Que todos dormimos pouquíssimo na Gamescom já é um dado adquirido. Seja pela viagem (e a nossa aventura de comboio ainda por relatar), pelos eventos/jantares/festas que tivemos em todos, e repito todos os dias do festival, seja pelo facto de que às 7h e pouco da manhã já todos estávamos acordados para apresentações e reuniões que duravam quase ininterruptamente das 9h às 20h. A realidade é que andávamos todos exaustos.

No penúltimo dia do evento, aquele cujo calendário era o equivalente a um bom filme do saudoso Wes Craven, estava já eu exausto e apenas com uma maçã, uma banana, três cocktails, duas cervejas belgas e uma garrafa de água no buxo, e olhei para a agenda: tinha uma reunião às 19h30 na Booth da Suiça sobre um jogo chamado Drei.

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Àquela hora já grande parte dos pavilhões estavam vazios. Já alguns funcionários da limpeza começavam a limpar os corredores, mas na banca suíça lá estava Christian Etter, simpaticamente à minha espera para me mostrar o seu puzzle game chamado Drei. A premissa de Drei quer transformá-lo em mais do que um jogo de puzzle, quer torná-lo uma verdadeira experiência social, globalizada, não apenas circunscrita à língua inglesa. Mecanicamente o jogo é simples: controlamos uma criatura (que em muito lembra o/a protagonista de Journey) e que consegue levitar blocos brancos espalhados pelo cenário. Há uma certa assépsia em todo o jogo que corrobora o minimalismo mecânico e conceptual. É que ainda que o objectivo de Drei seja empilhar uma série de blocos para construir uma torre que atinja um determinado ponto, essa não é, de todo, a tónica predominante. Também há semelhança de Journey, é-nos possível, a qualquer momento, receber até mais dois jogadores no nosso jogo com os quais teremos de colaborar para terminar o puzzle. O contacto e a comunicação são mínimos: remetem-se a um punhado de palavras traduzidas para a língua que escolhemos. Aqui, à semelhança do que acontece com Journey, o misticismo da comunicação, ou as barreiras de entendimento entre desconhecidos são a palavra não-falada. Literalmente.

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Christian passou-me uma PS Vita para as mãos e mal proferiu palavra. Explicar-me o que quer que seja seria destruir o conceito que move todo o jogo. Infelizmente, a exaustão e privação de sono estavam a cobrar o seu preço: a minha capacidade de concentração e raciocínio estavam afectados que dei por mim parado a olhar para a Vita sem conseguir resolver o mais elementar dos puzzles. Christian ria-se, subtilmente, da forma quase zombificada como curvado segurava a consola. Olhava-a de forma vazia. Drei merecia a minha atenção mas o verdadeiro ponto de quebra que o cansaço físico e psicológico atingiram quase que me levaram ao desmaio. Fui buscar forças não sei bem onde e progredi numa série de níveis. À época não pude experimentar a componente online, de receber jogadores sem aviso e cooperar com eles porque estava a jogar um protótipo. Tenho algum receio de existirem puzzles que só possam ser ultrapassados em conjunto, e a forma como a falta de outros jogadores possam impedir o nosso avanço. O que não deixa de ter uma mensagem forte: dificilmente conseguimos avançar no mundo sozinhos. Parece é que estamos constantemente esquecidos desse factos.

A assépsia de que falei coaduna-se com a experiência antropológica que o jogo quer levar a cabo. Que extrapolada diz muito sobre nós. Especialmente numa época em que vemos a chegarem às costas europeias os cadáveres de irmãos-humanos que tentam ser felizes e pouco colaboramos para que juntos façamos avançar o mundo.