…ou “Porque é que já não gosto de jogos de carros.”

Um pouco de contexto para explicar a afirmação acima:

O meu gosto por jogos de condução começou por volta de 1990 com títulos como o Lotus Esprit Turbo Challenge ou o fantástico Stunts (também conhecido por 4D Sports Driving), passou por clássicos como o Need for Speed e o Sega Rally Championship, e terminou por volta de 2001 com títulos como o Colin McRae Rally 2.0 e o World Rally Championship. Porque é que terminou? Porque 2001 foi o ano em que tirei a carta de condução.

Conduzir um carro a sério é mais divertido do que fazê-lo em qualquer jogo, e em 2001 tive oportunidade de começar a conduzir um a sério. Era jovem e idiota (vá, ainda o sou). Picava-me com qualquer um no meu Citröen AX GT de 1989 modificado e a viagem para qualquer lado, perto ou longe, era sempre uma corrida. Quem é conhecedor de carros é capaz de pensar: “este tipo é parvo, o AX GT era uma caixa de fósforos/caixão com rodas” e é verdade. Conduzi-lo era quase como piscar o olho à morte. O meu pai tinha-lhe mexido no motor e inserido um carburador duplo. Aquilo consumia cerca de 15 litros aos 100, chegava aos 215 km/h (quando lá chegava parecia que o carro se ia desmontar) e tinha a aceleração mais potente de qualquer carro do seu tamanho e classe que já conduzi – era um carro leve e descontrolado, que voava pelo asfalto. Cheguei a fazer uma vez Caldas da Rainha a Lisboa em menos de 30 minutos nele, sempre acima dos 180 hm/h e quando chegava a qualquer lado parecia uma cena saída do Ace Ventura, que metia sempre meio pião e um cheiro a borracha queimada, onde só faltava gritar “Like a glove!” após estacionar. Familiares e amigos não queriam andar comigo de carro, mães de namoradas proibiam-nas do mesmo, e eu não queria saber. Não, não era nem de longe nem de perto um “bad boy”, mas a condução transformava-me num animal semi-racional. Nem o BMW 318 iSport que tive uns anos depois foi capaz daquela aceleração tresloucada que me transformava, que me dava a sensação de estar a cavalgar num pónei bravo que a qualquer momento me podia atirar para fora da sela. Bons tempos…

Cortamos para a Gamescom 2015, onde estou a experimentar Sébastien Loeb Rally Evo. É um jogo sem dúvida bonito. Belos gráficos. O developer que o estava a demonstrar e o PR da Milestone SLR diziam-me que tinham largado a série WRC FIA World Rally Championship (o último saiu em 2013) para fazer este jogo e quão entusiasmados estavam com o facto de poder trabalhar com a lenda viva que é o Sebastien Loeb. Experimentei-o e devo dizer que ele não me deixou com grande impressão. Os carros pareciam comportar-se como deviam nos diferentes pisos e perante diferentes condições climatéricas, mas a sensação com que saí daquela marcação foi “meh”. O meu pai era mecânico de rally e desde pequeno que me levava com as equipas onde trabalhava. Andei em carros do género (no banco do passageiro, obviamente) desde novo, por isso a sensação que tenho quando jogo jogos do género pode resumir-se a “meh”. Não estou a falar mal do jogo nem do seu developer ou do seu género, mas esta foi a minha conclusão de toda essa experiência – sinto-me desencantado e dessensibilizado com jogos de condução porque sinto que lhes falta aquela adrenalina, a sensação de velocidade, o tremer do carro devido ao rosnar do motor e o deslizar da viatura dependendo do piso em que se conduz. É suposto o nosso corpo sentir isso tudo, mas tal não acontece num jogo.

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Cortamos novamente, mas para a actualidade, durante a Lisboa Games Week 2015, onde me sentei para experimentar o WRC 5 (agora desenvolvido pela Kylotonn Games). A sensação com que saí desta experiência foi ligeiramente diferente. Não foi por estar a jogar a outro jogo de maneira alguma – a maior parte destes jogos hoje em dia parecem-me genéricos e similares. Lamentavelmente, já não sei distinguir um jogo da série WRC de Dirt (que teve origem na série Colin McRae) e que me dizem ter maior sucesso. É culpa minha, certamente, porque acredito que este género ainda vende e têm um público considerável – se bem que estou disposto a apostar que a sua maioria são menores sem carta. Para jogar sentei-me num dos bancos desportivos que foi colocado pela GT Competizione no Pavilhão 4 da FIL em frente ao restante aparato constituido por 3 monitores, um conjunto de pedais e um volante munido de um paddle shifter – que infelizmente não cheguei a usar porque o jogo estava configurado para mudanças automáticas. Começo no troço pré-seleccionado de Ponte de Lima. Não sei se era a reprodução fidedigna de algum troço do Rally de Portugal, mas foi aqui que consegui esboçar o que talvez poderia ser um sorriso. Assim que arranco no Citröen DS3 que seleccionei (talvez numa tentativa para simular o meu tempo com o velhinho AX GT) percebo que os 3 monitores que me enjaulam a visão funcionam – no monitor do centro é onde está o conteúdo e a informação cruciais para a condução, mas os laterais que apanham a minha visão periférica fazem uma notável diferença, impedindo que me distraia com a quantidade de pessoas que está a andar à minha volta pelo pavilhão e ajudando à minha imersão na corrida que tenho em mãos.

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Começo devagar, a tentar perceber o quão sensíveis são o volante e os pedais e como é que o carro reage ao piso. Ao mais ligeiro toque no acelerador o carro já está a querer meter a 5a. O volante treme e oferece resistência com a força cinética virtual da velocidade e do atrito do terreno. Contra-brecar é difícil nas curvas, mas a meio do percurso já deslizo agressivamente pela gravilha armado em Bruno Magalhães durante uma super especial. Fiz um tempo horrível, com o carro a chegar  descontroladamente ao fim do curso e a derrubar uma das tabuletas amarelas que sinalizam a entrada na área de controlo (alguém pediu uma penalização de tempo?). O que eu pensei imediatamente a seguir a esse momento foi “Isto ainda não bate a coisa a sério, mas já esteve mais longe.”

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Não, não estou interessado em voltar a jogar.

Talvez só por nostalgia.