Como fabricar um ditador

Com a preparação da E3 do ano passado acabámos por deixar uma das referências de género de city building escapar incólume à lupa atenta da Galinha. Falamos é claro de Tropico 5.

Quase dez meses passados do lançamento do jogo base e já com sete DLCs (Gone Green, Surfs Up!, Waterborne, Generalissimo, Joint Venture, Mad World e The Big Cheese) desenvolvidos, e após a análise do pequeno desastre que dá pelo nome de Cities XXL, resta-nos mergulhar nas águas quentes das Caraíbas e nadar até à ilha de Tropico, o cenário do nosso jogo. Apesar de ser completamente desnecessária a afirmação de que quase todo o jogo é uma gigantesca metáfora à situação cubana, mas que é também a quase paródia atingida com este ponto de vista que é parte do seu sucesso.

tropico 5

As quatro primeiras iterações do jogo já faziam parte da minha biblioteca digital do Steam, sempre na expectativa de poder um dia dedicar algum tempo a este city builder/political manager que muita gente à minha volta afirmava ser um dos melhores do género (que tanto me apraz). Felizmente que tomei a decisão de contactar a Kalypso para efectuar esta análise, e pedir a respectiva cópia de review. É que num período em que ainda não mergulhei em Cities: Skylines (que já se encontra instalado no PC e cuja análise será publicada esta semana) posso afirmar que Tropico 5 é o meu benchmark qualitativo actual para o género.

Começamos a nossa campanha como meros mandatários da Coroa Britânica na Era Colonial: governando Tropico para o Império mas sempre com pretensões independentistas presentes. Em Tropico 5 percebemos a verdadeira evolução civilizacional que ocorreram em poucas décadas de História humana, onde a progressão da ilha de Tropico centra-se acima de tudo na forma como lidamos com as superpotências que vão, década após década, ascendendo e regredindo, definindo assim os lados vitoriosos que deixam a sua marca no relato da História.

Tropico 5 para além de ser um exímio city builder é ao mesmo tempo um simulador político e uma máquina de desenvolvimento de ditadores. No período pós-independência da nossa ilha o tipo de líder que queremos ser começa a definir-se entre uma postura mais próxima do totalitarismo, que irá suprimir o descontentamento (público) em troca da redução das liberdades individuais, ou uma postura perfeitamente democrática, em que a felicidade e liberdade da população acarreta consigo uma oposição mais forte e maiores encargos financeiros. E tendo sido este o meu caminho, acarreta também uma forte possibilidade: a de encontrarmos o ecrã de Game Over após perdermos as eleições.

tropico3

O jogo é, como sabem, recheado de humor. Há uma série de assuntos muito pesados intimamente ligados às ditaduras e aos regimes totalitários que não são de todo brincadeira, e que acredito, serem um verdadeiro pesadelo para todos os amantes da liberdade. Mas Tropico 5 consegue, através das suas linhas de texto subtilmente bem-escritas, despejar algumas das questões do seu peso, permitindo-nos pensar nelas com alguma leveza. O que não invalida que elas fiquem a martelar no fundo da nossa mente, como uma constante lembrança do que não queremos que se repita.

Tanto no modo “história” como no modo sandbox, Tropico 5 não é um jogo fácil. Ao contrário de outros jogos do género em que temos de fazer as nossas cidades florescer, aqui temos todas as variáveis políticas, eleições, oposição, movimento de cisão e relações internacionais que podem causar estragos ao nosso jogo. Mas há algo que deixo como sugestão e que vai deixar o jogo mais interessante, tanto do ponto de vista mecânico como do ponto de vista ético/moral. Visto que à medida que vamos evoluindo a nossa ilha vamos tendo de fazer cada vez mais opções políticas na Constituição, tais como quem vota? Serviço militar obrigatório? Saúde universalmente gratuita? Entre dezenas de outros éditos e acertos constitucionais que temos de definir, mas fazê-lo, não pela necessidade mecânica de ultrapassar dada barreira no jogo mas sempre de acordo com a nossa ideologia na vida real. Se acreditamos em sistemas de saúde e de educação gratuitos então que o façamos em detrimento do impacto da despesa que isso terá na nossa ilha. Se estamos em risco de perder as eleições e preferimos responder às necessidades dos nossos eleitores e nunca interferir com as votações, ou assassinar/deportar/chantagear/subornar a oposição, e deixar a democracia seguir o seu rumo. E se – apesar do jogo nos permitir desviar parte do erário público para uma conta na Suiça – escolhemos nunca ceder à corrupção nem às maravilhas que os desvios de dinheiro podem trazer para a nossa dinastia. O jogo ficará levemente mais difícil, mas penso que esta ligação clara entre aquilo em que acreditamos politica e socialmente versus aquilo que somos virtualmente é um desafio que poucos jogos conseguem trazer. Mesmo com a gigantesca dose de humor que Tropico 5 tem. Ainda que todos saibamos que o riso é uma das maiores armas à reflexão.

O melhor: Densidade do jogo a nível político e mecânico, o humor, a longevidade e desafio

O pior: Os diferentes modos podem assemelhar-se excessivamente

Tropico 5 é o jogo que todos os fãs de city builders têm a obrigação de jogar e de ver as praias da ilha banhadas pelas lágrimas de todos aqueles que ficaram desiludidos com Sim City. Para além de conseguir equilibrar na perfeição as suas mecânicas, a sua temática e o seu tom, traz-nos dos jogos de gestão mais minuciosos e densos que podemos encontrar. Este jogo é tão sublime no que faz que acreditamos que deveria ser obrigatório como teste psicotécnico para todos os aspirantes a governantes a nível local e nacional. Assim separava-se o trigo do joio, os capacitados dos imbecis e os democratas dos déspotas encapotados. Tudo pelo bem de Portugal. Tropico, eu queria dizer Tropico.

Tropico 5 está disponível para PC, Xbox 360, Linux e Mac. Analisada a versão de PC.