As armas e os barões assassinados.
Foi no momento que comecei a deslocar-me inconscientemente na minha cadeira, afastando-me e desviando-me de golpes de espada puramente virtuais, que compreendi o efeito visceral da experiência que estava a ter naquele momento. Isso, e quando após um momento de tensão e retesamento muscular ao ver um machado a precipitar-se na minha direcção, descontraí os ombros enquanto soltei umas boas gargalhadas com o que se passou no ecrã: o meu corpo projectado contra um cilindro de lâminas e a minha cabeça rolando pela praça fora.
Chivalry: Medieval Warfare (CMW) é um jogo de combate na primeira ou terceira pessoa, em que duas facções opostas guerreiam por objectivos firmemente enquadrados numa premissa medieval. Mesmo que o objectivo seja simplesmente a obliteração dos adversários. O que começou por ser um mod (Age of Chivalry) no motor Source da Valve, transformou-se com o apoio de uma campanha Kickstarter bem sucedida numa das experiências multijogador mais satisfatórias que poderão jogar neste final de ano de 2012.
A envolvência de CMW começa então na narrativa que o jogo estabelece, ou antes, que vamos compreendendo à medida que jogamos. Durante o reinado de Argon, uma força rebelde liderada por Malric Terrowin, a Mason Order, ameaça ocupar o reino após aniquilar o rei, impedindo o seu descendente de subir ao trono. A revolta assenta na liberdade, no separatismo e em ideais de força e meios que justificam os fins. Cabe às forças imperiais a defesa do reino, os honrados mas privilegiados Agatha Knights. Estes acusam os Mason de plebeus campónios, enquanto as forças de Malric reclamam a si o direito à pilhagem e deposição do falso rei, por que meios sejam necessários.
Esses meios envolvem de um modo geral a destruição de aldeias, a chacina de camponeses, a ocupação de territórios, sendo que na prática isto significa muita distribuição de fruta. Sob a forma de martelos de guerra, balistas, lanças, espadões, machados e toda uma selecção de utensílios desenhados especialmente para separar membros e ventilar crânios.
É o sistema de combate de CMW que suporta toda a ambiência do jogo e lhe confere uma jogabilidade gratificante e robusta. Usando os típicos controlos de qualquer jogo na primeira pessoa (também possível em 3ª), temos no rato a fonte dos ataques efectivos, fazendo uso da roda do rato também no controlo desses ataques. Este factor pode ser inicialmente estranho e requer alguma destreza pela sensibilidade que a roda tem ao nosso toque, mas acaba por se enquadrar na dinâmica do combate. Isto porque os ataques não são imediatos ao milésimo de segundo. Existe uma latência mínima entre pressionarmos para atacar e o golpe efectivo, já que o sistema de combate simula a dinâmica de movimento que seria brandir uma arma medieval.
Desta feita, todo o ataque têm uma dinâmica própria, dependendo da nossa distância relativamente ao oponente, da altura do ataque e até da forma como nos posicionamos ao fazê-lo. Podemos ainda fazer ataques em sprint (a classe Vanguard têm um ataque específico a correr) e anteceder ou atrasar um ataque, pela forma como nos viramos lateralmente ao atacar. Muita vezes isto pode significar que em primeira pessoa perdemos alguma visibilidade, mas com a prática, adquirimos a rapidez necessária e presença corporal que nos permite controlar efectivamente a situação. Podemos ainda ameaçar o ataque através do seu cancelamento, que permite desequilibrar o oponente obrigando-o a efectuar um bloqueio em falso, e dando-nos uma abertura. A maioria das acções consome Stamina, fundamental para o sucesso do combate. Estas mecânicas juntamente com a capacidade de bloqueio e um pontapé para quebrar esses bloqueios, trazem ao sistema de combate um equilíbrio quase perfeito entre a simulação e a acção.
E não se deixem assustar pela palavra “simulação”, porque CMW é um jogo de acção caótica. A sua envolvência fica completa pelo excelente design de som, não só ao nível de todos os movimentos e componentes bélicos que o jogo tem, mas também pela grande quantidade de vocalizações que oferece. É comum em combate ouvirmos palavras de ordem e motivação para cumprir os objectivo, e a maior parte das vezes esses gritos são dos próprios jogadores. É impossível de descrever a satisfação de soltar um grito de guerra enquanto corremos desalmadamente de encontro aos nossos inimigos, fazendo eles o mesmo. Ou encontrando um soldado frente-a-frente, ambos realizarmos um taunt antes de nos envolvermos num duelo até à morte. A presença de friendly fire dá uma dimensão estratégica muito grande ao jogo, porque nos vimos obrigados a usar diferentes ataques em diferentes situações. Em batalhas mais agrupadas por exemplo, não é sensato realizar golpes horizontais, correndo o risco de decepar um companheiro. Garanto-vos que irá acontecer algumas vezes, o que não deixa de ser hilariante.
