Há coisas que não mudam e ainda bem…

O mais famoso dérbi de destruição está de volta e desta vez abusou seriamente de esteróides anabolizantes. A destruição, mortandade e requinte maquiavélico vão aos limiares da decência e nós gamers, agradecemos com uma saudosa vénia. Relembro os leitores que este franchise é a mais antiga a gracejar a marca Playstation e quero acreditar que não ficará por aqui. Com onze anos de distância de Twisted Metal: Black (Ps2), sete de Twisted Metal: Head On (PSP) e quatro de Extra Twisted Edition (uma adaptação para PS2 da consola portátil) a Eat Sleep Play pôs mãos à obra e depois de três anos de trabalho, o resultado está à vista. Mais do mesmo poderão alguns dizer? Até pode ser verdade, porém o título publicado pela Sony enche as medidas apostando forte na componente gráfica e tudo o que a última geração das suas consolas caseiras pode fazer por este clássico.

A história deste título repete-se trazendo de volta a famosa competição patrocinada por Calypso que coloca serial killers a amolgarem chapa entre si com mísseis, bombas e outras artimanhas. O modo história conta o percurso e as motivações de três serial killers: Sweet Tooth, Mr Grimm e Dollface. As sequências da narrativa são contadas através de vídeos em detrimento dos gráficos in game que são de boa qualidade diga-se. Houve quem comentasse que a utilização de cenas reais tiraria alguma coerência estética. Na minha opinião parece-me que foi uma opção igualmente válida. Não sou particular adepto da utilização de filmagens em jogos, faz-me lembrar quando a transição para o CD-Rom trouxe o vídeo e os jogos eram sequências de cenas reais umas atrás das outras. Parecia que o vídeo era o passo seguinte e que o cinema interactivo era the next big thing. A profecia não se realizou e a sensação de enjoo nunca deixou o meu estômago… Contudo a utilização de vídeo neste título não me parece descabida. Estou a levar em consideração as vozes e o ambiente sonoro soturno e igualmente sinistro, requisitos essenciais dos filmes de série B. O problema é que perdemos o fio à meada, se é que alguma vez ele esteve na nossa posse.

Garotas, cheguei!

 

Na verdade, a história é negligenciável e chega a ser estranho como é que, por exemplo, a narrativa macabra de Sweet Tooth acaba por transitar para o nosso imaginário e se tornar… a nossa história. No fim de contas controlamos a “controversa” personagem e ficamos “responsáveis” pelos seus actos. Lembro-me de uma vez estar às quatro da manhã a jogar um conhecido jogo de terror, e de estar a matar enfermeiras com um machado de bombeiro. A diferença é que estava a lutar pela sobrevivência da minha personagem e as moças estavam numa espécie de transe mortífero. Aqui vemos um palhaço assassino com a cabeça em fogo a atormentar uma família para em seguida a massacrar violentamente. Parece-me que se havia jogos para serem bodes expiatórios de casos de violência entre jovens, este é um sério candidato. Mais que pessoas a serem atropeladas e o sangue espirrar contra o ecrã, Twisted Metal apela a tudo menos à cooperação. Não defende uma ou mais causas justas porque valha a pena lutar. Não transmite um sentimento de justiça, isso seria anedótico. Na verdade, é cada um por si com a sua visão retorcida do mundo, dúbias motivações e ímpetos. Poderia ser de outra maneira? Talvez não. Apesar de tudo este é o tipo de jogo que nunca morrerá. Não porque a individualidade e a competição são do domínio da natureza humana. .. Não são. Mas porque a morte dos nossos adversários significa que prevalecemos acima de tudo e de todos, e essa sensação foi-nos permitida num ambiente controlado, livre de perigos, ameaças físicas e psicológicas. Aprender a lidar com a sensação de vitória ou derrota é crescer emocionalmente e tornarmo-nos mais aptos a lidar com a adversidade. Sujeito a acesa polémica, a violência nos jogos é e será durante bastante tempo debatida. Os livros foram-no, o cinema também e os videojogos são de tempos em tempo chamados a prestar contas. Sem querer fazer desta análise um artigo de opinião digo apenas que o perigo virá talvez quando o Holodeck (Star Trek) decrito por Janet H. Murray se tornar uma realidade e a fronteira entre o real e o virtual se esbater. Twisted Metal não possui essa densidade toda, nem almeja esse objectivo, é simplesmente um jogo que ao mesmo tempo que aguça a competição e a destruição dos outros, proporciona verdadeiros momentos de diversão instantânea. Num momento somos os maiores, noutro somos lançados como um saco de batatas para longe dos olhares mais atentos. De qualquer forma assumirmos a personalidade destas personagens não deixa de ser tema de discussão e objecto de estudo. Mas adiante…

