protagonista da história, é acompanhado logo desde início pelo seu amigalhaço Ramon, um pinguim tipicamente latino (nos desenhos animados vale tudo). Os dois têm que angariar o maior número de pinguins possível com vista a destruir, num enorme salto colectivo, um iceberg perdido que cercou a comunidade de pinguins e também a encantadora esposa de Mumble. É uma coisa assim “ao nível” daquela teoria que dizia que a órbita do planeta iria alterar-se caso uma grande quantidade da população de seres humanos saltasse ao mesmo tempo, mas à escala de pássaros vestidos de mordomo inglês com tendências suicidas. Paralelamente, também há aqui um velho tema a ser abordado e este diz respeito à relação entre pai e filho. O primeiro tem dificuldades a relacionar-se com o segundo e o segundo é demasiado jovem e inseguro para perceber o primeiro. O resultado? Fugir de casa certamente. Aliás, é essa a razão para que Mumble se distancie da colónia e não fique preso pelo iceberg, como o resto da comunidade.

Debaixo desta carinha laroca, esconde-se um jovem problemático.

 

Mumble e Ramon alternam-se no modo de um jogador para completarem os níveis. Também há a possibilidade de dois jogadores disfrutarem do jogo simultaneamente, havendo porém o problema da câmera e as perspectivas geradas, mas já lá iremos. A cooperação entre estas duas personagens resume-se à activação de caminhos que garantam a passagem dos pinguins que ambos vão angariando ao longo dos vários níveis. Ocasionalmente os dois amigos competem para ver quem chega em primeiro numa espécie de corrida dentro de um túnel com picos, rampas, obstáculos e power ups. Ou chegamos em primeiro ou o Ramon passa-nos à frente roubando-nos a oportunidade de ganhar cem pontos (Uau!). Nos níveis normais, tanto um como outro têm que se servir do ritmo impresso pela música para através dos vários botões do control pad tirarem partido de movimentos especiais. Sejam eles andar mais rápido pelo nível, atrair as notas de música para si numa dança exótica, ou ainda destruir rochas e estalagmites. Embora a componente som deste jogo seja essencial, a dinâmica criada pelo mesmo não é muito clara . Até percebermos que existe um diapasão no interface do jogador, no topo do ecrã, ficamos com a sensação de estarmos completamente fora do ritmo da música. Infelizmente, esta sensação ainda é mais demarcada nas sequências de embate com bosses e outras personagens proeminentes da história. Estes momentos são definidos por uma pauta de música por onde percorre um ponto vermelho que saltita pelos vários ícones que representam os botões do comando. O problema é que a música que está a tocar em pano de fundo nem sempre coincide com o ritmo impresso pelo saltitar da bola, ou seja, parece que a música está separada do jogo, em vez de as duas coisas estarem interligadas. Este facto não estraga a jogabilidade diga-se.

Como o parágrafo anterior atesta, uma das componentes do jogo mais exploradas é naturalmente a banda sonora que ficou a cargo dos Ozomatli, uma banda que junta sabores tão variados como o Hip Hop, merengue, salsa, funk, regae e outros tantos estilos que definem a população de Los Angeles. Tenha-se ou não paciência para o estilo de músicas dos filmes de animação norte americanos é inegável a qualidade dos temas. Não aprecio particularmente a sonoridade mas ela funciona e o ritmo está lá. À medida que os níveis se vão sucedendo é possível desbloquear mais temas ao apanharmos colcheias em quantidade suficiente. Cada uma das músicas está associada a um medidor que é preenchido ao apanharmos notas músicais especiais (prateadas e douradas) espalhadas pelos níveis, grande parte delas está escondida ou em elementos gráficos (estalagmites, rochas) ou em áreas secretas. Quando passamos para o nível seguinte a selecção das músicas volta ao princípio. Se estivermos sempre a carregar no botão para avançar para passarmos ao nível seguinte, acabamos por escolher, sem querer, o mesmo tema outra vez. Faria mais sentido a selecção ficar na escolha que fizemos da última vez e a partir daí decidirmos se queremos continuar com a mesma, desbloquear a seguinte ou aumentar o contador de alguma que tenha ficado incompleta.

