A 8 de Outubro 1992 era lançado um dos grandes turning-points do mercado dos 2D fighting-games e o grande competidor (à época) da hegemonia sustentada por Street Fighter: Mortal Kombat. Para mim (e já o referi várias vezes), nesse entrincheiramento em que os jogadores se colocam entre Team-SF e Team-MK, sou notoriamente um integrante da equipa que defende a obra de Ed Boon e John Tobias.

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Mortal Kombat é para mim, uma das grande memórias de infância e pré-adolescência. E antes que se insurjam com o facto de que eu não tinha idade para jogar MK, relembro que no final dos anos 1980 e início dos 1990 poucas eram os estabelecimentos que se importavam com quem jogava o quê. Desde que desembolsássemos as maravilhosas e prateadas moedas quase-énecagonais de 20$ tínhamos salvo-conduto para jogar tudo.

Mortal Kombat é também uma grande memória familiar, do meu primo mais velho e o mais próximo de um irmão que tenho, e que , graças às muitas horas passadas em cafés na Encarnação e no mítico salão de jogos do Centro Comercial da Portela era um verdadeiro astro com o Kano. Especializou-se e vencia toda a gente da zona, era impressionante vê-lo a jogar, num sistema de “quem desafia paga a ronda”. Estávamos já em meados de 1993 quando as máquinas de MK se tornaram relativamente omnipresentes, e foi nessa altura que o joguei pela primeira vez, contra o meu primo David, que seguindo o espírito da nossa família me deu uma valente e monumental coça. Na nossa família defendemos o mérito acima de tudo, e ninguém faz favores a quem quer que seja, nem deixamos ganhar ninguém. Mesmo se essa pessoa tiver 6 ou 60 anos. Se somos desafiados jogamos ao nosso máximo. Ganhamos com honra e perdemos com dignidade.

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Ainda no final desse ano consegui um cartucho para a minha Family Game, o que me permitiu começar a treinar a sério. Descobri o Scorpion, o macabro ninja que até hoje, vinte e dois anos depois continua a ser o meu grande companheiro. Durante meses fui perdendo contra o meu primo, habituado ao stress e à pressão de se jogar nos salões de jogos. Foi apenas cinco anos depois, já na Sega Saturn e com o Mortal Kombat Trilogy nas mãos (e possivelmente o meu favorito até hoje) que o meu Scorpion venceu o Kano do meu primo. Ele ainda ontem, enquanto falámos ao telefone, diz-me que essa derrota se deveu ao seu hábito com o joystick versus a minha ambientação com o controlo digital. Isso pouco me importa, anos depois, ao bom estilo de um filme de série Z vietnamita, consegui finalmente derrotar o meu primo e a glória do Mortal Kombat recaía agora nas minhas mãos.

Depois do ENORME MKT a série entrou numa espiral negativa que só pode ser sumarizada, à falta de melhor, com a palavra “fezes”. O estigma de tentar trazer a série para fora do seu ambiente bidimensional foi, sem dúvida, a derrocada de Mortal Kombat desde MK4. Estigma esse ao qual Street Fighter nunca cedeu e que lhe permitiu recuperar a hegemonia enquanto o Mortal Kombat lutava desesperadamente para sair das areias-movediças que ele próprio tinha criado.

MK_Scorpion_Cropped

Joguei a todos os MK que saíram, todos sem excepção. Sempre com a vã esperança de que finalmente aquele brilho incontornável dos primeiros 4 MKs tivesse regressado. Mas sempre sem sucesso. Até que…em 2011, a NetherRealm Studios se une à Warner Bros. lança um reboot à série singularmente nomeada de Mortal Kombat e…a minha paixão por MK regressou, em todo o fulgor. Trazer a série para a era contemporânea, regressá-la à bidimensionalidade e fazer dela a melhor (para mim) experiência de fighting games do mercado foi sem dúvida a grande conquista alcançada. Já muito falei sobre essa iteração que tanto me marcou e que tanto recuperou uma série que merecia estar fora do oblívio a que se auto-fadou.

No ano passado, durante a minha visita à Gamescom 2014, tive o prazer de ser convidado pela WB para antever MKX, o próximo jogo da série. Fiquei automaticamente entusiasmado, porque não acreditava que fosse possível estragar o que foi alcançado no reboot. E a realidade é que não foi.

Avancemos uns meses até dia 14 de Abril deste ano, dia de lançamento mundial de Mortal Kombat X. A meu pedido, a WB enviou uma cópia de PC para análise. Desde o primeiro dia que fui um dos afortunados com os muitos problemas de optimização de MKX, que durante quatro semanas me impediram sequer de passar o Menu inicial. Avisei a distribuidora que preferia aguardar para uma altura em que o jogo estivesse perfeitamente funcional, já que o Rubber Chicken não tem como necessidade escrever análises 0-day. Preferia-o, dado o que já tinha jogado na Gamescom, a escrever um artigo hiper-negativo sobre o jogo e os seus problemas no PC.

Em tom de análise, meses depois de muitas dezenas de horas em torno de MKX, este artigo serve de proto-análise àquele que – e perdoem-me o spoiler – é actualmente o meu jogo favorito da série. E antes de falar do que faz de MKX a minha melhor experiência em 2D fighting games, prefiro já tirar do caminho alguns problemas que quase mancharam o seu desempenho. E não falo dos problemas de compatibilidade com o PC. O enredo de Mortal Kombat X, para mim, é totalmente desnecessário. Não sei se é por ter crescido com as arcadas e de não precisar, de todo, de histórias “marteladas” a acompanhar fighting games, mas a narrativa deste MKX é tão “campy” que roça a medianidade. Não fossem os combates entre cutscenes serem excelentes, e os interlúdios e demais QTEs tinham-me arruinado a experiência do jogo. O multiplayer online, continua a não ser apelativo para mim, que continuo a preferir uma tarde de cervejas e amigos/família sentados ao lado enquanto nos esventramos no MK com os muitos ataques violentos e especiais X-Ray. Easy fatalities? DLCs e afins? Porquê?

MKX

Como já tinha referido na antevisão, sinto que MKX deu um passo em frente em relação ao seu antecessor ao tornar todo o combate ainda mais complexo. A utilização de partes do cenário (como “criado” no Injustice) aliado às três “formas de luta” distintas de cada personagem dão uma profundidade salutar a Mortal Kombat que ele nunca teve. E ainda que não fosse obrigatória, esta opção da NetherRealms de adensar a jogabilidade fez melhor ainda mais o jogo.

O elenco é vasto, como habitual, e onde contamos com muitos novos personagens que são os filhos dos personagens que crescemos a combater. Ainda que muitos deles sejam relativamente desinspirados, é a integração da personagem D’Vorah, que tanto a nível visual e mecânico permite-a ser uma das melhores criaturas alguma vez criadas na série. A dupla Ferra/Torr são igualmente bem-pensados enquanto personagens, mas não ofuscam, de forma alguma, a lucidez da Insect Queen.

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Com alguns meses de atraso aqui fica a reflexão sobre um dos grandes jogos do ano, e para mim, com toda a minha suspeição de MK fanboy, uma das melhores experiências em jogos de luta. Infelizmente, a distância geográfica que me separa do meu primo que me ensinou a gostar da série e me fez, a cada derrota, um melhor jogador, impede-nos de testarmos as nossas capacidades quase vinte anos depois. Porque, por muito estranho que isto possa soar, uma experiência visual de violência pode ser também uma memória emocional de alguém que amamos. Vejam o nosso caso.