Quando o jogo saiu, pensei: “qual a razão de tanta espera…?” O género arcade transita rapidamente para outras plataformas de jogo e as consolas de trazer por casa (no pun intended) vão “cuspindo”, pouco a pouco, o esquema de satisfação instantânea tão apreciado no passado. Parece que o género já não é suficientemente digno de pertencer a uma biblioteca de diversão que se quer mais complexa, mais adulta. No meu entendimento este tipo de jogos são aqueles que nos fazem voltar e a longo prazo valorizam-se mais. A profundidade não é a mesma de outros géneros… Mas quem disse que os jogos têm que ser experiências multidimensionais? Também há espaço para a satisfação espontânea e este título faz precisamente isso. É matar ou morrer e de preferência que sejamos nós a sobrar no fim (esta frase foi escrita acompanhada de um sorriso irónico).

Graficamente Twisted Metal é bastante sólido mas não surpreende verdadeiramente. Os gráficos estão polidos quanto baste e há variação de luzes, cores e texturas para encher as vistas. A renderização de normal maps tornada possível pelo processamento da PS3, proporciona-nos o melhor Twisted Metal de sempre, esteticamente falando. A sensação de textura nunca foi tão real, ainda que esse efeito já não seja verdadeiramente novo para os jogadores. Fumo, explosões e efeitos especiais passam a pertencer quase totalmente para o domínio 3D, remetendo o 2D para gráficos estáticos como a UI (user interface). As alturas do dia mais exploradas são aquelas em que a luz é mais dramática e a noite bem ao estilo de Twisted Metal Black volta a estar presente e a agraciar-nos com alguns dos melhores momentos do jogo. Aliás, se há versões com que esta mais se assemelha, o título de dois mil e um é uma delas. Seja pelo seu carácter mais soturno ou o clima de ameaça que paira constantemente no ar.

A vertente sonora também segue as pisadas dos títulos que estão para trás. Não há cá melodias, canções de amor de encher o peito ou ritmos latinos. O som é pesado e é bom que seja assim, intérpretes como Iggy Pop e Rob Zombie, entre muitos outros orquestram a sinfonia de destruição que serve de pano de fundo desta cruzada. Porém, se ouvir o imagine do John Lennon enquanto chacinam assassinos é a vossa onda, há a hipótese de fazer uma lista de músicas personalizada. Só estou a dizer… Os efeitos sonoros abundam e fazem-se sentir a todo o instante. Pneus “guincham”, distorções sonoras rangem os dentes quando coisas rebentam e a aceleração dos carros é viril o suficiente para nos fazer lembrar que estamos a lidar com super veículos.

Os níveis são bastante variados e as suas dimensões mudam consoante o tipo de jogo que estamos a desfrutar. Rampas, prédios, edifícios nobres, montes e vales, estão espalhados um pouco por todo o lado. Há uma grande variedade nos gráficos espalhados pelos mapas e isso enriquece a experiência. Já não é apenas o nosso carro e a estrada que vemos no ecrã, mas toda uma panóplia de elementos, que se por um lado potenciam a nossa desorientação, por outro densificam a jogabilidade. Apenas elementos chave dos níveis e estruturas de maior dimensão não são destruíveis, o resto voa e rebenta à nossa passagem. É o caos, basicamente. Nos primeiros títulos da série, pelo menos até os três últimos episódios que saíram para a PS2 e PSP, respectivamente, os cenários demonstravam as suas capacidades limitadas . Neste último episódio essa falha é colmatada pelo poder de processamento da PS3. Segundo David Jaffe, se o jogo vender pelo menos o dobro de Twisted Metal Black, o estúdio fará o episódio seguinte. Para já não está prevista uma versão para a Vita, o tempo o dirá…. Os jogadores que são fãs da série apreciarão a adaptação à nova portátil, uma vez que a mesma proporcionará novas formas de controlar os veículos bem como tirará partido das suas capacidades online. Também me parece lógico que Twisted Metal seja transposto para este domínio se seguirmos o raciocínio e as tendências video lúdicas actuais.

Ó chefe, tem pastilhas de travão para isto?

