Sega-Dreamcast

A Dreamcast foi um sistema com um tempo de vida bastante curto: Lançada em 1998 no Japão e em 1999 no resto do mundo, chamou para si cada e toda a experiência arcade, devido aos limites de capacidade do formato de disco que lia (CD-ROM) e à grande necessidade de acumular um bom catálogo em pouco tempo, encurtando assim os tempos de produção dos jogos que a têm como destino. Em Março de 2001 o sistema havia sido descontinuado e a Playstation 2 atormentava o mercado com a sua capacidade de ler DVD (altura em que tinham sido lançados para o mercado e os leitores eram bastante caros) e retrocompatibilidade com o sistema que mais vendeu na geração anterior. Tomando estas e outras coisas em consideração, foi uma excelente altura para se gostar de jogos de vídeo.

Também em Março de 2011, Testsuya Mizuguchi encontrava-se a trabalhar no seu próximo título, REZ. Com títulos como Space Channel 5 e Sega Rally no repertório, Mizuguchi via-se agora pronto a criar sobre aquilo que mais gosta: tecnologia e música electrónica. Tudo isto enquanto é coerente com as motivações criativas da consola da empresa que o abriga, a Dreamcast. Mas como o seu tempo de vida não foi suficiente para ver um lançamento exclusivo,  o jogo acabou por ter sido lançado simultaneamente na Playstation 2, em Novembro de 2011. Por muito amor que tenho à minha Dreamcast, a versão da Playstation 2 é a que possuo e digo de consciência tranquila que esta consola era, das duas, a mais preparada para receber um jogo deste calibre.

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Mizuguchi criou REZ com o intuito de gerar alguma forma de sinetesia e isso é explicado em qualquer texto relacionado com o jogo: No manual, no verso da caixa e em quase qualquer website que fale do jogo. Sinestesia é o fenómeno neurológico de um ser acolher experiências sensoriais involuntárias de um tipo geradas por estimulação sensorial de outro(s) tipo(s). A forma mais fácil de explicar que alguma vez encontrei é delimitando regiões de significado para as palavras ilusão, alucinação e sinestesia, de acordo com o paper: The Table. Shared Pleasures, Mixed Senses. Sensory Capture and Short Circuits de Max Lake publicado no livro disponível para visualização aqui. Todo o paper é interessante e convido à leitura.

Sem querer menosprezar o trabalho de Mizuguchi em REZ, confesso que é complicado dizer que presenciei sinestesia, mas certamente me senti embriagado com os litros de som emitidos para os meus ouvidos e quilos de vibração proporcionados pelo Dualshock 2, deixando-me mais vulnerável sentimentalmente a informação que o nosso cérebro foi ensinado a perceber, como as palavras e frases. E julgo que não conheço outro jogo que exija uma vibração tão acentuada do controlador como este, tomando em consideração a quantidade de tempo a que as nossas mãos ficam submetidas à mesma. A vibração cresce gradualmente de forma a que não seja a vibração que gera surpresa mas sim esse crescendo de intensidade. Na realidade, é na vibração que me baseio para concluir que o jogo não teria o mesmo impacto com o Puro Puro Pack ( ou vibration pack na Europa) da Dreamcast. Além do mais, uma edição limitada de REZ apenas disponível no Japão (o complete pack) inclui uma caixa vibratória USB (munida de um tamanho considerável de cabo) com o dobro da potência vibratória do Dualshock 2. Uma hora a pesquisar sobre como utilizar o aparelho foi bastante inconclusiva, apenas esta piada encontrei.

