Nos tempos em que a internet e os telefones móveis não existiam, ou os Videojogos, permitia investir mais tempo e dinheiro na Música e na Leitura. O meu pai, que foi um dos muitos emigrantes que escapou da ditadura de Salazar e procurou uma vida melhor do que o seu país oferecia, após terminar a 4ª classe antiga, encontrava prazer na Música e na leitura. Porque havia mais livros a circular e mais tempo para sentar num café a ler calmamente o jornal e a ouvir a rádio de som monofónico, ao contrário do que é hoje com o passar do rato a toda velocidade para ver os 40 posts dos amigos e todos os títulos em destaque de 3 jornais online. No tempo do meu pai não havia mensagens de texto. Havia mais encontros marcados para conversar. No tempo do meu pai não havia facebook. Havia cartas escritas à mão de Angola para Portugal e de Angola para França que demoravam dias a chegar. Não havia selfies. Havia fotografias em família e em grupo da companhia que lutou no ultramar.

Eu sou e não sou desse tempo. Sou do tempo do Atari e do Amiga, mas também sou do tempo dos berlindes que em cada partida o vencedor levava para casa todos os berlindes em jogo. Sou do tempo da TV com antena no telhado, mas também sou do tempo das noites frias de inverno aconchegado na cama a ler a série “O Pequeno Vampiro” e a trilogia de “Os Tripodes”. Sou do tempo que se via as pessoas a voltar para Portugal, e sou deste tempo que vejo os amigos a partirem. Sou do tempo das disquetes, mas também sou do tempo do leitor de vinil onde se aproximava a agulha com todo o cuidado para não a quebrar. Com 5 anos de idade gostava de ouvir “La danse des canards” através das colunas de uma aparelhagem da Grundig que era maior do que eu, mas também delirava com “Great Balls of Fire” de Jerry Lee Lewis: um hit de 1957 que vendeu 1 milhão de cópias nos primeiros 10 dias.

jerry-lee-lewis

 

No tempo do meu pai havia o vinil com capa de cartão. No meu tempo havia o CD com capa de plástico. No momento actual há ondas e ficheiros. Ao mesmo tempo há de tudo e há nada. E o VHS? Ainda tenho uma cassete do E.T. de Spielberg que vi sete vezes até conhecer o filme ao pormenor. Hoje vejo um filme e arrasto o ficheiro para o ícon que é um caixote de lixo para não ocupar-me espaço. O espaço que antes nos faltava nas prateleiras passou a faltar no vazio.

A transição do século XX para o XXI trouxe muitas mudanças para uma sociedade cada vez mais acelerada a consumir e cada vez mais rendida às novas tecnologias. Os tempos mudaram e a Indústria dos Videojogos é hoje o que a Indústria Musical (e a livreira) era num passado não muito longínquo a nível de retorno financeiro. Podemos enumerar várias razões para tal acontecimento, mas não é o intuito deste artigo, adiantando apenas que as tecnologias desempenharam um papel principal nesse sentido. Porém, uma e outra Indústria são quase inseparáveis, como é inseparável a Música do Cinema ou como é um jingle de um spot publicitário.

A meio do século XX, e não só, o mundo presenciou ao despertar de um talentoso leque de Artistas na área Musical. (Durante o século XXI, e não só, o mundo presenciou a aberrações do espectáculo). Se olharmos para a notável época conhecida como a idade do ouro, um período em que as gravações em fita obrigavam os músicos a registar a sua Música apenas num take, sem efeitos e sem auto-tune, percebemos que a qualidade Musical era fruto do grande talento dos Músicos e dos Técnicos de Som. A Música tradicional: o Jazz, o Blues ou o Rock ’n’ Roll, proliferou através das rádios e os discos de vinil vendiam milhões de unidades, como quem hoje vende um jogo ou um iPhone.

Bill Haley And Co

 

Entre os anos 40 e 60, ninguém podia saber ao certo que após 50 ou mais anos algumas obras musicais fossem ouvidas novamente por milhões de pessoas, e que se perpetuassem na história nomes como Dinah Shore, Nat King Cole, Bob Crosby ou The Ink Spots, tal como se perpetuaram gigantes do barroco e do clássico. Esta perpetuação também se deve através de um “instrumento” que vários destes artistas não chegaram a tomar conhecimento: o Videojogo, um “instrumento” que a Indústria Musical observou atentamente ao longo destes últimos anos e utilizou como um dos veículos principais para promover os seus Artistas. Quem nunca pesquisou sobre um Músico ou uma banda depois de ver um filme ou depois de jogar determinado jogo? Quem nunca comprou um álbum da banda sonora de um jogo? Eu sei, são cada vez mais os que deixam de comprar em detrimento de sacar através de torrents ou a visualisar por Youtube, uma das razões pela qual a Indústria Musical decaiu e se debate há muito tempo. E a Cinematográfica. E a livreira. E por aí fora.