 

Na componente história os modos de jogo são repartidos em nove níveis que oscilam entre o dérbi de destruição clássico, o dérbi com jaula e a corrida. O primeiro coloca-nos a combater com os outros assassinos tresloucados. Só ganhamos se resistirmos aos seus ataques e sobrevivermos. No final, “there can be only one” (já dizia o outro). A variante com jaula é talvez o modo mais difícil, uma vez que obriga-nos a estar dentro de uma área delimitada que vai mudando a sua localização de tempos em tempos. É possível ultrapassar os limites da mesma, mas ao fim de uma duração e de algumas mudanças de lugar, a nossa energia começa a ser afectada. Se não formos suficientemente rápidos a deslocarmo-nos de um sítio para o outro podemos dizer que o nosso sorriso vai ser muito parecido ao cabeçudo que se encontra no tejadilho da camioneta do palhaço mais antigo dos videojogos. Os níveis em que fazemos uma corrida são naturalmente os maiores. Estão pejados de obstáculos que, estrategicamente colocados, dificultam a nossa tarefa se nos restringirmos a “guiar” só com os olhos na estrada. Nestas fases do jogo somos obrigados literalmente a usar mais que dez por cento do cérebro (porque é que todas as pessoas que dizem esta frase fazem-no com um ar orgulhoso?). Eu estou a falar de multitarefa “à séria” porque as variáveis que temos que ter em consideração são muitas e o nosso progresso não está apenas dependente da nossa performance, há literalmente uma turba que deseja ardentemente acabar com a nossa existência. Num momento podemos ir descansadinhos na nossa vida e a pensar como será o próximo mapa e numa fracção de segundo estamos virados ao contrário a ver um bando de facínoras a passar por nós com total indiferença. Há que ter especial atenção em escolher bem o carro que queremos utilizar porque as exigências de motor e os respectivos cavalos de potência vão ser necessários até à última gota. Ou seja, não se ponham a vender gelados “à fresca” e ao volante do Sweet Tooth porque não vão muito longe. Vão pôr a miudagem ao rubro e tal mas no final da corrida é o vosso veículo que vai explodir violentamente e tornar-se uma bola de fogo projectada nos céus.

A mecânica de jogo é idêntica aos títulos anteriores, mas também não faria sentido ser diferente. Existem muitos carros, carrinhas e outros veículos para desfrutar e mais vão ficando disponíveis à medida que vamos avançando. Factores como velocidade, resistência, inércia e explosão no arranque, estão distribuídos de maneira a que haja equilíbrio e que ninguém se destaque verdadeiramente. Existem com certeza algumas pérolas da condução, mas cada um vale por si e pelas vantagens que proporciona. Há um helicóptero e outros veículos mais pesados à mistura para contentar todos os gostos destruidores. Solidez acima de tudo caracteriza este título, existindo equilíbrio de forças no sistema orquestrado pela Eat Sleep Play. Talvez os carros mais rápidos padeçam de uma protecção eficiente contra os embates inimigos embora me pareça que o problema está na dificuldade em controlar estes veículos. Faço aqui um parêntesis, para me queixar do carro Kamikaze que me fez lembrar uma série pindérica dos anos oitenta chamada Automan. Não faz curvas a noventa graus mas pouco falta. Perdendo o norte, perdemos a vida.

As personagens já não estão restringidas apenas ao seu veículo, podendo agora conduzir até três modelos diferentes. Estes podem ser alternados durante o jogo numa oficina presente em cada mapa. Aqui os carros recuperam a energia para serem usados outra vez, dando continuação aos nossos instintos homicidas. Nos níveis de corrida só podemos escolher um bólide e de preferência que seja rápido.

A física gerada pelo robusto motor de jogo Havok é irreal quanto baste e remete-nos para uma jogabilidade bastante old school sem preocupações em transmitir uma experiência fidedigna de condução. Os veículos rodam sobre si mesmos como se fossem carrinhos de compras e as acelerações e desacelerações são tão irreais que chegam quase a ser constrangedoras. Twisted Metal não é uma simulação de condução por isso por mais que possamos criticar a inércia exagerada, as sucessivas projecções no ar e as ocasionais percas de controle do nosso veículo, não podemos deixar de admitir que tinha que ser assim, se fosse de outra maneira provavelmente não iria ter piada nenhuma. Por outras palavras, não é defeito, é feitio. Alguns gamers podem transformar-se em bebés chorões (eu fui um deles) e queixar-se da dificuldade exagerada nos níveis de corrida culpando a jogabilidade dos veículos. É evidente todavia a importância menor desse factor quando, já distanciados dos nossos adversários, cabe-nos apenas dirigir até à linha de chegada. Aí é clara a solidez dos controles e a sua simplicidade. É cruzar a meta e sentir nas costas o calor das explosões dos veículos que ultrapassámos momentos antes…