A qualidade visual é bastante boa, mesmo que os cenários não se alterem muito do princípio ao fim. O mapa de jogo é relativamente pequeno o que contrasta com os backgrounds cheios de elementos paisagísticos, profundidade de campo, perspectivas atmosféricas e cores próprias dos pólos do planeta. As diferentes luminosidades do dia são exploradas para proporcionar variação cromática e não nos cansarmos de estar sempre a ver as mesmas cores. A hora dourada (06h30 ou 18h30 mais ou menos) é a altura do dia mais utilizada, as cores tornam-se mais densas as sombras mais interessantes embora o constante lens flare canse ao fim de um tempo. Faz-me lembrar aquela vez que estava na torre (Serra da Estrela) e fui comprar queijo amanteigado e presunto para fazer uma sandes, quando me apercebi da beleza que me rodeava e que servia de pano de fundo para um acto tão barrasco e ao mesmo tempo tão lusitano, uma descrição para outra altura talvez… Alguns elementos 2d não estão na resolução que desejaríamos, notando-se pixelização nos separadores dos níveis por exemplo. Como o jogo foi desenvolvido para várias plataformas, provavelmente em vez de se criarem várias resoluções manteve-se uma para todas as versões. Este pormenor não é importante, reforça apenas a ideia que as adaptações do cinema para os videojogos são feitas a despachar. A contrastar esta pixelização estão as sequências de video em 2d que têm boa qualidade e cumprem o seu papel adicionando variação visual à experiência, ilustrando o desenvolvimento da história. Não são particularmente dinâmicas mas conseguem embelezar o jogo e dar-lhe um outro polimento. Podiam ter aproveitado o 3d para as sequências da narrativa, não o fizeram e na minha opinião tomaram uma boa decisão.

O motor de jogo é sólido ainda que existam alguns soluços nas transições para as sequências de duelo de dança contra bosses e outras personagens. Um bug ocasional faz com que o ritmo imposto pelo hud (informação sobre o jogo) pare pura e simplesmente. A música por sua vez também cessa de tocar, os pinguins já não podem ser angariados e sinceramente já só falta a banda de música do Titanic a tocar porque tudo parece uma verdadeira tragédia, só se houve o vento e pouco mais. A navegação pelos níveis é suave (especialmente se o fizermos a dançar) ainda que existam alguns movimentos aqui e ali não tão intuitivos, nomeadamente ao subirmos para certas plataformas ou ao realizarmos o famigerado windmill, tão entusiasticamente manifestado pelo nosso personagem. Ele diz: “Do the windmill!!!” Nós dizemos: “Salta essa porcaria se faz favor!!!” e ”pronto… voltei a falhar a porcaria do salto…”. Por vezes há notas musicais que ficam suspensas sem ser possível apanhá-las. Também existem colcheias que, após apanharmos um item que as faz cair do céu, descem para o infinito em vez de se fixarem na superfície do nível de jogo. Uma opção imperdoável do game designer foi não dotar de sombra estes elementos gráficos. Se o objectivo foi aumentar a dificuldade ao não distinguirmos a distância a que estão, essa decisão só irrita o jogador, então quando as notas musicais fantasma não se deixam apanhar começamos a ter afrontamentos, na versão masculina claro. Ocasionalmente os Skuas, pássaros nossos adversários, ficam a voar sem sair do sítio mostrando mais uma vez pressa da editora para lançar o jogo. No modo cooperativo por vezes fica difícil perceber por onde podemos passar quando os dois personagens se afastam um do outro. A câmera movimenta-se de modo a encaminhar o jogo para resolução do nível, mas quando se joga no modo que referi anteriormente, essa rigidez impede-nos de ter uma perspectiva mais clara daquilo que se passa à nossa volta, nada de grave todavia.

Se me obrigares a ver o Sven a dançar outra vez saio já por aquela porta...

 

Happy Feet 2 tem boa música, bons gráficos, embora a opção 3D seja dispensável (talvez a única vantagem é ganharmos uma outra noção da profundidade e as vantagens que isso traz para recolhermos as notas musicais espalhadas pelo mapa). É um jogo claramente direccionado para um público mais jovem, que fica entre aqueles que percebem o jogo suficientemente para o desfrutar e aqueles que têm paciência para progredir na aventura, uma vez que o jogo é bastante longo para títulos desta natureza. Não quero com isto dizer que os adultos não se possam interessar e envolver-se jogando com os mais pequenos. A possibilidade de jogar cooperativamente permitirá uma mãe, por exemplo, jogar com os seus filhos e tirar partido do espírito de cooperação e do desenvolvimento do ritmo auditivo e da moral da história impressa no jogo. Estes serão certamente bons motivos para passarem tempo juntos. Por outro lado, esperem momentos confusos quando a música parar subitamente ou notas musicais estiverem paradas no tempo e no espaço. Ah é verdade! Evitem ver o Sven a dançar a todo o custo, pois a criatura dança tão mal que se estivesse a fazê-lo num estádio de futebol parava a onda feita pelo público. Depois não digam que não vos avisei…

(versão analisada: PS3. Também disponível para Xbox 360, Wii e DS)