Há várias alturas em que duvidamos da nossa existência, da nossa veracidade e essência. Às vezes por razões sérias e traumáticas. Outras na adolescência enquanto passamos por “fases” que podem não o ser. Quem olhar para mim agora não vê um metaleiro de cabelo comprido e totalmente vestido de preto e brincos que fui na adolescência. Isso quer dizer que já não goste de Metal? Heavy, Dark ou Black? Peço desculpa, não é Black Metal, é Metal afro-descendente. Porque temos que ser politicamente correctos em tudo hoje em dia para não ofender ninguém…

Se calhar o meu gosto mudou, expandiu, continua a gostar de algum metal mas não tudo, aprendeu a gostar de outras coisas. Quem me vê no meu dia-a-dia, no meu trabalho, não vê as tatuagens por baixo das camisas, coletes e casacos clássicos. Não vê o meu prazer de andar em duas rodas ou disparar flechas num campo nem vê a minha paixão por jogos. Portanto quem sou eu? Serei um gamer?

Eu ia começar este artigo de outra maneira, com a reprodução de um pequeno diálogo que tive online com um miúdo, em que no meio de outras coisas ele diz-me:

“Mas se tu só tens Nintendo não és gamer e não devias estar aqui a falar disto!”

Quando isto aconteceu, eu podia ter ficado chateado com uma criança que tem menos anos de vida do que tenho a jogar (tal como todos aqueles que dizem que ******* as nossas mães nos jogos online), mas nem foi isso que me levou a pensar no que é “ser um gamer”. E em vez de fazer um manifesto como o do Isaque acerca do que é ou não um jogo, preferi tentar perceber o que é ser gamer, o que o define, o que não o define, ou se simplesmente é uma parvoíce dizer o que é um, e porque há uma defesa tão acérrima disso.

Se calhar começar por uma definição científica era mais fácil, mas não encontro nenhum dicionário português online que defina gamer.

Gamer

Desilude-me que pessoas não saibam o significado de “jinguba” ou “mefistofélico”

Como não existe no dicionário em português vou à única outra fonte que me possa lembrar que é a Wikipédia, e essa diz:

Historicamente, o termo “gamer” ou “gameplayer” geralmente se referia a alguém que jogava role-playing games, (RPG). Ou jogos de miniatura classificados como gamer. Entretanto, mais recentemente o termo tem crescido e incluído os jogadores de videogame. Enquanto o termo nominal inclui aqueles que não se consideram necessariamente serem gamers (por exemplo os gamers casuais), é mais usado comumente para aqueles que passam seu tempo livre jogando ou aprendendo sobre jogos.

Portanto, logo aqui existe algo muito interessante que é o termo ser muito mais abrangente e alguns dos que se incluem nele decidiram excluir ou estratificar a sua posição. Permitam-me a analogia:

Eu pratico tiro com arco, vou a campeonatos nacionais e tenho um cartão que diz atleta. Sou um atleta amador, mas sou para todos os efeitos, um atleta. Um jogador profissional da divisão distrital de futebol vira-se para mim e diz: “Ah e tal, tu não és atleta porque isso de disparar arcos não é desporto, vocês estão parados! Eu jogo a bola, corro, eu sou atleta e tu não és!”

Este argumento faz sentido? A mim não. A mim não… faz-me lembrar uma anedota estúpida de quando era miúdo. Até porque este argumento é uma anedota estúpida. Possivelmente nunca vou entender a necessidade do ser humano de se balizar e excluir membros do “seu” grupo.

Vi-me obrigado depois disto, a ir à Wikipédia em inglês para encontrar uma maior definição de gamer. E o que encontrei foi isto que traduzi e resumi:

Casual gamer

Termo utilizado por jogadores que jogam principalmente jogos casuais, mas também se pode referir a quem jogue menos tempo que os outros. Podem jogar jogos mais fáceis, ou jogos mais difíceis em sessões mais curtas ou a um passo mais leve que os hardcore. É menos provável que tenham uma consola e são tipicamente mais velhos e/ou mulheres.

Core gamer

Jogador com um leque de interesses mais vasto que um casual e é mais provável que jogue outros tipos de jogos mas em menos quantidade de tempo ou investimento de competição que um hardcore gamer. Gosta de jogos mas não de acabar todos os jogos que compra e não tem tempo para longas quests MMO.

Hardcore gamer

Proposto por Ernest Adams e Scott Kim um hardcore gamer:

  • Prefere jogos de acção
  • É muito competitivo
  • A maior parte das vezes tem consolas de última geração ou PC topo de gama
  • Habitualmente tem conhecimento tecnológico
  • Prefere jogos com profundidade e complexidade

Alguns defendem a distinção por plataforma enquanto outros tentam destruir as definições por serem vagas e divisoras.

Professional gamer

Aquele que joga profissionalmente e compete em e-sports.

Newbie

“Newbie” (“noob”, “n00b”, ou “newb”) é o calão utilizado para alguém recém-chegado aos jogos

Retrogamer

Um retrogamer é aquele que prefere jogar e coleccionar jogos antigos.

