Olá outra vez. Gosto de vos cumprimentar com um “olá”, não sei porquê; é frequente.

Olhem para a data desta publicação, são exatamente 12 horas e 50 minutos do dia 7 deste mês. Gosto de inventar coisas, e minha mais recente invenção é a Hora Do Meh. Qualquer pessoa que trabalhe na indústria de escrever sobre jogos sabe que de vez em quando apanhamos jogos que não nos dizem absolutamente nada à alma. Jogos que não são maus, porque “mau” é uma reação, e falar mal de coisas dá um certo prazer perverso, que nem são bons, que também dá prazer afirmá-lo; jogos que nem nos apaixonaram, fossem maus ou bons, pelos quais nem temos aversão; jogos que de forma intrínseca e extrínseca são aquilo que este século tem chamado de ”meh”. Qualquer pessoa que trabalhe na indústria de escrever sobre jogos e que tenha alguma liberdade criativa e flexibilidade com prazos, sabe que este tipo de jogos, os jogos “meh”, vão-se acumulando, e que se não limparmos a casa, em sentido figurado, vão-se tornando num monte demoníaco que nos atormenta. É horrível abrir-se o Steam e ver-se uma dúzia de jogos sobre os quais não conseguimos escrever; sobretudo se tivermos enterrado demasiadas horas nesses jogos.

A Hora do Meh é um momento espiritual de catarse, uma hora mágica que poderá variar ou ser sempre igual, na qual concentro forças e dou cabo desse demónio, tudo de uma vez; uma limpeza à casa, uma luta entre o Bem e o Meh.

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Imaginem-me a segurar numa espada de samurai; teria escrito “katana”, mas sou inculto.

Jogo 1: LA Cops.

LA Cops é um jogo indie; há vários tipos de “indie”, mas para dividir tudo em duas categorias: há o indie “somos profissionais com pouco orçamento” e o indie “somos miúdos, nunca fizemos um jogo, e conseguimos entrar no Steam Greenlight”. LA Cops não faz parte da primeira categoria, mas pensa que faz, ou que podia fazer. Antes de cada nível, há uma pequena cutscene que nos ajuda a compreender um enredo incompreensível; e essa ajuda também é incompreensível; em modo-gameplay, trata-se de um shooter isométrico com duas personagens e inteligência artificial medíocre; em modo-narrativa, trata-se de polícias que… não sei bem o quê; os polícias foram todos modelados em 3D, e assim, parece que as cutscenes custaram tanto a fazer como o resto do jogo; mais estranho ainda, os cortes e ângulos de camera dessas pequenas (não chegam a 30 segundos) cutscenes evocam sitcoms e filmes de comédia, mas não tenho a certeza que era nessa direção estilística que queriam ir.

Portanto, decisões questionáveis e rios de dinheiro estoirados; um ponto negativo; mas e o resto? Será que o jogo em si é divertido? Não.

Os níveis são quase todos idênticos; mesmo os que não são, são. O jogo é repetitivo, visual e mecanicamente; dá para escolher duas de seis personagens no início de cada nível, e dá para “evoluir” essas personagens com pontos, mas isso não corrige o problema nem redime o jogo. Se tiverem um comando, e quiserem que um amigo vosso controle a personagem que ficaria parada à espera de instruções, também há multiplayer local. Ao preço que está no Steam, é um roubo. E é o tudo o que tenho a dizer.

O sangue jorra no ar. Reflexos vermelhos na espada. LA Cops foi decapitado.

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Jogo 2: Guild of Dungeoneering

Aprecio este jogo, está bem pensado, bem concebido, tem um estilo engraçado. Fizeram uma coisa engraçada visualmente, que é imitar o traço de quem pega numa caneta e desenha num papel. O jogo todo parece que se passa no caderno de uma pessoa sem amigos e com demasiado tempo livre.

