Antes de começarmos a falar de filmes de série B tenho de avisar que fui criado pelo meu avô, um fã inveterado de ficção especulativa, e que obviamente me habituou a ver filmes e séries clássicos. Imagem a preto-e-branco, efeitos (muito pouco) especiais, naves espaciais que não eram mais do que painéis com luzinhas, mas tudo parte do charme que sempre alimentei, e que culminou na minha tremenda paixão por Doctor Who. O que inclui as primeiras séries, com um tremendo overacting, e uns arqui-inimigos que parecem aspiradores Hoover com desentupidores e batedeiras inseridas.

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Com isto não quero dizer que Star Trek, cuja primeira geração o meu avô me ensinou a amar tanto como Space: 1999 sejam série B, que não o são, de todo. Mas fazem parte de um culto de efeitos especiais práticos, plausíveis, que são facilmente detectáveis ao nosso olhar contemporâneo, mas que significaram um passo tremendo na evolução visual do cinema e da televisão.

Os filmes de série B foram (e são) produções de baixo orçamento que tiveram a sua época áurea nos anos 1950 e 1960, em que os filmes de monstros e/ou de ficção-científica conquistavam a mente de largas quantidades de espectadores. Uma era quase sem limites em que o público se maravilhava com os efeitos especiais, muitos deles vindo da obra de Ray Harryhausen, o vencedor do Prémio Gordon E. Sawyer da Academia. É neste período que nascem alguns filmes que permanecem obras “de sucesso” até hoje, seja o Creature of the Black Lagoon (um filme a pertencer à “chancela” dos Monstros da Universal), It came for beneath the sea e o Invasion of the Body Snatchers.

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The Deadly Tower of Monsters é um jogo que homenageia em forma de paródia com todo esse género, e toda essa ambiência que muitos de nós ainda hoje gostamos. Um action RPG isométrico, com algumas mecânicas de twin stick shooter nas armas, mas que poderia ser apenas mais um jogo do género não tivesse uma gigantesca dos de gimmicks visuais e sonoros para o distinguir dos restantes.

O conceito deste The Deadly Tower of Monsters é que todo o jogo é um filme deste período áureo dos filmes de série B, em que somos um intrépido herói Dick Starspeed num ambiente hostil, quase desconexo, que varia entre combater macacos (ao bom estilo do Planet of the Apes) até pterodactylus (relembrando One Million Years B.C. e a Rachel Welch). O jogo dispõe também de uma protagonista, Scarlet Nova, a filha do imperador (onde é que já vimos isto?) e com o qual podemos alternar para passarmos os níveis, visto que ambos os personagens têm habilidades diferentes.

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O jogo possui dois filtros visuais disponíveis para cimentar o conceito de que se trata de um filme que estamos a ver em casa: DVD e VHS. É claro que o jogo deverá quase obrigatoriamente ser visto com filtro VHS, onde um certo embaçamento típico do meio e da imagem de CRT ajudam a compor a ideia. Isso e a possibilidade que temos em fazer fast-forward literal a quase todas as cenas em vídeo, e no qual as saudosas linhas verticais da banda magnética dos VHS, assim como o som das cabeças de leitura estão presentes. Acho que este jogo me deu demasiadas saudades do meu velhinho e defunto vídeo que me acompanhou em quase toda a minha infância, até que o desgaste nas cabeças de leitura o condenaram a ir para o lixo.

The Deadly Tower of Monsters é divertido mas um pouco curto demais, especialmente para o seu preço de lançamento que está a rondar os 15€ no Steam. Com pouco mais de três ou quatro horas damos a volta a um jogo que numa noite de diversão é rapidamente consumido. E por todas as suas características não é um jogo que apele à rejogabilidade.

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A crème de la crème de todo o jogo é mesmo a faixa de comentário audio do realizador do filme, semelhante ao narrador de Bastion, e que nos acompanha durante todo o jogo. Aliás, é pacífico dizer que este jogo do estúdio ACE Team (que regressa agora depois de Zeno Clash 2 the Abyss Odyssey) parece o filho ilegítimo entre o premiado Bastion e uma série de monstros de série B. O que é, sem dúvida, um grande elogio a fazer-lhe.

Mas voltando à narração, que é o ponto-alto deste jogo. Tentei inclusivamente jogar durante alguns minutos sem som para perceber se a minha percepção do jogo se alteraria, e a realidade é que jogar com e sem narração é uma experiência completamente distinta. Sem a voz do realizador The Deadly Tower of Monsters é um bom action RPG em que exploramos uma torre desde a sua base até ao topo para defrontar o grande vilão, que é o Fu Manchu aqui da história. Com a narração The Deadly Tower of Monsters é humor puro, genial, delicioso. É curioso que damos por nós a rir, ainda que a nossa concentração esteja dedicada ao combate, e de repente o nosso subconsciente detecta uma piada qualquer do realizador que está todo o jogo a falar ininterruptamente. E quando dizemos todo o jogo, inclui o menu inicial, e até os momentos em que largamos o comando e o personagem fica imóvel durante alguns segundos: e aí o realizador começa a falar da ideia de transformar um filme de sci-fi em algo mais contemplativo, em que filmou o actor principal imóvel durante minutos a olhar para o horizonte. Ou como é que justifica a presença de alguns monstros com o facto de que se esgueiraram à noite para outro estúdio sem autorização para aproveitar os diferentes cenários. E quando morremos que avisa o estagiário que colocou a bobine errada no filme, e que os personagens não morriam naquela cena.

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O melhor: o setting, a jogabilidade, o level design e a narração do realizador.

O pior: demasiado curto e quase sem valor de rejogabilidade.

Cada minuto de jogo, cada passo que damos em The Deadly Tower of Monsters é abrilhantado pela narração do seu realizador que na sua voz tão semelhante á do Nathan Fillion elogia os seus momentos de genialidade e explica/justifica algumas das decisões que vão acontecendo ao longo do jogo (filme). E é aqui que reside o valor desta homenagem/paródia que bebe muito do que Tim Burton fez com Mars Attacks!, transportando-o para um jogo, e que se consegue distinguir de muitos outros jogos indie por esta tremenda carga de humor. Que só nos deixa com pena por terminar relativamente cedo.

The Deadly Tower of Monsters está disponível para PC e PS4. Analisada a versão de PS4, disponibilizada pela editora.