É bom ser surpreendido. Confesso que vou procurando estar atento a tudo o que se faça por terras Lusas e que um dos meus objectivos é a divulgação do que se faz em Portugal na área dos videojogos. Faço-o por muitas razões e por nenhuma razão em particular, sem alianças, sem embelezamentos forjados e sem dourar a pílula. Se o jogo for mau, ter alguém a dizer que ele é bom não vai ter bons resultados para ninguém. Se alguém vier a comprar um mau jogo motivado por uma crítica que o retrate como sendo bom, irá sentir-se enganado. Irá sentir-se enganado por quem critica, colocando em causa o gosto ou a idoneidade do autor da crítica, irá sentir-se, depois, revoltado, por se ter deixado enrolar e por ter gasto dinheiro numa coisa que em nada cumpre com aquilo que ele esperava, e aí descarrega-se também em quem fez o jogo. Descredibiliza-se o jogo, o mercado e cria-se um tipo de clientes que não interessa criar.

Por isso, tento ser justo. Procuro criticar como se estivesse a fazer o que muitas vezes faço, com um ou outro amigo ao lado, mostrando um jogo. Mostro as coisas fixes. Digo aquilo que podia ser melhor. Regra geral, deixo as conclusões para eles. Muito raramente, quando um ou outro jogo me entusiasma mesmo, salto essa barreira e digo “compra! não podes perder isto!”. Mas é raro.

Sou da opinião que os Game Devs portugueses deviam mostrar-se um bocadinho mais. Está o jogo feito? Mandem-no para páginas que escrevam e vozes que se façam ouvir. Ia fazer um apelo a isso, com um vídeo aqui no Rubber Chicken, mas entretanto optei por deixar a ideia amadurecer. Mas é estranho sermos mais procurados por indie Game Devs estrangeiros do que portugueses.

Em todo caso, gostei da atitude de Ivo Duarte. Sem medos, sem rodeios, sem receios, o criador de The Inner Sea fez-nos chegar uma cópia do seu jogo, recém saído do Steam Greenlight. Fê-lo sabendo – e anunciando – que o seu jogo está ainda em early-access. E, se calhar, até o fez depois de dar uma vista de olhos às minhas mais recentes críticas neste vosso galinheiro de onde, entretanto, surgiu a expressão “A Hora do Meh!”, devido aos jogos “meh” que entretanto me foram passando pelas mãos e com os quais não fui particularmente brando. Pois bem, Ivo Duarte chegou-se à frente. Seja por estar confiante no produto que apresenta ou seja porque de facto lhe interessa que o seu jogo seja alvo de uma crítica real, certo é que em poucos minutos nos disponibilizou uma chave. E isso quer dizer alguma coisa.

A verdade é que The Inner Sea impressiona à primeira vista. Compostinho, arranjadinho, bonitinho. Está feito com gosto. Com bom gosto! Bonito. Com umas boas pinceladas de originalidade perceptíveis logo no trailer do jogo. Feito de raiz e centrando o desenvolvimento (e, pelos vistos, a divulgação) numa pessoa, teve algumas colaborações pontuais que emprestaram brilho à arte  e ao interface ou que implementaram a portabilidade para outros sistemas operativos. Não é uma one-man-band. Mas o grosso do desenvolvimento está nas mãos de uma pessoa apenas e eu gosto disso. Gosto do empreendedorismo, do cerrar de dentes, do peito feito. E, raios e coriscos (aqui numa clara alusão ao linguajar dos piratas que até agora tinha sido evitado), gosto do jogo.

Está tudo em cima da mesa…

A acção deste RPG com laivos de simulador de barcos e de estratégia desenrola-se num mapa gerado aleatoriamente. Vou sublinhar aqui o “mapa” porque é literal. E o “desenrola-se” também. Há um rolo de pergaminho desenrolado sobre uma mesa de madeira, com uma carta náutica e é nela que jogamos. Com ilustrações que aludem à época dos descobrimentos em que se julgava estarem os mares pejados de monstros marinhos. O mar interior está salpicado de alguns recurso como peixe ou morsas e pontilhado por ilhas, aqui e ali. Umas estão desertas, outras têm cidades onde podemos aportar, dando-nos acesso a várias opções que vão desde a reparação e melhoria dos nossos barcos à aquisição de novas tarefas ou contratação de marinheiros, passando por dicas que nos possam auxiliar a decidir que passo tomar.

A navegação é controlada com o rato, traçando a rota que a embarcação seguirá escrupulosamente. É original e funcional, embora fosse escusado o tempo que o barco fica parado até acabarmos de traçar o próximo percurso. Mas confere ao jogador um envolvimento extra que um simples clique que fosse seguido em linha recta não conseguiria implementar. Faz falta aqui – por se tentar intuitivamente e não se conseguir – uma forma de rodar a câmara ou o mapa… Pode ser um desenvolvimento em falta, pode ser uma decisão, mas estranhei que não esteja disponível.