O máximo de jogadores com que joguei foram cerca de 50. Com estes números, CMW é impressionante. Pedras gigantescas voam por cima das nossas cabeças, lançadas por catapultas de ambos os lados, setas assobiam ao nosso lado vindas de Archers (uma classe que é constituída pela escória da humanidade), amigos e inimigos degladiam-se em grupos, ou levam com martelos pela nuca a dentro, em ataques cobardes pela retaguarda. Ou numa arena medieval, onde paredes cobertas de lâminas, fogo ou um fosso, enfeitam o cenário à espera daquele pontapé certeiro que lhes oferece um jogador para moer. Vamos queimar aldeias e matar camponeses, tentar aniquilar o rei, eliminar trebuchets inimigos que destroem os nossos barcos, que se aproximam na costa, ou empurrar um carro cheio de corpos de forma a contaminar a água, para depois assassinarmos a família do rei.
CMW oferece modos de jogo como defesa ou conquista de objectivos, eliminação, escolta, King of the Hill e Deathmatch. Mas a grande nuance é na forma como eles nos são apresentados, que como já foi descrito acima, são bastante envolventes. Não sinto que estou a escoltar um carro, mas que desloco um aríete para invadir o castelo do rei. Os mapas estão ainda disposto por fases. Quando um objectivo é atingido, outra parcela de mapa é desbloqueada de modo a realizar a próxima tarefa, com grande consistência em termos de narrativa, algo muito raro num jogo deste género.
Com 4 classes de soldados distintas, cada um com uma vasta selecção de armamento desbloqueável, CMW garante muita variedade de estilos de jogo, porque cada arma tem uma dinâmica de utilização diferente. As classes apresentam características chave que proporcionam experiências de jogo diferentes, pelas suas diferentes estatísticas físicas mas também pelo armamento que podem usar. As armas são desbloqueadas consoante o número de kills que fazemos com elas, com uma progressão de dificuldade crescente, sendo que armas como o javelin são muito mais difíceis de utilizar do que uma longsword, por exemplo. Feitas as contas, a variedade é suficiente para manter o interesse na mecânica de desbloqueamento, apesar de sentirmos falta de mais opções de customização dos personagens que se reduzem a um capacete se completarmos uma das classes.
O jogo apresenta um Unreal Engine robusto, com uma ambiência fantástica, não escapando a presença de glitches ocasionais. Talvez o mais aborrecido seja alguma inconsistência nas colisões com algumas partes do vasto cenário, mas ainda assim, este problema é raro e não particularmente grave. As colisões em combate são perfeitas e esse é o aspecto do jogo mais importante na experiência.
Alguns jogadores queixam-se de problemas com a informação disponibilizada pelo server browser, que por vezes não é correcta, aspecto que tem sido melhorado através de patches, problema que neste momento está praticamente resolvido. Se bem que, mesmo que tenhamos de procurar um pouco mais por um server à nossa medida, a verdade é que existe actualmente muita gente a jogar, e esse potencial trabalho extra vale muito a pena. A qualidade da experiência compensa as pequenas falhas de polimento que encontramos em alguns sectores do jogo, como por exemplo a simplicidade do HUD, ou estes soluços do server browser. O jogo irá ainda ter mais optimizações futuramente e adição de conteúdos onde se incluem por exemplo, mais opções de customização.
O melhor: o sistema de combate; a variedade de classes, armas e estilos de jogo; jogabilidade envolvente; o design dos mapas, em especial os objectivos dinâmicos que apresentam; o sistema de físicas e de hitpoints localizados; acção pura e visceral.
O pior: glitches ocasionais; server browser pode dar informação errada; ficar preso no cenário; pouca customização física das classes.
Chivalry: Medieval Warfare é uma experiência de combate visceral e caótica, com bom design de mapas, objectivos dinâmicos e uma envolvência narrativa pouco comum num jogo do género. Apresenta um sistema de combate que consegue um equilíbrio quase perfeito entre a simulação e a acção, transmitindo ao jogador a sensação pura de uma batalha medieval, principalmente na primeira pessoa. Com uma quantidade de armas desbloqueáveis respeitável e 4 classes com dinâmicas de combate diferentes, os seus modos de jogo têm robustez suficiente para garantir longevidade, ainda para mais com a promessa de DLCs futuramente. Chivalry: Medieval Warfare é uma das melhores experiências de combate na primeira pessoa que tivemos este ano, e sem disparar uma única bala. Impalamentos de javelin à cara de adversários não contam.
(Disponível para Windows)
Comments (2)
[…] O novo update é efectuado automaticamente assim que corrermos o jogo. Alguns dos problemas que CMW tinha continuam a persistir, como o server browser que apresenta informação desactualizada e muito jogadores queixam-se de imprecisões ao nível da detecção de colisões pós-patch. A verdade é que o sistema de combate requer alguma habituação e a perspectiva de primeira pessoa pode inicialmente causar alguns problemas. No entanto, continuamos a achar que é das melhores experiência de combate corpo-a-corpo que podemos ter actualmente, mesmo que sejam necessários alguns afinamentos. No campo do combate, certamente que a série The Elder Scrolls podia tirar alguns apontamentos em relação a Chivalry: Medieval Warfare. Vejam a análise do Rubber Chicken aqui. […]
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