Burn motherf*cker, burn!

Há qualquer coisa de Tim Burton na lareira de Little Inferno. A crueldade inocente, o humor negro, e a beleza triste juntam-se neste jogo independente para trazer calor até às nossas salas e quem sabe aos nossos corações. Ao contrário do que nos avisa a sabedoria popular, aqui deve-se brincar com o fogo.

Venham a mim as criancinhas, e os seus instintos primários.

Venham a mim as criancinhas, e os seus instintos primários.

 

Kyle Gabler e Kyle Gray são estrelas do fenómeno indie dos últimos anos que tem vindo a tornar criadores independentes em pessoas de sucesso. O primeiro foi responsável por World of Goo, o jogo de puzzles que foi um dos primeiros triunfos milionários, o segundo por Henry Hatsworth in the Puzzling Adventure, um dos jogos mais únicos da Nintendo DS. A Tomorrow Corporation é a nova produtora que resulta da junção de ambos os Kyle com Allan Blomquist com a ambissão de desenvolver jogos indie onde as prioridades sejam a liberdade criativa e integridade artística. Little Inferno é o resultado.

Little Inferno Entertainment Fireplace é, tal como o nome indica, uma lareira concebida para entreter. Num momento em que neva desde há muitos anos sem parar e que as crianças têm de ficar sozinhas em casa, a Tomorrow Corporation permite aos pequenos catraios desfrutar do conforto de uma lareira e de um enorme catálogo de produtos disponíveis para queimar. A primeira acção que o jogo nos permite fazer, naquele que é um momentos de tutorial genial, é queimar o contrato de termos e condições que acompanha a lareira. A partir deste momento percebemos que o intuito do jogo é colocar objectos na lareira e pegar-lhes fogo, contando para isso com 7 catálogos repletos de produtos que podemos adquirir.

Tanto para queimar, tão pouco tempo.

Tanto para queimar, tão pouco tempo.

 

A genialidade de Little Inferno está em dar resposta a um dos nossos instintos mais primários desde crianças. Olhar para o fogo de uma lareira e colocar nela objectos para queimar. Se até hoje nos limitámos a pinhas, pequenos ramos, jornais e um eventual objecto de plástico mais azarado, agora temos acesso a ninhos de aranhas, bonecos piratas, cartões de crédito, bonecas russas, uma fábrica de clones ou até mesmo um sistema de galáxias em miniatura, que são apenas alguns dos 140 objectos à nossa disposição para queimar. Por cada objecto queimado recebemos dinheiro que, curiosamente, é sempre de um valor superior àquele que o objecto nos custou. Em Little Inferno a ideia é simples: comprem coisas, queimem-nas e ganhem com isso mais dinheiro do que pagaram pelas mesmas, para comprarem mais coisas. Modelo de negócio insustentável, porém irrecusável. No entanto, com uma premissa tão simples, o que separa Little Inferno de um protetor de ecrã interactivo e o torna num jogo? Um delicioso sistema de combinações entre os vários objectos a queimar.

Queimar um peluche de um dinossauro juntamente com um elfo bombista vestido com um colete de explosivo desbloqueia o combo Dinomite, enquanto queimar um relógio despertador ao mesmo tempo que um pacote de sementes de girassol desbloqueia o combo Springtime. São 99 combinações possíveis e é na tentativa de as descobrir todas que reside a diversão do jogo. A única pista que nos é dada é o nome da combinação e a indicação se o combo se faz com dois ou com três objectos.

Tudo começa com um acto de responsabilidade.

Tudo começa com um acto de responsabilidade.

 

Embora o jogo possa ser controlado através do Gamepad a melhor forma de o jogar é com o Wii Remote que nos permite agarrar os objectos e lançá-los na lareira, assim como dispersar os restos em cinza que sobram. A física de fogo utilizada transmite-nos uma curiosa falsa sensação de calor proveniente do televisor, enquanto a iluminação e som dos objectos chamas recriam na perfeição o nosso fascínio pelo lume. São sensações que se juntam aos risos e sorrisos que o jogo nos provoca. De um peluche de guaxini que espuma de raiva antes de pegar fogo, a uma boneca de brincar de uma mulher sem autoestima que afirma quando a lançamos à fogueira: “Eu ainda sou bonita”. O humor negro associado a elementos que nos parecem sempre de brincar torna a experiência descontraída e divertida e nada chocante, embora talvez seja aconselhável uma séria conversa com os nossos filhos antes de os deixarmos queimar um tablet ou um telemóvel.

A Tomorrow Corporation tinha em Little Inferno a oportunidade de criar um jogo grátis baseado em micro transações mas, felizmente, optou por cobrar um único valor e todo o dinheiro necessário para comprar os objectos é ganho dentro do próprio jogo. No entanto, DLC’s no futuro com mais catálogos e mais combinações seriam muito bem-vindos para prolongarem a longevidade do título.

Há mais do que queimar em Little Inferno e existe um final para o jogo para além de descobrir todas as combinações. Das cartas que recebemos da Sugar Plumps, a nossa vizinha da frente, às mensagens do meteorologista ou à criadora da lareira, existe uma história que caminhará para um final épico, tocante e metafórico, mas isso fica para vocês descobrirem.

 

O melhor: O fogo; As combinações; O excelente humor negro; O cuidado na arte e animação de todos os objectos; o final.

O pior: Nada a assinalar.

Little Inferno pode ser uma experiência curta. Em cerca de 4 horas terminamos a história e não são precisas mais do que 10 horas para descobrir todas as combinações. Porém cada minuto passado a lançar objectos para a lareira e a queimá-los é uma experiência de jogo reconfortante, o que aliado a enormes doses de humor negro nos mais de 140 objectos resulta num pequeno jogo genial. Como dizia a música: “We don’t need no water, let the motherf*cker burn”.

 

(versão analisada: WiiU. Também disponível em PC e Mac)