O caminho mais curto entre doiS pontoS é o S.

As batalhas navais são um dos pontos altos do jogo, embora sejam bastante simples no seu conceito. O objectivo é ter um dos flancos do barco virado para o barco inimigo quando o disparo dos canhões estiver para ser efectuado, esquivando-se, sempre que possível, das zonas de disparo inimigas. Se isto vos parece fácil, desenganem-se. Principalmente no início do jogo, temos um barco de dimensões razoáveis mas incapaz de enfrentar um barco de maiores dimensões. O facto de este ser mais lento e menos ágil poderia ser uma vantagem para nós, mas o poder de fogo que geralmente possui é suficiente para nos por fora de combate com apenas uma salva de canhões. Isto não quer dizer que nos afunde logo, mas o dano às nossas velas prejudica a capacidade de manobra. E, se com o barco a 100% fomos incapazes de esquivar a artilharia inimiga, com um barco danificado rapidamente visitamos os peixes. No extremo oposto, temos embarcações mais pequenas. Têm um poder de fogo menor, naturalmente, mas são também bastante mais ágeis que o nosso barco, pelo que nem sempre conseguimos acertar-lhes quando queremos ou evitar os seus ataques. Está bom. É desafiante. Exige algum treino e perícia, embora a balança por vezes penda um pouco em demasia para a dificuldade extrema.

Ménage à Trois

Com um barco imobilizado, podemos afundá-lo ou, se a nossa evolução RPG-like nos permitir, capturá-lo. A nossa frota pode ser composta por vários barcos, o que é sempre uma mais-valia, quer se trate de combate, quer de espaço de armazenamento para comércio pacífico. Mas atingir um nível que nos permita granjear vários barcos e uma riqueza considerável não é fácil.

Podemos ganhar dinheiro e experiência com as missões que as diversas cidades nos oferecem, sendo que estas parecem reduzidas a três tipos: escolta, ataque ou entrega de um documento numa outra cidade. É natural que haja ainda muitas arestas por limar, mas as missões de escolta em que me embrenhei alongaram-se em demasia, com o barco escoltado a deambular aparentemente sem rumo durante alguns minutos (faz falta uma funcionalidade para acelerar o tempo até surgir algo digno de relevo ou, em alternativa, acelerar a ocorrência destes) sendo pontualmente interrompido por combates. Ora como a missão se alarga e como os combates se vão sucedendo, ditou o destino que sempre que levei a cabo uma destas missões acabei a fazer de comida para sardinha, sem que isso signifique de forma definitiva que o nosso jogo chegou ao fim. As missões de ataque são uma forma mais rápida de ganhar algum dinheiro e experiência, mas convém medir bem o inimigo antes de o atacar porque uma canhonada na cana do nariz tem o efeito secundário de arruinar a nossa vontade de caçar barcos e rapidamente terminamos da mesma forma: comida de sardinha, que é como quem diz reduzido a um barco salva-vidas em busca de novas oportunidades.

Eu disse que era bonito, não disse?

Há coisas por desenvolver e explorar convenientemente, como a ilha das caveiras, os fortes, os monstros marinhos ou a capacidade de construirmos diversos itens através de Blueprints que vamos encontrando, o que deixa antever que há ainda muita coisa na calha para desenvolvimento. E isso é bom!

É botar um rádio com bluetooth também, faxabore!

E se o que interessa não é o destino, mas sim a viagem, The Inner Sea fornece-nos uma viagem interessante, com um ambiente peculiar, mas agradável, com música adequada e com um cheirinho que me fez lembrar Micro Machines de forma nostálgica, ao ver os barcos em cima daquela mesa.
Há ainda um longo caminho a percorrer neste The Inner Sea. Há alguns bugs a corrigir, muitas funcionalidades a implementar e a serem revistas, inúmeros conteúdos que possam vir a enriquecer e equilibrar bem mais a nossa experiência ao leme de um barco. Mas a forma honesta como o jogo se apresenta em early-access, pedindo os comentários e a colaboração dos jogadores, oferecendo em troca um preço inferior aos que aderirem já ao processo de maturação do jogo, aliada à frequência bastante aceitável com que novas alterações e correcções são lançadas no jogo nesta fase agrada-nos bastante. The Inner Sea tem algumas escarpas afiadas que, nesta fase, limitam o seu usufruto por um período alargado de tempo. Mas, bebendo da fonte de inspiração de Sid Meyer’s Pirates, tem tudo no sítio certo para dar o salto e se tornar um dos jogos de referência do género. É, sem dúvida, um jogo que merece, pelo menos, ser seguido atentamente!