Parece que o meu dia está mesmo marcado pelo gosto em sofrer. O que é até irónico porque se há coisa que não me apraz de todo é o sofrimento. Ou aliás, com o meu passado adolescente depressivo-gótico o que me repugna mesmo é a dor. O sofrimento às vezes tem muitos níveis de cool, tipo passar à frente numa longa fila para entrar numa discoteca.

Mas de volta ao assunto: jogos que nos fazem sofrer parecem estar mesmo na ordem do meu dia, especialmente depois de ter publicado esta visão que tenho sobre Dark Souls II. Titan Souls parece o resultado de uma noite de euforia sexual entre o clássico, plenamente genial que é Shadow of the Colossus e a série Dark Souls, sendo que o parto decorreu dentro de uma NES. Sim, eu sei que todo o conceito reprodutivo em torno desta ideia é de um abstraccionismo atroz, o que não significa que esta não seja a linha de pensamento por trás do estúdio Acid Nerve para criar Titan Souls.

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De uma forma simplista poder-se-ia dizer que este Titan Souls é uma pseudo-versão de Shadow of the Colossus em formato bidimensional 8 bits. Mas dizê-lo seria elevá-lo a um patamar que infelizmente não possui. Titan Souls é um bom jogo, tem a mesma aura mecânica da obra da Team Ico mas não possui a sua genialidade, a sua força, a sua marcada presença para a História dos Videojogos. Uma versão simplificada de SotC despida de maneirismos e de acessórios, e até de narrativa. Mas o problema é que é toda a construção que Shadow tem que vai para além da primeira vista é que o torna o jogo emocionalmente (e mecanicamente) avassalador que é. E o tornou imortal.

Titan Souls não nos dá enquadramento para a nossa missão. Somos um rapaz munido com um arco e uma única flecha que vai encontrado uma série de Titãs pelo meio dos escombros de um templo (?). Todo o cenário é acessório já que não existe uma progressão obrigatória no jogo: derrotamos as criaturas na ordem que melhor nos aprouver, e é essa a razão pela qual acabamos por não ver as “paredes” que constituem o próprio jogo. Elas existem, obviamente, mas dão-nos uma falsa sensação de liberdade. Ao contrário de outros jogos do género em que temos de conhecer inúmeras combinações de ataques e desvios, e outras tantas escolhas de equipamento e habilidades, em Titan Souls podemos rolar para qualquer direcção, correr e disparar a nossa única seta. E reforço a ideia de única. É que após a dispararmos temos de fazer como o saudoso Raul Solnado na guerra: ir buscar a munição de volta. Ou utilizamos a Força (poder-se-ia dizer que o protagonista é Jedi, já que não existe qualquer contexto narrativo) e trazer a seta de volta.

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Titan Souls é um jogo desafiante, onde, à semelhança da série Souls, morremos muitas vezes. E fazêmo-lo porque tanto nós quanto os Titãs morremos com apenas um golpe certeiro. O desafio, neste caso, é perceber qual o ponto fraco de cada boss, e acertar de forma certeira, qual William Hell com a maçã, no calcanhar de Aquiles de cada um. O que neste caso, visto quealguns dos inimigos são corações envoltos em geleia ou cérebros protegidos em cubos de gelo, o calcanhar não é de todo literal.

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O mais recente jogo da Devolver Digital é um bom jogo que assume as suas influências (seria difícil escondê-las). Peca apenas pela falta de enquadramento e pela repetição que a mecânica única de ataque possui. Se é criativo fazer um jogo mecanicamente minimalista? Sim. O problema é que passamos largas horas em torno de um jogo a repetir até à exaustão cada segmento, na tentativa (muitas vezes vã) de derrotar os Titãs. E o limiar entre a monotonia e a criatividade é muitas vezes fina. E facilmente ultrapassada com  uma seta bem-direccionada.