Já várias vezes falei do Eng. Sousa Veloso e pela forma algo estranha com o qual marcou a minha infância e a de muitos outros portugueses. A minha curiosidade com a temática abordada pelo célebre Engenheiro Agrónomo no clássico programa da RTP não se deve a um saudosismo veranil da minha parte como muitos amigos meus que se deslocavam nas férias a esse sítio mágico denominado de “a terra”, e que normalmente incluia passar algumas semanas no Portugal profundo, perto dos avós, e em contacto directo com a agricultura. Ora essa não é de todo a minha realidade. A quase totalidade dos dois lados da minha família são lisboetas, e quando falamos da minha metade paterna estamos a falar de viverem na capital desde pelo menos o início do Séc. XIX. Portanto para mim, que morava nos Olivais, ir “à terra” era uma deslocação tão longínqua quanto ir até Alvalade, Campolide ou o Campo dos Mártires da Pátria. A “terra das férias” foi por nós adoptada, à falta de um local de pertença fora de Lisboa. E essa terra é no litoral alentejano, chama-se Vila Nova de Milfontes e tem muito pouco de rural. Portanto o meu contacto com a TV Rural era mais de um misticismo do desconhecido, de tantas maravilhas naturais e que estavam tão longe do meu quotidiano, como acredito que acontecesse com miúdos e miúdas da minha idade quando se deslocavam a Lisboa, e o quanto esse (meu) mundo se poderia assemelhar a algo apenas presente na TV.

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Esta pseudo-proximidade e ínfimo conhecimento da Agricultura que consegui recolher das palavras pacientes do Eng. Sousa Veloso (cuja imagem na minha infância sempre se misturou com a do Miguel Torga) não tem aplicação prática, real, nem tampouco tenho qualquer curiosidade em cavar a terra, ará-la ou semeá-la. Acho que há um urbanismo que me é intrínseco e que me afasta da lavoura, mas que se manifesta apenas num aspecto: os videojogos.

Da mesma forma como não tenho qualquer apetência nem vontade para experimentar a pesca na vida real mas retiro grandes doses de diversão em manifestações virtuais de pescaria, a agricultura sempre me pareceu apaixonante o suficiente à distância do ecrã. A minha primeira paixão agrária virtual surgiu já em 2000, quatro anos depois do lançamento do jogo na SNES. Harvest Moon foi assim o primeiro jogo que joguei e que simulava a vida dura dos campos agrícolas com a ligeireza e suavidade típica de um jogo japonês mais chibi. Daí à verdadeira febre que eu e meio mundo tivemos com Farmville no Facebook foi um pequeno passo.

O jogo da Zynga foi possivelmente um dos poucos browser games que me conseguiram deixar tão viciado que eu planeava as minhas colheitas mediantes as minhas horas de sono, trabalho e alimentação, de forma a optimizar e maximizar o tempo livre versus a minha capacidade para atender às necessidades da minha quinta virtual. É claro que o resto é história, e as transformações às mecânicas de jogo cada vez mais dependentes de estratégias de “pede x a y amigos” veio afastar-me deste tipo de jogos e a deixar-me bem distante da minha quinta no Farmville.

Desde então uma série de jogos single-player que abordam esta temática têm passado pelas minhas consolas, em especial na NDS e 3DS. Isto sem contar com as diversas iterações de Harvest Moon que tenho jogado, nem com Disney Magical World que no mundo de Winnie, the Pooh contava com campos agrícolas. Neste momento há dois jogos que vou jogando na minha New 3DS XL, alternadamente, e que têm um grande peso da agricultura (mas não o calejamento das mãos da actividade real): Rune Factory 4 e Gardening Mama 2: Forest Friends.

Qualquer um dos dois jogos são, para mim, dois jogos para se “ir jogando”. Ir oscilando entre o agradável cruzamento entre um simulador agrícola e um dungeon crawler como é Rune Factory 4, a sexta iteração do spin off de combate e RPG de Harvest Moon, e a experiência mais ligeira e quase casual, próxima de uma abordagem mobile de Gardening Mama 2: Forest Friends é uma das formas de se aproveitar duas faces de uma moeda que aparentando ser a mesma, é na realidade apenas ligeiramente semelhante.

Rune Factory 4 é uma excelente e desafiante abordagem ao género. O tempo despendido nas vertentes de aventura são similares aos passados a cuidar do nosso quintal, na forma em que nos tornamos numa espécie de guerreiro-agricultor, um Conan de um mundo nipónico de espada e enxada, um King Khul conquistador e caçador-recolector. Para além disso temos de gerir relacionamentos com os restantes habitantes da nossa cidade, levando a que este Rune Factory 4 seja uma abordagem muito suave, muito terra-a-terra (com muita terra aliás) ao género dos RPGs de acção. Enquanto deixamos as batatas, os morangos e as couves a crescerem, lá pegamos na nossa espada e escudo e vamos decepar monstros em masmorras. Que bela quarta-feira!

Gardening Mama 2: Forest Friends traz-nos os habituais mini-jogos que envolvem traçar linhas com a nossa caneta no ecrã da 3DS, enquanto gerimos uma série de plantações. É o primeiro jogo da série que eu sinto que funcionaria melhor num ecrã ligeiramente maior do que o das consolas, hipoteticamente o de um iPad. E digo isto nem tanto pelos mini-jogos, mas mais pela componente de gestão e plantação da nossa horta que exige uma visão mais abrangente da mesma.

Gardening Mama 2: Forest Friends, assim como todos os jogos da série, é suficientemente “familiar” para que o seu espírito quase casual permita a que seja desfrutado com os nossos filhos. Os mini-jogos são relativamente simples para que eles possam acompanhar e o visual infantil confere-lhe uma das melhores experiências agrícolas quase-casuais, mas divertidas para toda a família. O que inclui uma certa dose desafio para os jogadores mais exigentes é claro!

E como não tive a oportunidade para deixar uma palavra de despedida aquando da morte do Eng. Sousa-Veloso no final de Novembro passado, aproveito para o citar, na sua típica e contagiante simpatia.

“Despeço-me com amizade, até ao próximo programa!”. Até sempre Engenheiro!