Cá estamos nós outra vez, meus amigos.

O melhor título de Março no IGN é: Ode Ao Videojogo Aborrecido.

Podem fechar a janela.

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Vocês sabem que eu sei, que vocês sabem, que eu não sei bem ao certo o que fazer desta rubrica. Podia abortá-la e dizer que foi uma experiência que correu mal, mas acredito que há demasiado potencial aqui para fazer isso. Acredito também que é impossível construir sem destruir, ou pelo menos sem desconstruir; na minha opinião, o Melhor Título do [mês] no IGN é um espaço construtivo porque tenta ridicularizar o jornalismo desinteressado e desinspirado, atacando o seu rosto mais icónico, e criando uma carapuça que servirá a muitas cabeças. Estupidificar o público e passar a imagem de que quem gosta de jogos é adolescente aos media exteriores, deliberada e metodicamente, é errado; não há zona cinzenta. É um cancro que impede a cultura e a indústria dos videojogos de progredir. A página Forest Ambassador fez mais pelos videojogos em dois anos que o IGN e o Gamespot com os seus tempos de vida somados. O peito de Jessica Chobot nunca teria feito carreira no Rock Paper Shotgun ou no Polygon.

Mas nem tudo precisa de ser amargura disfarçada de sarcasmo.

Este mês o formato muda outra vez (rimou).

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Caro Rui Craveirinha [autor do texto], dou-lhe os meus sinceros parabéns pelo seu artigo”. Assim começa um dos comentários no artigo “Ode ao Videojogo Aborrecido”.

E assim continua:

Focou os principais pontos de análise de forma mordaz e captou, com certeza, a atenção de todos os leitores com grande entusiasmo.

“Grande entusiasmo”?

Coloca o dedo na ferida de muitos aspetos que marcam os videojogos da atualidade, em particular no que diz respeito ao prolongamento de uma longevidade artificial em fórmulas de jogo maceradas e rebatidas ad infinitum”.

“Maceradas”?

Ad infinitum”?

“[O que se passou com] The Order foi um bocado de dois fatores, hype excessivo e uma critica que o analisou pelo que não é em vez do que pelo que é. Outra grande disparidade a meu […]”.

“Disparidade”…?

Outra grande disparidade a meu ver é a crítica das mecânicas ultrapassadas, mas […]”.

“Mecânicas”!?

Que público é este? Será que estou mesmo a ler um artigo no IGN?

O que é que aconteceu?, pergunto-vos.

O Melhor Título do [mês] no IGN é um espaço construtivo e, portanto, assim, afirmo que o melhor título do mês é “Ode Ao Videojogo Aborrecido”, sem sarcasmo. Eu disse que nunca tocaria no IGN Portugal, mas por outro lado eu é que faço as regras e eu é que sei; é o melhor título do mês, talvez de 2015 e, quem sabe, de mais adiante.

Estou chocado pela positiva. Este artigo deve ser celebrado; tem que.

Não joguei The Order, não tenho opinião formada, e não concordo com os argumentos aqui usados em sua defesa; mas estou-me nas tintas; um excerto do texto de Craveirinha: “Como algumas críticas apontaram, falta-lhe tudo que se espera de um jogo moderno: experience points, character leveling, weapon leveling, customization, side-quests, side-activities, mini-games, collectibles, sandbox, farming, grinding, loot, multiplayer, co-op, in-game achievements… a lista de substantivos anglo-saxónicos continua, vastíssima, e é por detrás desta panóplia de termos que encontramos a substância ilusiva que parece ser usada para distinguir o bom do mau videojogo: essa coisa a que chamam ‘fun’ e ‘engagement'”.

Que eloquência! Que articulação!

“Mais do que levar-nos a apreciar um videojogo pelo puro prazer cenestésico, intelectual ou estético que advém de o jogar, estes elementos servem, na sua grande maioria, para nos dar razões artificiais para continuar a jogar um videojogo ad infinitum: para ganhar pontos, para encher o ego com personagens e armas mais fortes, para interagir com todas as variantes dos sistemas de jogo (mesmo quando tomadas isoladamente, sejam aborrecidas, como é frequente os mini-jogos serem), para explorar todo o espaço, para completar todas as atividades e demandas, para receber mil e uma recompensas virtuais e vazias de semântica, para colecionar bugigangas que não fazem nada, e para subir ao topo de uma hierarquia social competitiva. A sua ubíqua introdução em praticamente todos os AAA lançados nos últimos anos, sugere que são estes os elementos universais que jogadores e críticos consideram condição sine qua non de um bom videojogo.

Ad infinitum”.

A Ready at Dawn e a Sony visivelmente não se reconhecem no conceito de bom videojogo que é hoje promulgado pela vasta maioria das publicações críticas. “The Order” acaba sendo assim um videojogo completamente atípico, heterodoxo e fora da grelha de avaliação contemporânea. Olhe-se não para o que é, mas para o que não é, e eis que tudo se torna mais claro”.

Olhe-se não para o que é, mas para o que não é”; “hype excessivo e uma critica que o analisou pelo que não é em vez do que pelo que é”.

Parabéns, Rui Craveirinha; não sei o que aconteceu, nem como, se foi acidente ou chantagem à redação, mas parabéns. Parabéns e obrigado, em nome dos videojogos, dos portugueses atuais (sem querer impor-me), e das gerações futuras; do fundo do coração; pode parecer um exagero, mas se olharem com atenção para o deserto à nossa volta, caros amigos, verão que não é.

(“Bloodborne Review in Progress” IGN U.S.), comentário aleatório: “IGN give this a 10 and ill be your BFF.

(“Battlefield Hardline Análise, IGN Portugal): “Na minha opinião nota demasiado alta para um modo single player tão despontante e um multi que não traz assim tanta coisa nova”.

(“Ode ao Videojogo Aborrecido”, IGN Portugal): “Um filme e um livro são arte pelo que nos conta, um quadro ou uma foto podem ser arte por aquilo que nos transmite, musica é arte pelo que nos suscita. Um jogo deveria ser a soma de todas estas artes numa só peça artística”.

Termino aqui. Até Abril, se Satanás quiser.