A Música (e som), para lá da componente visual, é um catalisador que imerge o jogador em universos distintos e o permite muitas vezes situar-se num contexto histórico e cultural. Em particular, para a Música produzida a meio do século XX há icónicos exemplos como BioShock e Fallout que ‘reciclam’ o que quase se tinha perdido do tempo do meu pai. E fico feliz por isso. As gerações seguintes ficaram e ficarão a conhecer também através de Videojogos o que de melhor se fazia no passado. Foi Fallout e a minha impaciência pela falta de um anúncio de “Fallout 4” que me levou a escrever este artigo e que me levou em primeiro lugar a ouvir e recordar cerca de 500 Músicas/Canções escritas entre os anos 40 e os 60, exclusive. Pensei em partilhar convosco uma fina selecção daquelas que gostaria de ouvir no próximo jogo da série que imortalizou a expressão “War, War never changes” pela voz de Ron Perlman. Não sei quanto mais teremos de esperar por “Fallout 4”, mas fica um palpite a título pessoal no final do artigo.

Boom

 

Sugestão: ouvir com graves.

Tommy Dorsey – The Lady Is a Tramp:

Esta é uma sátira à alta sociedade, uma parcela minoritária que será certamente explorada no próximo jogo da série Fallout. Uma versão de Tommy Dorsey com a voz encantadora de Edythe Wright, dos tempos em que as pessoas ricas eram metade parte do mundo e não tanto a metade parte do mundo é que era das pessoas ricas.

 

 

The McGuire Sisters – Missing:

Missing a pair of lovin’ arms / That held me tenderly” – Querida, já tentaste uma protetização?

 

 

The Mills Brothers – You Always Hurt The One You Love:

Com a esperança que Fallout 4 introduza relações amorosas não fáceis de conservar pelas escolhas difíceis ou por novos encontros que permitam infidelidade ao ponto de criar remorsos ao jogador. Mais irreverente, sem censura ou com receio de quebrar com tabus que foram evidentes durante a série.

 

 

Dinah Shore – I Don’t Want To Walk Without You:

– Mas querida, tu não acompanhas o passo com essas próteses de pernas.

 

 

Martha Tilton – I’ll Walk Alone:

forever alone

 

 

Elton Britt – Uranium Fever:

Por esta estrofe:

Well, you pack up your things
You head out again
Into some unknown spot where nobody’s been
You reach the spot where your fortune lies
You find it’s been staked by 17 other guys

 

 

Eddy Arnold – Then I Turned and Walked Slowly Away:

Fazer o mesmo ao encontrar “Deathclaw Sanctuary”.

 

 

Andrew Sisters – Rum and Coca-Cola:

#nukacolaforever #radiation #saynotococaine

 

 

Slim Gaillard – Atomic Cocktail:

Atomic Cocktail é a mistura de Nuka-Cola Victory, Vodka e Mentats. É também mistura de Vodka, Brandy, Champagne e Xerez, uma bebida criada em Las Vegas em 1951 durante a abertuda do campo de testes de Nevada a.k.a. Atracção turística para as pessoas verem cogumelos gigantes e pensarem: “Estes cogumelos devem dar uma grande moca radioactiva… Que sorte tiveram os Japoneses!”

 

 

The Crown City Four – Watch World War III (On Pay TV):

Seria interessante Fallout 4 ter uma estação de TV para ver alguns anúncios publicitários retro-futuristas e excertos de comédias de Jerry Lewis ou programas recreativos como o Big Brother para podermos participar e incitar os restantes concorrentes a suicidarem-se.

 

 

The Ames Brothers – It Only Hurts For a Little While:

That’s what She said…

 

 

The Ink Spots – You Can’t See The Sun When You’re Crying:

T’a’chorare?

 

 

Peggy Lee – It’s a Good Day:

Para matar bandidos (Good karma)

Para roubar bandidos (Bad karma)

 

 

Paul Whiteman – Trav’lin’ Light:

É sempre aconselhável viajar sem muito peso para ter espaço suficiente para pilhar o que encontrarmos. Só nunca percebi a lógica de andar com 30 armas de fogo e exceder o peso limite para depois comer uma única cenoura e voltar tudo ao normal.

 

 

Arthur ‘Big Boy’ Crudup – I’m Gonna Dig Myself a Hole:

Esta pode adaptar-se ao livro: “Terríveis mutações: o homem avestruz”.

 

 

Tennessee Ernie Ford – The Rovin’ Gambler:

Para uma partida de Caravan, aquele jogo que nunca percebemos para que servem as cartas.

 

 

Patti Page – The End of the World:

A cereja no topo do bolo. Este ano vou estar na E3 e espero que Ron Perlman entre em palco, aproxime-se do microfone e declame:

Your life is about to change.”