Regresso ao passado.

Em todas as estórias e histórias existem heróis. Da Grécia antiga, dos Descobrimentos, das batalhas sangrentas e das manifestações pacíficas, do desporto. Heróis lembrados e heróis esquecidos. As consolas têm também a sua história e, por sua vez, os seus heróis. No caso da PlayStation muitos deles viveram na sombra de outros. Sly Cooper viveu sempre na sombra de Crash Bandicoot e enquanto o segundo era e é facilmente identificado e conhecido, Sly passou despercebido a muitas pessoas. Porém, as jogadoras e jogadores que passaram os dedos pelas aventuras do guaxinim salteador, tornaram-no num pequeno culto do herói esquecido. Basta percorrer comentários e fóruns para se perceber a vontade dos que jogaram em evangelizar os que desconhecem.

Sly Cooper: Thieves in Time poderia ser também denominado Sly Cooper 4. Depois de um remake HD na PlayStation 3 com os três primeiros títulos remasterizados, surge uma nova aventura que tenta trazer de novo Sly para a ribalta, desta vez sem concorrência do género nas plataformas da Sony. A jogada é sempre arriscada. Mais do que o aspecto visual cel-shaded dos originais, mais do que capacidades técnicas de uma máquina, foram sempre as boas mecânicas de Sly Cooper que fizeram dos seus jogos bons títulos. Mudar as mecânicas significava recusar um passado que resultava, e não mudar significava mais do mesmo. Daí que a aposta do estúdio Sanzaru Games (os originais foram da Sucker Punch que partiu para outras águas mais “infâmias”) tenha sido muito conservadora neste novo jogo da série.

Só aqui falta o Marty McFly para ficar composto.

Só falta aqui o Marty McFly para ficar mais composto.

 

O artifício narrativo utilizado em Thieves in Time é o mais acertado para esta tentativa de recuperar a série sem arriscar. Alguém está a apagar a história de Sly Cooper, intervindo na sua árvore genealógica para que o passado nunca tenha acontecido. Mas como dizia a célebre frase de um filme “podes cortar com o passado, mas o passado não corta contigo”. Por isso Cooper junta-se aos amigos Bentley e Murray para viajar no tempo e visitar os seus antepassados. Isto leva-o a viajar até ao Japão feudal, ao faroeste Americano, à pré-história, à Inglaterra medieval, entre outros locais, onde irá conhecer outros Cooper, cada um com as suas capacidades e poderes.

É aqui que o jogo experimenta mecânicas e formas de jogar novas. Ao podermos controlar os antepassados de Cooper, temos acesso também às suas características individuais. Teleportação, tiros, capacidade de trepar grandes alturas, são novidades que as novas personagens nos trazem. O comportamento de Sly Cooper é o habitual com jogabilidade furtiva bem afinada e com a introdução de disfarces que acrescenta algumas novidades e capacidades. No entanto, se somarmos todas as personagens controláveis às quais se juntam Bentley, Murray, Carmelita e todos os Cooper ancestrais, temos muita variedade de formas de jogar. As mecânicas de roubo e os golpes finais estão especialmente divertidos de usar.

Como é que era o Konami code?

Como é que era o Konami code?

 

Infelizmente, os níveis não acompanham esta variedade. É certo que os ambientes em mundo aberto são vastos e recheados de detalhe, mas o desenho das muitas missões do jogo é quase sempre similar e desinspirado. Por outro lado, Thieves in Time fica refém de si mesmo ao querer colocar demasiados tipos de jogo dentro do mesmo. O resultado é quantidade em vez de qualidade. As estruturas de níveis repetem-se frequentemente, por vezes até à exaustão, e a mistura de tipos de jogabilidade para além das personagens não dá nada de novo ao jogo. Existem mini-jogos, sequências musicais, controlo de veículos telecomandados, escaladas ao estilo de God of War, mas o resultado é o de estarmos a jogar com adaptações fracas desses géneros e sistemas. O maior erro de Sly Cooper é não aproveitar para construir bons níveis com as mecânicas dos personagens e acabar por gastar recursos em jogos e momentos desinteressantes.

