Estado de graça.

Guild Wars desde cedo se destacou como um exemplo de um jogo sem subscrição que se manteve à tona de água, mas com uma experiência de jogo um pouco menos alargada do que os seus contemporâneos. Guild Wars 2 abraçou o mundo aberto, com todas as mecânicas básicas a que já nos habituamos neste tipo de experiência. Mas os meus receios de que se tornasse mais um clone foram imediatamente dissipados quando tive acesso à fase Beta, e percebi que a ArenaNet não se limitou a escolher o que resultava nos MMORPG da praxe, adoptando antes por uma postura de eliminação do supérfluo e dinamização da experiência tortuosa que a maioria dos jogos do género ainda continua a ser.

Guild Wars 2 é uma lufada de ar fresco no género. A ArenaNet embarcou na demanda de tornar a experiência do MMORPG única para cada jogador, eliminar o sistema de quests e modificar o modo como os jogadores abordam o End-Game.

De pequenino é que se torce a orelha.

 

O jogo foca-se desde início em dar carácter ao nosso personagem. O aspecto relevante são algumas escolhas que podemos fazer com impacto sobre a Personal Story do nosso herói ou características de personalidade que afectam diálogos e interacções com NPCs.

A Personal Story é jogada apenas por nós, instanciada, e é responsável pelo único quest log tradicional que o jogo tem. Um dos aspectos mais inovadores de GW2 é exactamente a forma como fazemos quests, achievements e desbloqueamos conteúdo, estando todas estas actividades integradas entre si de uma forma dinâmica. Cada região de jogo é em si um gigantesco objectivo, com um conjunto de actividades para completar, em troca de uma recompensa maior. As quests propriamente ditas são os Corações (Hearts), pequenas demandas que temos de fazer e que são o exemplo perfeito da forma dinâmica como o jogo está desenhado. Não mais precisamos de ignorar uma parede de texto a explicar que temos de matar 30 lobos ou apanhar 20 intestinos de porco, que nem sempre caiem.

Ao nos aproximarmos da zona do Coração, a informação básica do que temos de fazer aparece imediatamente no canto superior direito do interface, com uma barra de cumprimento da tarefa que vai crescendo à medida que a completamos. Concluir uma tarefa envolve sempre várias actividades: matar inimigos, apanhar itens, interagir com NPCs ou qualquer outra coisa que contribua para que consigamos ajudar a população daquela região. Isto significa que apenas fazemos uma quest de cada vez, e ainda assim podemos completar mais do que um objectivo ao mesmo tempo, porque é muito provável que nessa área esteja a acontecer um Dynamic Event.

Dolyak. Sempre na linha da frente.

 

Os eventos mais comum são semelhantes a uma quest, mas ocorrem periodicamente e podem ser realizados mais do que uma vez. Defender uma aldeia de um ataque, ocupar uma região, derrotar uma criatura, escoltar uma caravana, são exemplos de actividades com que o jogador se depara naturalmente e que provocam mudanças reais no mundo. Falar de quests é redutor, porque no fundo são muito mais do que isso. São o mundo de Tyria a acontecer, com ou sem a nossa participação. É-nos dada uma determinada qualificação consoante o grau de investimento que tivemos no evento, bem como Experiência, Karma (usado para comprar itens e equipamento), dinheiro ou itens. Na pratica significa que mesmo que a nossa participação seja débil, recebemos sempre alguma coisa, por vezes com alguma permissividade.

Para além dos Corações e Eventos, completar uma região envolve activar Waypoints (pontos de teleporte), Pontos de Interesse, Skill Challenges e Vistas, que podem ser melhor descritas como os View Points de Assassin’s Creed. Completar todos estes desafios é uma forma elegante de levar o jogador a explorar o mapa, conhecer todas as localizações, deparar-se com eventos, fazer gathering de matéria-prima e no fundo evoluir a sua personagem ganhando experiência. Por que todas as actividades dão XP. Somos recompensados por jogar, de uma forma tão natural que raramente sentimos que estamos a fazer grinding.

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Guild Wars 2 é um jogo que nos faz cooperar com os outras pessoas sem que isso nos seja imposto. É comum os jogadores se avisarem uns aos outros de determinado evento, agruparem sem qualquer sistema de formação de party e sempre que alguém morre é prontamente ressuscitado por outro jogador. É a prova cabal de que os adeptos de MMOs não são uma cambada de anti-sociais egoístas. O segredo está na forma como o jogo nos leva a lutar por um bem comum, e é uma estrondosa vitória num estilo de jogo em que na maioria das vezes nos sentimos sós, mesmo sabendo que partilhamos o mundo com milhares de pessoas.

Outro ponto chave é a forma inteligente como consegue manter funcional todo o conteúdo que oferece. Ao nos deslocarmos para uma zona de progressão inferior, o nosso nível é escalado para baixo, mantendo-se contudo ligeiramente mais alto. Isto garante superioridade, já que o nosso equipamento é adequado ao nosso nível real, juntamente com as habilidades que já desbloqueamos. Acabaram-se as zonas fantasma, em que poucos ou nenhuns jogadores se encontram presentes, bem como dezenas de quests e localizações que não oferecem qualquer motivação para serem percorridas que não seja a curiosidade do jogador.

Caso tenhamos um amigo que se junte ao jogo posteriormente, partir à aventura com ele torna-se muito mais motivador, mesmo na sua zona de nível. Apesar da experiência ganha ser menor em relação à nossa barra de progressão, completar a região, realizar eventos e apanhar materiais são actividades com as quais ganhamos sempre experiência e achievements. Significa também que jogar com um novo personagem ( GW2 oferece 5 raças e 8 classes diferentes, todas elas adaptáveis aos arquétipos Tank, Healer e DPSer) garante variedade, pela enormidade de áreas de que dispomos.