O problema aqui é que é sempre a mesma coisa. O loop de jogo não varia, é demasiado curto e idêntico a si mesmo. O combate é um jogo de cartas; há um elemento de aleatoriedade, que quando está demasiado presente torna-se desagradável, e há o quem-tem-as-melhores-cartas-ganha, que quando está demasiado presente também se torna desagradável. Em cada missão, o jogador constrói o nível e posiciona inimigos e recompensas para os seus heróis; eles mexem-se sozinhos; combate “meh”; movimento autónomo; combate “meh”; movimento autónomo; combate “meh”; movimento autónomo; combate “meh”; movimento autónomo; combate “meh”; movimento autónomo; fim da missão; ir à base comprar coisas; nova missão; movimento autónomo; combate “meh”; movimento autónomo; combate “meh”; e é isto, o jogo todo.

Como LA Cops, cuja cabeça está aqui ao meu lado, no chão, debaixo do meu pé, elementos pseudo-RPG não redimem um jogo mau; há inúmeros itens diferentes, o jogo de cartas tem imensas cartas, há bastantes efeitos (maldições e bênçãos), há várias classes. Nada disto interessa, se o jogo em si não é estimulante.

A lâmina não se desloca no ar, simplesmente muda de posição; estava num sítio, agora está noutro. Nada se passa. Nada. Guild of Dungeoneering está de pé. Nada. Nada. Guild of Dungeoneering cai de joelhos. Nada. Nada. Uma chuva de sangue.

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Próximo. Jogo 3: The Music Machine

Não tenho paciência. Há pessoas que gostam de usar o adjetivo “atmosférico” para descrever jogos em nos quais não se faz muito, e passa-se muito pouco. A série Bioshock é atmosférica. A série Thief (mesmo o mais recente, apesar de tudo) é atmosférica. A (em breve) série Dishonored é atmosférica. Machinarium é atmosférico; na verdade qualquer jogo dos Amanita Design é atmosférico. Qualquer jogo da Thatgamecompany é atmosférico. Qualquer jogo da FromSoftware é atmoférico. Qualquer jogo da Black Isle Studios é atmosférico. Pong não é atmosférico; o jogo até pode evocar um miríade de imagens e sentimentos em quem o joga, e isso é válido enquanto conceito de ambiente psicológico, de “atmosfera”; mas isso não torna o jogo atmosférico; para ser atmosférico tem que haver mérito, e pelo menos uma intenção artística por detrás – Pong não é um jogo atmosférico, porque os seus criadores não estavam a criar atmosfera nenhuma – se a definição não for essa, ou algo nestas linhas, então tudo é atmosférico e a palavra não tem significado.

The Music Machine é atmosférico porque é bicromático; o jogo tem sempre só duas cores presentes, preto e outra qualquer.

Passa-se numa ilha, a ilha está deserta, e se andarmos sem rumo no meio das árvores pode ser que encontremos objetos e edifícios abandonados. Não se passa nada, não há personagens on-screen, anda-se para a frente e para trás num cenário que não muda: é atmosférico. Pelos mesmos motivos, então, Pong também será atmosférico.

E lembro-vos que Pong também é bicromático, logo é atmosférico ao quadrado; como The Music Machine.

No meio disto tudo, há text-dumps de diálogos entre as duas personagens principais. Um fantasma está a possuir uma pessoa, a guiá-la para a sua morte, e os dois vão falando de vez em quando. A escrita não é má, mas é tão “poética”, abstrata, e de interpretação tão aberta que se torna impossível decifrar o significado que o autor lhe dá. Não tenho paciência.

Já viram o primeiro Kill Bill? Há lá uma cena parecida com esta. The Music Machine está no chão; uma gota percorre, de cima a baixo, a lâmina da minha espada.

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Concentrei as minhas forças, e bani três demónios da minha conta Steam. Consegui escrever algo sobre cada um; quase serve de análise. Há muitos mais, mas ficam para outra vez; três já é muito bom.

A Hora do Meh é mais como um eclipse do que como uma lua cheia. Não esperem pela próxima, chegará quando tiver que chegar; mas chegará; é inevitável.