Female Gamer/Gamer girl

Uma mulher ou rapariga que regularmente joga.

Gaymer

Gaymer, ou gay gamer, é um jogador LGBT.

****-** a sério? Mas que *****! Eu sei que os americanos e ingleses são obcecados com o ******* do politicamente correcto, mas esta ***** tem limites! É preciso meter um termo discriminatório sem ***** ** **** de sentido nenhum em tudo?

Preciso parar de escrever esta ***** e já volto.

Agora que já estou mais calmo posso continuar.

Portanto há vários tipos de gamer. Porque alguém assim o decidiu, acho que por ser parte da natureza humana fazer juízos dos outros e querer ser parte do grupo fixe.

Eu ainda sou de uma altura em que os jogos não eram fixes (acho que apanhei um bocadinho de hipsterismo na rua, mas com uns antibióticos isto passa) também não eram… ah… não fixes. Eram jogos, só isso, nada mais. Não havia muita variedade de computadores em Portugal, nem de consolas, eram caras e o poder de compra era mais baixo, mas havia livros de aventuras, havia RPG de mesa com dados e papel e caneta, jogos de tabuleiro ou seja, várias outras maneiras de jogar que depois se adaptaram para maquinas. E um dia, criou-se o mito de gamer. Que como pudemos ver acima não tem uma definição coerente, e tem mais subgrupos que Vampire the Masquerade tem clãs. As várias “classes” de gamer dependem de quem as analisa.

E foi neste ponto que eu fiz aquilo que faço várias vezes quando quero ter uma conversa inteligente e discuti comigo próprio.

– João, tens que ver que jogar em PC e consolas (PS e Xbox) é para gamers a sério, enquanto Nintendo, Smartphones e Tablets não são gamers ou são só casual gamers.

– Portanto, Outro João, nessa perspectiva se eu jogar Baldur’s Gate no meu tablet não sou um gamer mas se jogar Puzzle Bubble no PC ou Xbox já sou. Ok, já percebi.

– Não, João! Ser gamer é acerca do jogo e o tempo que se passa com ele, jogar esporadicamente já não é.

– Hmmm… Então se eu jogar 4 horas de Candy Crush por dia já sou gamer, e se eu jogar 1 hora de Call of Duty por semana já não sou. É isso Outro João?

– Ah… não…, espera João, é jogar um jogo com profundidade e complexidade como Call of Duty mesmo que seja só uma hora, porque 4 horas de Candy Crush não tem complexidade…

–  Mas Call of Duty Online não tem complexidade, é só andar aos tiros a outros jogadores, não tem história… Isso não é gamer então?

– Não… é porque é competitivo João, tem a ver com competitividade…

– Mas há jogos mobile que são competitivos PvP ou Leaderboards, Outro João. E há jogos de PC e consola que não são….

– Mas… João… ah… eu… ah…

– Está a doer-te a cabeça, Outro João?

– Está, João, está!

Das últimas coisas que eu fiz para este artigo foi perguntar ao pessoal do Rubber, que são pessoas inteligentes e com quem tenho conversas quando me faço doer a cabeça, a sua definição de gamer.

O Johnny define como:

Pessoa que joga em casinos.

O Roberto além de outras coisas diz:

Um gamer, creio, seria alguém que gosta de jogos à brava. Não tem que gostar de todos os jogos ou sequer de muitos jogos. Mas alguém que se diverte à brava com jogos. Não tem que ser, necessariamente, alguém para quem o mundo é um sitio que vale a pena preservar porque, porque aquilo se sabe, só aqui é que há jogos. Um gamer seria alguém que gosta de jogos e que não cataloga os outros em função daquilo que jogam. 

E o altamente loquaz e não emigrado Bernando:

Não há gamer nem jogos. Não há leitores nem livros. Há espectadores como no cinema, no teatro, no ballet, nos concertos. Ser dotado do dom da leitura não distingue um espectador. Uma experiência ser interactiva não distingue um espectador.

E foi neste ponto, apaziguado por pessoas sensatas que eu decidi desistir de tentar perceber o que é ser gamer, o que o define, o que não o define. Mas como linguista astuto que sou há vários anos fazer a minha própria definição de gamer, uma expressão que eu espero que morra e não seja mais utilizada.

Gamer

Substantivo neutro

1 . Pessoa que leva um passatempo a sério demais. Esquece-se que jogos foram criados para o divertir e distrair.

2 . Alguém que não gosta de jogos mas tem a mania que sim

3 . Pessoa que tem pouca auto-estima e faz do seu passatempo a sua própria definição

4 . Pessoa que associa os jogos ao típico conceito de “nerd” e por se querer afastar dele estratifica uma generalização para se sentir um pouco melhor consigo mesmo.

Podem concordar ou não, isso pouco me importa, eu só espero é que aconteça como algumas palavras na história e desapareça da circulação, mas tendo em conta que as pessoas têm pouca capacidade para largar as coisas, duvido seriamente que aconteça.

P.S. Não sou um gamer, disso tenho a certeza.