De regresso a casa

Após as antevisões que tivemos no espaço da Nintendo, havia um receio crescente em mim sobre esta sequela de “A Link to the Past”. Um receio que assenta no reconhecimento da dificuldade que é suceder a um dos melhores jogos de sempre, daqueles objectos que definiram géneros, criaram tendências e construíram novas formas de criar e de observar os videojogos. “A Link to the Past” foi durante muito tempo o pináculo dos jogos de aventura: aquele que melhor traduzia o sentido épico da jornada de um herói, e que melhor traduziu uma fórmula clássica de storytelling: o herói improvável que pela coragem e perseverança consegue mudar o mundo. Suceder a algo tão emblemático é um cruzamento entre correr num campo minado e jogar à roleta russa com um revólver. A audácia de o fazer abarca um risco excessivamente grande, e já diversas provas tivemos em quase todos os media, desde a literatura ao cinema: criar um novo objecto dentro de um setting aclamado tem mais hipóteses de falhar redondamente do que melhorar um mundo já de si quase perfeito. Vide o caso do “Prometheus” do Ridley Scott, e a necessidade do autor de justificar que o filme não é uma sequela, mas que apenas decorre na mesma ambiência que o “Alien”.

Hyrule é demasiado querido e demasiado inspirador para milhares de pessoas, e acredito que a própria Nintendo tremeu como varas verdes com a decisão de criar um jogo que se passa no exacto mesmo mundo de “A Link to the Past”. E percebe-se também que este era um risco calculado: a série “Legend of Zelda”, com a gigantesca falange de apoio que possui, poderia ser uma das armas de 2013 para impulsionar o catálogo da 3DS.

Mas TLoZ:ALBW (doravante denominado apenas por A Link Between Worlds) conseguiu fazer o mais difícil: respeitar o mundo em que existe, actualizar-se para 2013, não cair no erro de ser a mera sequela que existe atrelada ao seu antecessor, e mais do que tudo, criar-se com a solidez de existir por si só sem a necessidade de se apoiar em “A Link to the Past”.

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1,2,3! Un pasito pa’lante María!

 

A Link Between Worlds leva-nos para um mundo que conhecemos há muitos, muitos anos atrás, há tanto tempo que nos parece outra vida. E quando olhamos hoje para Hyrule percebemos o quanto está bonito, e o quanto as cores vibrantes nos fazem vê-lo com outros olhos. Em muito A Link Between Worlds é exactamente o clássico da SNES com o qual todos crescemos mas algo mais: as animações em sprites deram lugar a personagens e cenários modelados em 3D, para quem o sistema de visão autoestereoscópica da 3DS assenta que nem uma luva.

Do ponto de vista narrativo, Hiromasa Shikata quis manter a estrutura clássica da série: desempenhamos o papel de um jovem igual a tantos outros, mas cujo destino da sua terra e da Princesa Zelda recaem nas suas mãos, salvando Hyrule das mãos de Yuga, um terrível feiticeiro que transformou os Sete Sábios em quadros, e que tenta dessa forma obter o poder da Triforce só para si. Mas para evitar o triunfo do mal temos de percorrer o mundo aberto de Hyrule e Lorule (a sua contraparte negra) com o sistema habitual: novas zonas são alcançáveis com novas ferramentas. Mas desta vez com um pequeno twist: ao invés de irmos desbloqueando armas e ferramentas em masmorras, temos a oportunidade de os alugar por 80 rupees ao misterioso Ravio, que constrói a loja na nossa própria casa. O único senão é que ou pagamos 800 a 1200 rupees por cada item, ou cada vez que morremos as ferramentas alugadas a Ravio são devolvidas. Esta mecânica acabou por criar um sistema de grinding que não sendo comum no mundo de Zelda, acabou por nos obrigar a tentar colectar todos os rupees que encontramos.

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Querido, mudei a casa!

 

A nova mecânica introduzida, sobre o qual não falaremos conceptualmente para não causar qualquer tipo de spoiler, é a possibilidade de nos tornarmos uma pintura na parede, o que por si só é uma ferramenta de solução de puzzles que traz (literalmente) outra dimensão a Zelda. E para mim, são os puzzles o grande ponto alto do jogo. Agrada-me o respeito intelectual que os criadores tiveram com os jogadores, ao criarem um verdadeiro desafio em todo o jogo. Algumas masmorras carecem de alguma reflexão e as lutas com os bosses não podem ser levadas de ânimo leve. A Link Between Worlds vem em contra-maré com o mercado actual que teme frustrar os jogadores e que pega na mão e condu-los pelos jogos, desrespeitando a sua intelectualidade e necessidade de desafio. No início do jogo recebemos uns Óculos de Dicas que quando equipados mostram a resolução de puzzles, mas que são inteiramente opcionais. O jogo não nos obriga a ceder perante a adversidade e é mais que possível (tal como fiz) passar o jogo em quase modo completionist sem recorrer uma única vez aos ditos Óculos. Não podemos dizer que estejamos perante um dos jogos mais difíceis, mas a realidade é que os seus puzzles e masmorras estão inteligentemente construídas de forma a criar um verdadeiro e progressivo desafio à experiência de o jogar. O combate continua divertido e fiel às suas origens, mas a fluidez de animação confere-lhe uma nova dinâmica que enaltece a vibração visual de todo o jogo.

Sendo a exploração e o backtracking quase sinónimos de Legend of Zelda, foi implementado um sistema de fast travel através de cataventos espalhados em pontos fixos do mapa que em muito auxiliam o desvendar de todos os segredos do jogo.

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Devia ter virado à esquerda no cruzamento…

 

The  Legend of Zelda: A Link Between Worlds é um daqueles casos caricatos de conseguir ter o melhor de dois mundos (trocadilho não intencional): conseguir por um lado ser emocionante e com uma experiência completamente nova a fãs da série e, por outro, de ser uma excelente porta de entrada a quem nunca jogou nada do franchise. Mas mais do que tudo porque mantendo uma linha sólida de construção do jogo, soube incutir-lhe o entusiasmo que faltou em Skyward Sword, Spirit Tracks, e de forma menos expressiva em Twilight Princess. E é também um ponto irónico que a grande revitalização da série – e que esperamos que abra as portas a um belíssimo sucessor de Skyward Sword para a Wii U – seja uma revisita a um dos grandes sucessos do próprio franchise.

O melhor: a revisita a Hyrule; o desafio; a beleza inata do jogo; as mecânicas e as horas de diversão e exploração.

O pior: o sistema de grinding de rupees pode ser alvo de desânimo para os jogadores clássicos de Zelda.

The  Legend of Zelda: A Link Between Worlds é simplesmente excepcional. Soube recriar a fórmula de forma inteligente e cativante, fazendo-nos revisitar um dos mundos mais afectivamente relevantes aos jogadores dos anos 90. E mais do que tudo recusou a tarefa simplista de ser “apenas” uma sequela, ou “apenas” seguir o caminho fácil do conformismo de fazer um “Link to the Past” – Parte II. Soube, e quis, ser algo bem mais do que isso, soube ser inovador ao ser nostálgico e soube ser fresco ao mudar muito pouco do original. Até o mapa é o mesmo. E o que é que isso interessa? De certeza que se trata de um jogo que ficará marcado na história dos videojogos e que exemplifica na perfeição o corolário do ano de 2013 para a Nintendo e para a 3DS: no que diz respeito à qualidade do catálogo foi provavelmente um dos melhores anos para a companhia nipónica.

reviewscore90Sobre as análises e sistema de classificação

The  Legend of Zelda: A Link Between Worlds é um exclusivo 3DS