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Saindo do embrulho histórico e detalhes barrocos, REZ é um single rail shooter com música adaptativa, um estilo artístico minimalista bem ressacado dos anos noventa (que também se fez sentir na tecnologia utilizada para o conceber) e, no que toca à história, pouco perseverante quanto às perspectivas futuras da humanidade. É também um jogo com somente cinco áreas, onde cada área pode levar de dez a trinta minutos a completar. REZ NÃO É um jogo de ritmo, NEM É nenhum audio-surf. A música em REZ é um meio de a jogabilidade se dispersar e não o meio que gera a jogabilidade. REZ surgiu com o propósito e visão do criador bem clara, independentemente da legitimidade existencial desses motivos. Antes de falar sobre o jogo vou dizer para fazerem um pequeno zapping de dez/quinze segundos pelo seguinte vídeo para me certificar que estamos na mesma página:

De um ponto de vista de game design, REZ é bastante primitivo. As cores e as formas escolhidas para os power-ups não são suficientemente distintas da grande parte dos inimigos, e poucas são as situações em que somos colocados realmente em perigo. Na melhor das hipóteses podemos ser atingidos seis vezes antes de sermos enviados para o menu principal, e se vos disser que em toda a minha vida só morri três ou quatro vezes neste jogo, tomando em consideração o tamanho de cada área, não deverão ter problemas em acreditar em mim. E este facto faz com que disparar contra inimigos apenas tenha a mesma utilidade que qualquer outra tarefa que nos mantenha ocupados e em que a noção de profundidade seja relevante. A partir do momento em que isto é constatado, toda a necessidade do tiro neles é posta em causa. Mas eu subscrevo inteiramente esta mecânica, apenas gostaria de perceber melhor o porquê de cada morte em REZ se mostrar tão insignificante. Talvez, se fosse mais significante, se levantassem questões de quebra de flow e role-play do jogador. Sim, REZ tem o cuidado de enviar coisas para o centro do ecrã quando lhes quer dar importância e atirar para um canto do ecrã as que quer que passe despercebidas, mas quanto a bom game design e a fazer passar a mensagem correcta sem frases e texto, o jogo não o sabe fazer naturalmente.

O jogo decorre na internet. Devido ao crescimento exponencial da população na internet foi criado um centro de inteligência artificial para gerir o bom funcionamento da mesma, mas porque esta inteligência artificial (a que chamamos Eden) recebeu, um dia, um fluxo demasiado pesado de informação, fez com que começasse a questionar a sua própria existência e por isso entra em colapso. Jogamos no papel de um hacker que tenta evitar esta auto-destruição, enquanto batalha contra processos e firewalls. Mizuguchi a ser coerente com o que mais gosta, motivado pela, já esclarecida acima, vontade de proporcionar sinestesia ao jogador.

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Eden a ser restaurada na parte direita do ecrã.

Como já disse, sinto que REZ não me proporcionou sinestesia. Os níveis e a história tiveram um impacto em mim que nunca julguei ter de um jogo arcade. A motivação do criador deixa-me a sorrir ligeiramente de gozo <joke>, principalmente quando essa se manifesta disponibilizando vibradores USB ao mercado <\joke>, mas à custa dessa motivação <abstract nonsense> julgo que conseguiu quase fazer sentir algo racional, algo extra-sensorial a partir de uma estimulação prolongada dos meus sentidos <\abstract nonsense>.

Não há magias nem fantasias. Tudo isso é irreal. Porém, o que não foi irreal foi o sentimento de que algo diferente se tinha passado, quando terminei REZ. Da mesma forma que o senti quando joguei tantos outros jogos, mas aqui é especial. É talvez, cronologicamente, o jogo mais antigo que me conseguiu comover desta forma estranha e disforme, que ainda não aprendi a comunicar, mas considerem-se avisados:  é necessário algum isolamento, jogar enquanto os nossos amigos barulhentos nos vieram visitar não é uma boa opção. É daqueles que é sentar numa sala escura e ecrã ligado, um bom par de headphones nos ouvidos com o volume alto, o comando na mão. Nada mais importa. E aí, escapamos.

Talvez por isso REZ∞ seja a única coisa que estou seriamente interessado em jogar com o Playstation VR.