Parte I
À procura de Deus

[Leia a primeira parte]

Parte II
Morre e não tenhas filhos

[Agosto, Alemanha, aeroporto]
[Esta Gamescom] não foi nada de especial para o público. Para nós, os que estivemos na zona press/trade, por outro lado, foi.
Andei a falar com developers e publishers, e não encontrei o clima hipócrita e ensaiado que por vezes reina nas apresentações à porta fechada – a minha experiência pessoal da Gamescom 2015 resume-se a andar de banca em banca a conhecer criadores de jogos, equipas de oito, seis, por vezes quatro pessoas – ir às grandes booths de vez em quando para beber café oferecido, e regressar à pequena escala, ao cosmo indie, para falar com autores. Gastei os meus três dias de press/trade com quem faz jogos por amor à Arte de fazer jogos; com pessoas que ganhariam mais dinheiro e teriam vidas mais estáveis a ilustrar, modelar ou a programar para outros projetos, mas que se renderam, por escolha, à Arte.
Artistas que entregaram a sua vida à Arte.

[Setembro, Portugal]
O termo “notgame” foi cunhado em 2010 por Michaël Samyn, de Tale of Tales.
Não é um termo do qual goste, mas tem uma função que compreendo e aceito; pegou, hoje é um conceito mais popular que há cinco anos atrás, e este ano marcou a terceira edição do Notgames Fest. Festivais como este são cada vez mais númerosos – se tudo correr bem, irei em Janeiro ao festival Ludicious em Zurique, fazer cobertura para o Rubber, por exemplo – e têm cada vez mais quantidade e variedade de jogos em exibição.

[Agosto, Alemanha, varanda]
Um viva aos videojogos.
Que a Arte se torne o Deus deste século. Que se torne os Deuses deste século.
Que os videojogos se tornem o Deus dos Deuses.

[Setembro]
Havia todo o tipo de jogos em exibição no Notgames Fest, do mais simples e conceptual ao mais complexo e “trabalhado”, alguns muito densos, outros literais, coloridos, monocromáticos, uns só visuais, outros focados em som, outros só à base de texto.
Os que aqui vou mencionar desafiaram-me, de uma ou outra forma, a nível intelectual.

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[Agosto, varanda]
Deram-me uma pulseira; entrei numa espécie de labirinto de paredes de cartão, pouco iluminado, com som-ambiente experimental; uma instalação artística estilo-museu.
Não estranhei mas foi um choque. Imaginei que sítios destes já existissem, mas nunca tinha estado num.


Não se deveria comer pipocas no cinema, porque não se come nas igrejas.
As séries Transformers e Avengers deveriam ser tratadas como abominações.

[Setembro]
Bounden é um jogo estupidamente simples e original.
Duas pessoas têm que posicionar um smartphone numa série de ângulos, sem o largar; o resultado é uma espécie de dança para quem está a ver; para os jogadores, dá a impressão de estar a jogar Twister.
O trailer é muito mais elegante do que o exercício ao vivo, na prática.

Reencontrei Memory of a Broken Dimenson.
Há vários anos que acompanho o progresso do projecto. Trata-se de um espaço virtual que simula um espaço virtual; apresenta-se ao jogador primeiro como uma interface linha de comandos, e depois como um espaço tridimensional de ruído sem cor, navegado em primeira pessoa.

[Agosto, varanda]
Alguém dirá: “Isaque, nem tudo pode ser relativamente profundo, nem tudo me pode desafiar, nem tudo precisa de ter significado e fazer-me pensar sobre coisas – não pode ser assim, esse mundo não pode existir – por vezes só quero desligar o cérebro e não pensar em nada”. Ao que eu responderei: pode sim, morre e não tenhas filhos.

[Setembro]
Fiquei a conhecer My Boyfriend Came Back From The War, criado em 1996 por Olia Lialina, que podem jogar aqui.
Não tive tempo de voltar a jogar entretanto, e não digeri o pouco que joguei. Trata-se de um trabalho carregado de metáforas densas, quer a nível imagético quer de escrita. Os temas do jogo são óbvios, mas não cheguei o sentido que a autora lhes quis dar; fiquei intrigado, no entanto.
[Se o leitor quiser enviar-nos a sua interpretação, teremos todos o gosto em publicá-la.]

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Fiquei a conhecer System 1, uma instalação dos Awww Design.
O(s) jogador(es) entram fisicamente para dentro de um cubo, e cinco das seis faces (paredes e tecto) servem de ecrã de jogo. As faces são feitas de pano, e há um projetor por face, a apontar para esta; no centro do cubo há uma coluna com pads de arcade, que controlam os objetos projetados; o jogo em si é um puzzle que envolve precisão e pensamento lateral.
Infelizmente, tenho pena, a gravação que fiz para além de não revelar muito sobre o espaço (estava escuro), não revela quase nada sobre o jogo.

Luxury $imulator é menos críptico que My Boyfriend Came Back From The War, mas deixou-me na mesma situação.
Não tive (nem tenho tido) tempo de me sentar em frente ao computador e dissecá-lo.
O jogador explora um espaço não-euclidiano em primeira pessoa, repleto de obras de arte e ícones históricos.
[Refaço o convite ao leitor, envie-nos a sua interpretação deste jogo também.]

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Initiated in 2011, Paradise is a […] multiplayer novel, in which you can be anything and anyone, travel to the oddest of places, entirely user-created”.

Nenhum dos jogos referidos acima é tão interessante como Paradise. Trata-se de um jogo de texto (um híbrido entre comandos de teclado à old school, e hipertextos clicáveis de rato) em que um jogador, de ecrã branco e texto preto, dá diversas formas ao seu sujeito de jogo e fá-lo viajar através de portais, e outro jogador, noutro computador, de ecrã preto e texto branco, faz o mesmo como seu sujeito; estão ligados por um servidor, coexistem no mesmo universo e podem interagir entre si.
A premissa é tão surreal como o próprio jogo, e os sujeitos começam por ser chávenas de chá no paraíso.

[Agosto, varanda]
Que a Arte se torne o Deus deste século.

Que os videojogos se tornem o Deus dos Deuses.

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lol

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