O monstro precisa de amigos.

Muhammad Ali afirmou que “O Homem que não tem imaginação, não tem asas”. Para Vander Caballero, o criador do novo Papo & Yo, a imaginação foi uma forma de voar para longe de um passado cruel e uma forma de tentar enterrar a dor. Uma dedicatória no início do jogo “a meus irmãos, irmãs e mãe, que sobreviveram ao monstro em meu pai” mostra-nos que aquilo que vamos experimentar não será apenas mais um entretenimento fútil de comando na mão.

No novo exclusivo da Playstation 3 é impossível separar o “homem da máquina” e desagregar o criador da sua obra, pois ambos estão intrinsecamente e psicologicamente ligados. Papo & Yo baseia-se no passado de Caballero, na sua conturbada relação com um pai alcoólico e viciado em drogas e na desesperada e frustrada tentativa de uma criança em salvar o seu pai.

Busca papá, busca!

 

O jogo segue a personagem de Quico, inspirada em Caballero quando criança, através de um cenário figurativo construído a partir de elementos típicos do continente Sul-Americano sem especificar um local em particular. Das favelas do Rio, às ruas da Argentina e às florestas do Perú, a mescla de referência geográficas resulta num universo de jogo de uma enorme beleza visual e que inspira não só muita calma mas também muita vontade de exploração.

Do colorido das barracas das favelas a formarem enormes montanhas emaranhadas, às ruas de calçada que lembram os locais colonizados, incluíndo os enormes e sublimes murais pintados em enormes paredes, o mundo de Quico é um dos mais fascinantes cenários alguma vez presentes num videojogo. Só que este cenário não é estático e é a partir da possibilidade de alterar o mundo que surge a extraordinária mecânica de Papo & Yo. Inspirado nas criações de Miyamoto (Donkey Kong, Super Mario, Zelda) e de Fumito Ueda (Ico, Shadow of the Colossus), referências principais do criador, Caballero quis que a estória de Quico fosse contada pela jogalibidade e pela mecânica, em vez de usar “preguiçosas” sequências animadas.

Pode não ter tecto, mas tem uma vista linda.

 

Através de um sistema de desenhos de giz no cenário podemos interagir com o mesmo, modificando-o de forma radical. Podemos dar corda às barracas que por sua vez se levantam e caminham até novos locais; podemos fazer com que grandes cisternas de água ganhem asas e se empilhem para formar uma ponte; podemos completar mecanismos que rodam secções inteiras do cenário, ou mesmo transportar caixas de cartão que movimentam à distância enormes edifícios. Nem a imaginação é o limite e a nossa ferramenta principal para interagir com o mundo de jogo. Papo & Yo pode ser caracterizado como um jogo de plataformas na terceira pessoa, embora isso seja simplificar e catalogar demasiado uma experiência única. Sentem-se realmente as lições dos mestres neste jogo, e muitas vezes lembrei-me da genialidade de Super Mario Galaxy e da forma como ambos combinam na perfeição os elementos de plataforma com os elementos de puzzle.

Para conseguir chegar ao seu destino Quico terá que contar com a ajuda de um monstro que o acompanha. Este monstro é uma mistura entre uma criatura dócil e um ser ameaçador e é nesse binómio de incerteza que reside uma estranha relação de afecto e repulsa simultâneos. O mostro é, claramente, a metáfora para o pai de Caballero. Constantemente atraído por umas frutas amarelas, às quais não resiste correr atrás delas, o mostro prefere no entanto alimentar-se de sapos, quando disponíveis. Mas assim como o álcool, os sapos transformam o monstro numa besta em chamas que apenas quer derrubar Quico. É preciso que alimentemos o monstro com umas frutas podres (muito parecidas com o símbolo da água) para que este volte à sobriedade. Mas assim como Caballero precisou certamente do pai, nós precisamos do monstro para chegarmos ao nosso objectivo.

Eu disse Satisfaz Menos? Eu queria dizer Muito Bom!

 

A relação de Quico com o Monstro é parte integrante dos puzzles, e a gestão entre qual dos alimentos dar ao monstro irá resolver vários dos enigmas e permitir-nos abrir secções do cenário ou chegar a lugares inantigíveis. Contamos também com a ajuda de Lula, um pequeno robô brinquedo que transportamos agarrado às nossas costas e que nos permite executar saltos maiores, assim como de Alejandra, que nos vai guiando ao longo da aventura e que acredito ser baseada nos irmãos e irmãs de Caballero.

Nenhum texto ou análise pode no entanto exemplificar o poder emocional provocado e sentido pela jogabilidade de Papo & Yo. As metáforas sucedem-se umas às outras e várias delas apertam-nos o coração. Aquilo que fazemos ao nosso mundo é estória; a forma como usamos o monstro é estória; aquilo que vamos ganhando ou perdendo, aquilo que desenhamos e criamos, os momentos nos quais caminhamos são estória. Quando tiverem que, literalmente, dobrar todo o vosso mundo para tentarem salvar o vosso pai, vão perceber porque este será um jogo que ficará gravado nos livros, revistas e sites como um dos mais importantes de sempre.

E pensar que saiu de dentro de mim…

 

O jogo conta com alguns problemas gráficos, como colisões defeituosas ou perda de fluidez e velocidade em algumas secções, mas nada que altere a jogabilidade ou que menorize a experiência. O nível das animações dos personagens e o detalhe visual são regulares mas bastante elevados para um jogo independente, sem grandes virtuosismos mas com os elementos suficientes para proporcionar uma experiência credível. Já os ambientes musicais e sonoros são extremamente adequados com música sul-americana e uma contenção constante ao longo da jogabilidade. O jogo utiliza ainda a fórmula de mais qualidade e menos quantidade. É uma aventura de cerca de 3 a 4 horas, o tempo ideal para a estória que nos é contada, mas quando chegarem ao final é impossível não repetir. E depois de o acabarem, uma ou duas vezes, será impossível de esquecer.

 

O melhor: A mistura entre a metáfora da estória e as mecânicas de jogo; a relação entre Quico e o Monstro; A interacção e manipulação do cenário de jogo; A emoção tocante que o jogo provoca no jogador.

O pior: Alguns problemas de colisões e perda de fluidez.

Papo & Yo é um dos jogos do ano e uma das experiências de jogo mais mágicas e emocionais dos últimos tempos. Ao lado de títulos como Journey, Papo & Yo utiliza um conjunto de mecânicas geniais para nos apresentar a narrativa e onde jogar é contar a estória de um história difícil. Inspirado nos mestres Miyamoto e Ueda, Caballero consegue aqui um sólido passo no processo de elevar os videojogos à sua maturidade como forma de entretenimento e de arte. Ao contrário da experiência de Caballero com o pai, a experiência dos jogadores com Papo é algo para ficar sempre na memória mas, embora com um aperto no coração, esta promete deixar um sorriso nos lábios.

 

(Papo & Yo é um exclusivo Playstation 3)