Isto não é uma mensagem eco-pedagógica, ou um sacudir de responsabilidades, já que assumo a minha quota parte no mea culpa global de estarmos colectivamente a destruir o nosso planeta e os seus recursos a um ritmo devastador. É um dado quase adquirido que a agressão ecológica que estamos a desenvolver conduzirá a alterações ao planeta. O aquecimento global e a subida do nível da água são apenas algumas das consequências.

Foi sob este pretexto que o estúdio YCJY desenvolveu The Aquatic Adventure of the Last Human. Com a subida das águas, a Humanidade viu-se obrigada a construir cidades debaixo de água, onde ainda era possível cultivar alimentos e obter energia, mas perto do final do Séc. XXX, com uma crise global de recursos, a nossa única hipótese foi enviar diversas naves à procura de planetas habitáveis. A nossa nave Argo9 regressa milhares de anos depois à Terra apenas para descobrir a Humanidade já extinta. Resta-nos perceber o porquê.

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É ao estilo da Odisseia de Homero que regressamos ao nosso planeta, como o último humano vivo. Argo9, a nossa nave/submarino permite-nos o cenário marinho à procura de pistas que nos expliquem o que raio aconteceu à Terra nos milhares de anos que decorreram até ao nosso retorno. The Aquatic Adventure tem uma narrativa subjacente, qual Ulisses a descobrir o destino da sua amada Ithaca. Pelas profundezas vamos encontrando vestígios da Humanidade em forma de holo-tapes e que nos vão sequencialmente criando uma voz que nos conta o trágico destino que nos conduziu a sermos o último humano vivo.

Mecanicamente The Aquatic Adventure of the Last Human é um cruzamento eficaz entre dois jogos aparentemente distintos: os metroidvanias clássicos e a exploração de Shadow of the Colossus onde o confronto é limitado aos bosses. O mundo subaquático deste jogo está todo (aparentemente) aberto, com as limitações típicas de um metroidvania: até descobrirmos o upgrade que nos permite, por exemplo, iluminar caves escuras, não conseguimos avançar por essa porção do mapa.

DeepOceans

À semelhança com Shadow of the Colossus, em TAAoftLH os confrontos que temos são apenas com um dos 10 bosses que constituem o jogo, e todo o espaço e tempo entre cada confronto é feito em exploração livre pelo fundo oceânico. Os combates com as monstruosas criatura que habitam o fundo do mar são de uma dificuldade. Morrer algumas dezenas de vezes em cada confronto é perfeitamente normal. O jogo é altamente punitivo com os nossos erros (ao estilo Dark Souls) e ainda que aprendamos os padrões de ataque e movimentação destes titãs dos mares, temos de ser extremamente cautelosos, não fosse a fragilidade/vulnerabilidade do nosso submarino ser tão notória perante monstros que ocupam, literalmente, o ecrã inteiro.

TheWorm

A atmosfera deste The Aquatic Adventure of the Last Human é soberba. Todos os detalhes que constituem os muitos cenários submersos em pixel art são desenvolvidos com um gigantesco resultado artístico e que se intercala na perfeição com a Banda-Sonora. E que Banda-Sonora diria, de uma profundidade emocional que traça da melhor forma a melancolia que habita este jogo. The Aquatic Adventure of the Last Human não tem uma mensagem de esperança, e o facto de estarmos sozinhos e sermos os últimos da nossa espécie anuncia logo o nosso fado.

Desafiante, visual e musicalmente soberbo, The Aquatic Adventure of the Last Human é um metroidvania atípico que nos submerge no seu ambiente e na sua história, extremamente polarizado, como dizem os seus autores, com dois momentos vincados em todo o jogo. Por um lado o ambiente de solidão exploratória, em que navegamos os muitos cenários detalhados em pixel art, e por outro a mudança de tom quando temos de defrontar umd os gigantes marinhos. Uma das melhores surpresas deste início de ano, a trazer os metroidvanias a uma abordagem inédita, consubstanciada com uma excelente execução e narrativa.