As lutas finais de cada nível são também desinspiradas. Não quer dizer que não sejam recompensadoras, só que cada nova fase da luta é previsível e apenas um acrescento às fases anteriores. Metade da luta é apenas um esperar que acabe enquanto vamos ultrapassando obstáculos fáceis. De tirar o chapéu no entanto a uma luta com um Dragão que é um dos melhores momentos do jogo. Sim, porque o jogo tem bons momentos, pena que sejam raros e que assim que acontecem passam a ser repetidos.

Vou passar de mansinho da PS3 para a Vita.

Vou passar de mansinho da PS3 para a Vita.

 

O melhor do jogo é a sua dimensão e os enormes cenários. A campanha é longa com muitas horas de jogabilidade e muita variedade de missões, tudo em cenários que são mundos abertos muito detalhados e inspirados na construção. O cel-shaded em todos os elementos dá-lhe um toque maravilhoso com algumas zonas especialmente deslumbrantes e algumas sequências como a do Circo a agarrarem o jogador e a salvarem a honra da série. As vozes são um dos melhores trabalhos de todos os títulos assim como a excelente banda sonora, e a localização para português funciona bem embora sem grandes virtuosismos.

 

A versão PS Vita

Sly Cooper: Thieves in Time é um título Cross Buy e por isso pode ser jogado tanto na PlayStation 3 como na PS Vita. Como seria de esperar, a versão Vita tem de fazer algumas cedências, mas estas são apenas a nível de detalhe gráfico. O jogo é em tudo idêntico à versão PS3, com os duplos analógicos e os mesmos controlos, embora adapte todas as texturas para menor resolução. Isto faz com que o traço cel-shaded se perca mas não deixa de ser impressionante a dimensão e detalhe dos mundos abertos que se conseguem na Vita. O nível das arábias está deslumbrante até na portátil.

A funcionalidade Cross Save funciona na perfeição. Basta-nos carregar o nosso save para a Cloud numa das máquinas e depois descarregar da Cloud noutra. Isto é um processo rápido que permite continuar no autocarro ou na cama o nível que se estava a jogar na sala. Como ponto mais positivo, as sequências que usam sensores de movimento são mais controláveis na Vita que possui mais sensibilidade de movimentos que o DualShock da PS3. O pior são os vídeos de estória que estão carregados de compressão na portátil.

Olha ardeu!

Olha… ardeu!

 

O melhor: A dimensão da campanha; o detalhe e variedade dos cenários de jogo em mundo aberto; a quantidade de personagens jogáveis; a transição fácil entre PlayStation 3 e PS Vita; as vozes.

O pior: Demasiados sistemas de jogo diferentes mas sem inovação; Desenho de níveis repetitivo e desinspirado; Loadings demasiado longos; Quantidade em detrimento de qualidade.

Sly Cooper: Thieves in Time é um jogo que peca por tentar ser demasiadas coisas mas em nenhuma delas ser fantástico. Tem tudo o que os anteriores tinham, e por essa razão vai agradar aos fãs, mas também introduz demasiados sistemas de jogo e mini-jogos desnecessários que fazem com que a campanha perca o foco. A quantidade dá lugar à qualidade, resultando num título mediano, jogável e até divertido, que poderia no entanto ter ido muito mais longe se apenas se tivesse concentrado em desenhar grandes níveis e boas sequências finais. Variedade não lhe falta e proporciona muitas horas de jogo seja na PlayStation 3 ou na PS Vita que comunicam uma com a outra na perfeição. É um bom regresso ao passado, mas que falha em parecer um jogo do futuro.

 

(Versões analisadas: PlayStation 3 e PS Vita. Sly Cooper: Thieves in Time é um exclusivo PlayStation)