Toma banho, que cheiras a peixe.

 

O sistema de builds é muito peculiar e bem articulado com o combate. Cada arma oferece um conjunto específico de habilidades, e quanto mais armas utilizáveis pela classe, maior a flexibilidade. A cada nível ganhamos pontos Slot Skill, que são desbloqueadas consoante o nível e de forma cumulativa, e Traits, que oferecem modificadores passivos. GW2 continua a sua excelente tradição de oferecer um número singelo de habilidades, sendo a nossa build exactamente o conjunto de skills que decidimos compor. Não temos barras de habilidades a entupir o campo de visão. Mais não é melhor quando a experiência se torna num novelo de quadros, barras e barrinhas, valores numéricos e avisos sonoros.

O interface de GW2 é focado sobre as sensações visuais e mais uma vez, exemplo da forma dinâmica como o jogo está desenhado. Apesar de termos basicamente barra e meia de habilidades, algumas delas quando activadas substituem as 5 primárias ou activam um grupo diferente. Na prática é possível efectuar combinações de ataques complexas, sem que o ecrã pareça um puzzle de 1000 peças. O interface reage a forma como jogamos, tornando a experiência muito visceral.

Bate à porta, mas com jeitinho.

 

Não existe a tradicional barra de energia ou mana. Em combate apenas nos temos de preocupar com os cooldowns das habilidades, a nossa vida e modificadores de combos em algumas classes, porque a mecânica de habilidades varia ligeiramente consoante a classe. Combinações de ataque podem ainda ser feitas entre jogadores, com ataques que criam áreas de efeito e outros que finalizam um Combo. Como exemplo, uma parede de fogo pode ser usada para que setas ganhem subitamente fire damage.

A barra de Endurance é uma das melhores adições ao jogo. Em combate temos a possibilidade de facilmente fazermos um movimento de evasão sobre os ataques inimigos, significando que é possível evitar activamente ataques, de uma forma natural e fluída. Vem uma bola de fogo na vossa direcção? Mergulhem para o lado e evitem-na, escondam-se atrás de uma parede e bloqueiem esse ataque.

O jogo oferece ainda duas experiências PVP distintas. O World vs World (WvW) é constituído por 4 massivas regiões onde 3 servidores lutam pela supremacia e bónus para os seus jogadores, com dezenas de bases para capturar. O nosso nível é escalado para 80, mas apenas dispomos das habilidades e equipamento que adquirimos na nossa progressão PvE. Podemos fazer upgrades aos edifícios, adquirir armas de cerco, escoltar caravanas e envolver-nos em batalhas épicas por recursos e guarnições. É uma experiência à parte, e mais uma vez fonte de XP e progressão do personagem. Existe ainda um PvP mais estruturado, que pode ser descrito como um conjunto de battlegrounds tradicional. Aqui o equipamento é único, as habilidade estão todas disponíveis e existe uma barra de experiência exclusiva a este modo. Neste caso, é mesmo um jogo à parte.

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Temos à disposição 8 masmorras para conquistar em grupo. Felizmente são de extrema dificuldade, pelo que completa-las é uma tarefa que exige muita cooperação entre os jogadores, uma lufada de ar fresco nos dias de hoje. Inicialmente percorremos cada dungeon em modo estória e posteriormente em modo de exploração, que oferece diferentes versões do desafio, influenciadas por eventos.

Guild Wars 2 respeita o nosso ritmo de jogo. Senti-me satisfeito ao ganhar experiência simplesmente por interagir com o mundo, senti que explorar o ambiente era sempre fruto de aventura, de novidade, de locais interessantes e de evolução do meu personagem. Senti-me orgulhoso dos milhares de companheiros que jogavam comigo, por se entre ajudarem. Senti que o sistema de crafting era funcional e genuinamente interessante, com a possibilidade de acumular a experiência de qualquer profissão mesmo que a substitua por outra.

O melhor: A forma como integra todas as mecânicas de jogo com a experiência e progressão do jogador. A dinâmica das quests, eventos e o escalamento de nível garantem uma experiência nova com personagens diferentes e que todo o conteúdo seja funcional e acessível. A mecânica das habilidades e o combate são elegantes e abrangentes. Sensação de que o mundo está vivo e à espera da nossa participação activa. O jogo leva à cooperação entre jogadores sem a forçar.

O pior: A posição da câmara oferece má visibilidade dentro de edifícios, espaços apertados ou com vegetação densa. Não existem mounts. Alguns gliches visuais e bugs ocasionais. Os pontos de Skill podem acumular-se se fizermos uma build funcional muito cedo.

Guild Wars 2 é obrigatório para os amantes do género e não só. É um jogo extremamente focado, com uma forma diferente de abordar o conteúdo massivo que este tipo de jogos oferece. Uma abordagem funcional e dinâmica que garante frescura mesmo quando fazemos aquilo a que já estamos habituados. Oferece muita diversidade, com a Personal Story, quests e eventos, crafting bem implementado, masmorras desafiantes e PvP épico, com todo o conteúdo acessível pelo preço de admissão. O combate e classes são flexíveis, adaptáveis a qualquer circunstancia e papel a desempenhar, e o sistema de questing é brilhante. Implementa certas mecânicas de jogo de uma forma tal, que se tornou para mim impensável não as encontrar em MMOs que jogue futuramente.

(Análise da versão PC. Disponível também para MAC)