No início de cada nível podemos escolher que tipo de arma queremos usar, usando o L2 do comando da consola para disparar. Metralhadoras fixas, uma Uzi, Magnum 44 ou caçadeira são alguns dos “petiscos” que podemos desfrutar. Existe também uma arma especial específica de cada veículo que depois de ser utilizada demora alguns segundos até ficar disponível outra vez. Os dispositivos bélicos restantes que se podem usar estão distribuídos pelo mapa de jogo e apanhá-los exigirá de nós perícia ou simplesmente sorte. Porque das duas uma, ou um ícone que nos dá a possibilidade de lançar mísseis, no meio da confusão aparece na nossa direcção por obra e divina graça do Espírito Santo e o apanhamos. Ou então fica uns milímetros ao lado e para possuí-lo teremos que fazer uma série de movimentações. Claro que com balas, minas e raios eléctricos à mistura as nossas manobras tornam-se ainda mais difíceis. É esta aleatoriedade que confere ao jogo verdadeiros momentos de divertimento alternados com ocasiões de raiva sublime, essa resposta emocional do jogador é chave para experiências deste tipo e os criadores de Twisted Metal sabem-no bem.

Um Transformer com cabeça de palhaço... Megatron, porque foges?

 

Para além da história existem também o modo training e challenge em single player. O primeiro, como o nome indica, permite-nos defrontar veículos individualmente ou em conjunto, sendo estes controlados pela consola. É uma espécie de simulação da vertente online onde será possível experienciar os mapas de jogo e modificar uma série de factores em ambiente controlado onde não existe a pressão dos outros jogadores. No segundo teremos diante de nós uma série de desafios e condições que definimos antes de jogar. O mapa, numero de adversários (bots), dificuldades e outros elementos (carros e transeuntes) são definidas pelo jogador.

Apesar da experiência single player ser só por si recompensadora, é no modo multiplayer que a Eat Sleep Play depositou esperanças em tornar Twisted Metal um êxito. Com efeito, é ao jogarmos com outros fãs deste título que tomamos consciência da sua potencialidade e o rendimento a longo prazo que nos poderá proporcionar. Progredir neste modo significa desbloquear mais carros, armas e skins para decorar o nosso carro. Por falar de decoração, é possível dirigirmo-nos ao site do jogo e criar pinturas customizadas, seja através de imagens tiradas na internet ou fazê-lo mesmo num editor gráfico como o photoshop. Depois é só fazer upload e apreciar o modelo que criámos e MATAR … err… desculpem-me, jogarmos com ele.

Este modo permite até dezasseis jogadores em simultâneo e as suas variantes oscilam entre o clássico deathmatch e team deathmatch, já bem conhecidos, e os modos last man standing, hunted e nuke. O primeiro destes modos delimita um número de vidas que podemos perder. Se formos o último a prevalecer ganhamos a prova. Em hunted basicamente estamos perante uma caça ao rato, uma vez que enquanto um jogador é marcado como sendo a presa, o resto dos jogadores vão ser os caçadores. É apanhar ou ser apanhado e existe também a variante em equipa. O modo nuke apresenta-se como uma espécie de capture the flag, mas ao invés da bandeira temos que capturar o líder adversário, trazê-lo para um lançador de mísseis (cada facção tem o seu) e sacrificá-lo para armadilhar a ogiva que por sua vez destruirá a estátua inimiga. Cada equipa tem a sua e têm que defender ou atacar em períodos distintos.

Este último capítulo de Twisted Metal é simplesmente o melhor da série. Certamente que para quem joga a mesma há muito tempo a sensação será agridoce. Por um lado desfrutará da melhor versão gráfica do franchise e gozará de uma componente multiplayer que justifica só por si a aquisição do jogo. Por outro, sentirá talvez que as coisas não mudaram assim tanto e que as horas passadas a jogar os títulos anteriores retiram agora algum prazer à experiência. Fico ainda assim com a sensação que este é o melhor jogo de combate de carros. Não vou falar de Rage porque aí a preocupação foi criar uma simulação, sem grande complexidade é certo, mas com uma mecânica mais realista e lógica. Em Twisted Metal tudo é grande, tudo é exagerado, a música é para ser ouvida a altos decibéis, as asneiras que dizemos de frente para a televisão são para serem soletradas e enfatizadas. Resumidamente, é caso para dizer que é um jogo para a palhaçada. “Why so serious ?” – diria o Joker…

(Twisted Metal é um exclusivo PS3)