Há algo nos simuladores que nos cativa de uma forma que nem conseguimos explicar. Não são particularmente bonitos, não têm mecânicas interessantes, não têm profundidade emocional nem narrativa, mas conseguem manter-nos agarrados durante horas a fio. Acredito que o que faz jogos aparentemente tão aborrecidos quanto simuladores de escavadoras ou de camiões de transporte de lixo tóxico serem tão apelativos para nós, é a curiosidade que temos pelo desconhecido mundano. Não falo dos grandes mistérios que nos transcendem ou a vontade subliminar de vivermos situações de risco ou de testarmos os nossos próprios limites. Falo do quão estranhamente cativante nos parece toda a estrutura invisível que funciona nas cidades e que as mantém em funcionamento, e que nos parecem uma realidade completamente estrangeira. É talvez esse o apelo que transformou CITYCONOMY: Service for your City num verdadeiro sifão de tempo para mim.

download

Para os mais desatentos há a necessidade de explicar que o mercado dos simuladores é gigantesco. E é gigantesco mesmo estando a quase totalidade dos muitos títulos lançados semanalmente fora de plataformas como o Steam. Regra geral, os simuladores são jogos com um preço (relativamente) alto mas que geram bastante lucro, não só pelos seus baixos valores de produção como pelo aceitável número de vendas que geram. É claro que são jogos para nichos, e que os media não dão a atenção a 1/50 dos jogos que saem. Da nossa parte apenas os simuladores com premissas mais interessantes acabam por captar a nossa atenção. Foi o caso de CITYCONOMY que se apresenta como um cruzamento de géneros, entre o simulador e a gestão empresarial/autárquica.

maxresdefault

Começamos como um condutor de camião de recolha de lixo para aprender as mecânicas básicas do jogo. Seguimos caminho, lentamente, ao volante de um camião do lixo, parando ocasionalmente nos locais assinalados para recolher os contentores, enquanto que o mínimo dano causado a outras viaturas ou à nossa traz consigo uma multa automática. Atrás de nós vão-se formando filas imensas de carros que esperam que desocupemos a via. E de repente começamos a perceber a vida dos muitos almeidas* que percorrem as ruas de Lisboa à noite e nos impedem a passagem nas ruas mais estreitas, e que nos deixam a “bufar pelas ventas”.

Vamos percorrendo as ruas do mundo aberto que constituem CITYCONOMY para aceitar, cumprir e entregar quests e side quests que vão permitindo a nossa progressão, e com ela a avaliação dos nossos concidadãos. E à medida que vamos progredindo, vamos sendo promovidos e mudando de “ramo”, sempre ligados a serviços de manutenção da cidade. Seja na recolha do lixo, na jardinagem, no desentupimento de esgotos, entre outros, há uma série de serviços e profissões que vamos conhecendo e desempenhando e que nos mostram um pouco desta realidade anónima que acontece nas nossas cidades, na maioria das vezes enquanto dormimos. E que nos mostra também a realidade de tanta gente de valor com tarefas tão sub-apreciadas e desvalorizadas, e cuja existência só percebemos quando os serviços falham ou quando ocorrem greves.

Recolha-de-lixo-Lisboa1

Após uma série de progressões na carreira chegamos ao ponto em que somos nós mesmos a gerir os serviços da cidade: a comprar e gerir a frota, a contratar funcionários para desempenharem algumas das funções e a gerir o lucro da companhia, o funcionamento da cidade e a satisfação dos seus habitantes.

Visualmente o jogo é tão impressionante como a grande maioria dos seus congéneres, o que significa que não tem assim tanta qualidade. Mas quando o estamos a jogar (assim como acontece com os demais simuladores) o tempo parece voar porta-fora, enquanto relaxamos a desempenhar tarefas simples pelas ruas de uma cidade virtual.

Citiconomy

CITYCONOMY é também um jogo cooperativo e os recentes patches mostram a atenção que a astragon Entretainment dá aos seus jogadores. Uma queixa comum para a maioria dos jogadores era o facto de que em multiplayer não podíamos colaborar na mesma tarefa, ou seja, nós e o nosso companheiro estaríamos a coabitar a mesma cidade mas a desempenhar tarefas distintas. Desde o último patch que nos é permitido, por exemplo, um conduzir o camião do lixo e o outro ir agarrado à traseira para que a recolha de lixo seja feita de forma mais célere e eficaz. Afinal, trata-se de um simulador, e é assim que as coisas funcionam não é verdade?

* Talvez um termo já caído em desuso, mas desde pequeno que a minha família (todos lisboetas há duzentos anos) utilizam o substantivo “almeida” para definir um cantoneiro lisboeta. A memória ficou-me.