Os mais cínicos chamar-lhe-iam promiscuidade. As forças-vivas do mercado dos videojogos confluem na mesma direcção, conhecem-se, convivem em torno de chávenas de café, comungam de opiniões e de posições. Editoras, distribuidoras, media, game developers, organizadores de eventos entre outros agentes do meio conversam abertamente porque as suas relações vão para além do mero aceno de cordialidade, porque existem uma série de sinergias do passado próximo que a todos une. Ex-game developers tornados media, ex-media que hoje trabalham em editoras, ex-editores que trocaram de empresa, entre muitos outros ex e actuais exemplos que demonstram que no meio português toda a gente se conhece. E por isso os mais cínicos chamar-lhe-iam promiscuidade mas estariam completamente errados. Porque o que toda esta gente tem em comum é aquilo que os une: uma paixão imensa pelos videojogos.

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Portugal não tem orgulho de si mesmo

Portugal é um país caricato, ou pelo menos gosto de acreditar que assim o é. Se os videojogos do ponto de vista global estão quase a finalizar a sua adolescência, em Portugal o mercado é pré-adolescente. Com todos os pontos favoráveis desse período, tal como o entusiasmo e a esperança típicas da idade, mas que também vivem da inexperiência e da falta de definição conduzidas apenas pelo processo de maturação.

Esta pré-adolescência é também uma febre lusitana que colide com a nossa própria maneira-de-ser colectiva. Se no ano passado critiquei a distanciação dos game developers portugueses (que tentam mover um mercado quase inexistente com o preço dos seus sacrifícios) perante o evento, estando renegados a um canto profundo do pavilhão da FIL, este ano senti que nós não temos orgulho nem desprezo por eles , mas que na realidade eles nos são (colectivamente) indiferentes. Os game devs portugueses foram este ano colocados num corredor disponível, numa zona que – e muito graças às hediondas caixas de papelão – mais se assemelhava à arrecadação do evento, um espaço martelado perante o disponível apenas para encaixar a produção nacional, e que acabavam por ficar quase tapados por alguns dos stands, nos quais o nosso do Rubber Chicken era, infelizmente, um deles. Na segunda edição da LGW o desenvolvimento de jogos nacional continua presente como descargo de consciência, perdendo o peso expositivo até para as empadas e as bolas de Berlim.

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LGW: o contributo dos diversos agentes

A Lisboa Games Week é em todos os aspectos o melhor espelho de todos os agentes que colocam os videojogos em movimento no nosso território. Não fosse cada um deles, e cada um à sua maneira, parte integrante do próprio evento. Cada um contribui o que pode trazer para elevar o meio em Portugal, numa tentativa quasi-evangelizadora às massas. Mas os portugueses, tal como o seu País, são sui generis. A LGW é o maior evento de videojogos de Portugal e é completamente distinto de outros eventos congéneres na Europa. É aqui que vemos media a ultrapassarem a sua posição natural de observadores para serem parte integrante do crescimento e acção dentro do evento, é aqui que vemos sinergias entre game developers e distribuidores e é também aqui, na LGW, que Portugal demonstra que talvez goste apenas “mais ou menos” de videojogos. Do que Portugal gosta mesmo é de ser refém de celebridades instantâneas produzidas como farinha em pó. Porque a Lisboa Games Week é o maior evento de de videojogos, mas não só. A Lisboa Games Week é um evento de, para e sobre youtubers.

Lisboa Games Week: a celebração dos youtubers

Poderíamos entrar na diatribe dicotómica de separar ou unir os conceitos (para mim não obrigatoriamente sobreponíveis) de “videojogos” ou “youtubers”, mas não o faremos. Até porque estatisticamente não possuo dados que me permitam afirmar qual a percentagem de visitantes que foram à FIL por causa dos videojogos propriamente ditos, quais foram apenas por x ou y youtubers, ou quais foram por ambos os factores. E é neste aspecto que a LGW difere diametralmente de qualquer evento europeu: na realidade o evento tem o sucesso que tem porque mescla na sua essência a atenção entre os videojogos e os youtubers, tentando captar ambas as franjas do mercado que seguem cada um deles (ou ambos).

Extrapolando números (porque há sempre a legitimidade opinativa de atirar números não-fundamentados para o ar, e até há quem goste disso), diria que entre 50 a 60% dos visitantes, especialmente nas demografias inferiores aos 15 anos de idade deslocaram-se ao evento unica e exclusivamente para contactar os seus youtubers favoritos, e em que na prática os videojogos eram um mero ruído branco em torno do qual os seus ídolos vibravam.

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Esta exibição dos youtubers enquanto papel-cativador de visitantes só acontece mesmo em Portugal. Já estivemos em alguns eventos de videojogos internacionais (a E3, Gamescom, Paris Games Week) e para o ano estaremos também na Tokyo Game Show, e em todas os youtubers, ainda que no seu papel de entertainers digitais, têm um papel divulgador equiparado ao dos media: visitantes anónimos que querem conhecer o que aí vem, querem mostrar aos seus espectadores tudo o que conheceram e querem manter-se informados. Acima de tudo porque todos esses eventos são uma celebração pura e primordial dos videojogos. E apenas isso.

Ter este destaque mediático nos youtubers é algo que potencialmente poderia (ou pode) ser redutor para o esforço anímico e financeiro das editoras/distribuidoras, que desde a primeira edição da LGW trazem algo ao público português a que este nunca tinha tido acesso: a noção de como funciona um evento internacional de videojogos, em que cada marca permite que o público anteveja o que estará para chegar num futuro próximo. Porque as marcas, com toda a globalidade que possuem, percebem que elas sim são a parte fundamental e essencial de um evento do género, e que em qualquer sítio do mundo elas são condição sine qua non da existência dos certames. Em Portugal, para uma percentagem dos visitantes tudo isto é acessório.

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Mas este destaque nos youtubers enquanto entertainers, que ideologicamente considero errado, tem dois bons (potenciais) retornos ao mercado de videojogos em Portugal. O primeiro centra-se num hábito do seu público-alvo (essencialmente pré-adolescente e adolescente) de conviver com os videojogos, de os conhecer, de os viver, e, com esperança minha, que lhes crie uma semente de questionamento de procura do que o mercado apresenta para além do básico, do redutor, do imediato. Mas que haja um sentimento incluso para com esta demografia para que os yotubers sirvam de porta-estandarte dos videojogos, ou como portas-de-entrada para esta demografia. O segundo factor que esta celebração dos youtubers em paralelo com os videojogos tem de positivo é instantâneo, e traduz-se no número (que, sem números oficiais, diria que extremamente positivo) de visitantes. Sem esta exibição dos youtubers dificilmente o evento teria tanta gente a visitá-la, e ainda que ideologicamente eu sinta um conflito interno com esta escolha, penso que a médio-prazo os youtubers poderão ser extremamente enriquecedores para a Lisboa Games Week. Os números (de visitantes e financeiros) alicerçarão futuras edições, e um crescimento do evento nos anos vindouros. Considero, pragmaticamente, que os youtubers são as rodas laterais da bicicleta que é a LGW, e que têm servido neste período de aprendizagem e crescimento como um importante suporte ao trajecto. E que um dia o evento seja independente e autónomo desse suporte, e assuma os videojogos, e unicamente eles, como o verdadeiro epicentro do certame.