Água mole em pedra dura…

É inegável que, neste momento, são os jogos independentes que trazem grande parte das ideias criativas e mecânicas novas para o mercado. Feitos por equipas pequenas e com pouco orçamento, o truque para se ser bem sucedido com um jogo independente está em conseguir mostrar o valor do nosso jogo em termos de conceito e jogabilidade, já que é muito complicado conseguir surpreender a nossa audiência com o último grito em gráficos do mercado. A boa notícia é que para se ter um bom conceito e jogabilidade não são precisos muitos meios – basta ter boas ideias e uma boa execução destas. A má notícia é que se isso falhar, pouco mais nos resta para avaliar. Com isto não quero dizer que o jogo que estou prestes a analisar seja um destes piores casos mas a verdade é que, para mim, Vessel cai algures no meio deste objectivo – tem excelentes ideias mas, por vezes, a execução deixa algo a desejar…

Vessel é um jogo de plataformas com elementos de puzzle bastante focados em torno de físicas de líquidos. A história é simples e objectiva: um inventor revolucionou o mundo quando criou máquinas que animam fluídos e que podem ser programadas para executar tarefas simples. O problema é que estas máquinas, chamadas Fluros, ganharam vida própria, trancaram o cientista fora do seu laboratório e espalharam o caos por todo o lado. É o nosso dever, como inventor destas engenhocas caóticas, controlar a situação e reparar os estragos feitos antes que seja tarde demais. Para isso temos ao nosso dispor um pulverizador que nos permite absorver e disparar água ou outro tipo de fluídos que encontremos durante o jogo. Temos também acesso aos Fluros que, com um simples esguicho de líquido, rapidamente se transformam em criaturas sentientes e prontas a desempenhar o seu programa. Existem cinco tipos diferentes de Fluros, os quais vamos ganhando à medida que a narrativa se desenrola.

Aqui vemos a famosa máquina de cortar cabelo a Fluros.

Aqui vemos a famosa máquina de cortar cabelo a Fluros.

O jogo tem uma estrutura semi-aberta – começamos o jogo numa fábrica com várias máquinas para arranjar e podemos arranjá-las pela ordem que preferirmos, embora tenhamos sempre de voltar para trás se quisermos completar os puzzles todos do local. Ao completarmos a fábrica, vamos parar ao Laboratório que serve como uma espécie de hub onde podemos aceder e desbloquear novos locais, comprar upgrades para o nosso pulverizador e indo desbloqueando o acelerador de partículas do Laboratório à medida que reunimos todos os elementos precisos para o arranjar nos outros locais do jogo. Os upgrades surgem na forma de modos alternativos de disparar água mas são completamente acessórios e não trazem grande vantagem adicional para o jogador. Para desbloquear um novo local temos de resolver um puzzle que envolve utilizarmos os Fluros e as técnicas que aprendemos no local anterior, consolidando assim conhecimentos antes de progredirmos para novos desafios.

Em termos de design, os níveis e puzzles são bastante bem desenhados e criativos, nunca repetindo a mesma solução e adicionando sempre novos elementos à medida que progredimos. No que toca a conceitos e a ideias para jogabilidade, impera aqui bom gosto, cheio de criatividade e ideias interessantes de se explorar num jogo. No entanto, os problemas começam a surgir quando começamos a olhar para a execução destes conceitos. A ideia de jogarmos e manipularmos físicas de líquidos para resolver puzzles é muito agradável em teoria. Já na prática, existe um grande buraco onde não podemos cair que é no deixar as físicas e dinâmicas pouco polidas pois um sistema destes facilmente cria bugs, situações imprevistas ou simplesmente deixa-nos a sentir que temos pouco controlo sobre a maneira como os líquidos se comportam. Infelizmente, o jogo parece ter mergulhado de cabeça neste buraco. Foi comum no meu jogo não conseguir resolver um puzzle à primeira ou segunda tentativa, apesar de saber a solução, pois tanto os Fluros ou a água não se comportavam como era esperado. Aconteceu também o contrário – resolvi um puzzle quando uma partícula de água renegada resolveu voar para onde não devia e, por mero acaso, acertou no sítio correcto.

Este senhor tem um L.H.C. em casa!

Este senhor tem um L.H.C. em casa!

Existe também uma curva de aprendizagem estranha. Há conceitos no jogo que nunca são explicados devidamente, deixando o jogador a ter de adivinhar como se faz determinada acção ou para que serve determinado objecto. Um exemplo característico é o facto do jogo ter interruptores onde nos temos de pendurar para os activar, mas nunca se ter dado ao trabalho de nos explicar que aquilo são interruptores, nem como é suposto interagimos com eles (também não ajuda o facto de a arte não os fazer destacarem-se ao olho do jogador, eu diria que faziam parte do cenário se não tivessem um grande “X” de metal desenhado).

Em termos artísticos, o jogo tem visuais e música agradáveis, combinando um misto de desenho com tridimensionalidade onde os elementos 3D como as partículas de água e os Fluros encaixam bastante bem, dando-lhe um ar meio cartoon bastante apelativo. Embora o problema dos interruptores de que falei à pouco seja maioritariamente uma falha de design, poderia ter passado despercebido se a arte destacasse melhor os elementos com que podemos interagir dos elementos de fundo. As animações do nosso protagonista deixam muito a desejar também, pois a maior parte delas são simuladas com físicas em tempo real, dando-lhe o aspecto aleatório e estranho de uma boneca de trapos a ser arrastada por paisagens bem desenhadas.

Nem quero pensar na Taxa de Conservação de Esgotos...

Nem quero pensar na Taxa de Conservação de Esgotos…

Confesso que acabei o jogo um tanto frustrado. Sobretudo porque eu queria mesmo muito gostar de este jogo e ele realmente tem tudo para ser excelente, mas acabei dividido por uma mera falta de polimento naquilo que é o ponto atractivo principal do jogo – as físicas de fluídos. Se por um lado os criadores fizeram tudo bem no que toca ao design de puzzles, à progressão de jogo, aos conceitos e à criação de mecânicas interessantes, por outro lado, as dinâmicas criadas pelas físicas manhosas estão claramente a prejudicar o jogo. Apesar disto, existem pequenos pormenores de jogabilidade aqui e ali que adorei, tais como o sistema de upgrades ser uma máquina que temos de encher com um tipo de fluído específico e depois operá-la para criar o upgrade que queremos ou descobrirmos como combinar todos os fluídos do jogo na grande traquitana final do Laboratório.

O melhor: Ideias muito frescas e puzzles com físicas de fluídos.

O pior: Falta de polimento e puzzles com físicas de fluídos.

Talvez esteja a ser muito duro quando considero o ponto atractivo principal do jogo (as físicas de fluídos) tanto o melhor como o seu pior mas a verdade é que faltou aquele bocadinho “assim” para isto ser excelente e eu sou do tipo de pessoas a quem irrita ver projectos cheios de potencial que podiam ter tido um “Muito Bom” se tivessem mais cuidado e amor, a tirarem um mero “Bom”. Não se deixem enganar pelo meu discurso crítico dos aspectos mais técnicos de Vessel – continua a existir aqui um jogo bom. Não vai encantar todos mas recomendo-o para todos os amantes de jogos de plataformas com sabor a puzzle.

(Disponível para PC e Mac)