O ano ainda está longe de chegar ao fim, mas o mais recente jogo da DrinkBox Studios está já a rivalizar com alguns jogos que joguei neste primeiros cinco meses pelo lugar cimeiro da minha preferência. Severed poderá ser o canto-do-cisne globalizado da Vita para além dos muitos jogos nipónicos que vão saindo, e é na realidade uma óptima forma de fechar a porta, apagar as luzes e dizer adeus à mal-amada portátil da Sony.

Severed (2)

Quando recebemos o convite da DrinkBox Games para conhecer o jogo na Gamescom ficámos automaticamente entusiasmados. Jogámos Mutant Blobs Attack, mas foi o maravilhoso Guacamelee que nos conquistou, arrebatou e nos fez seguir atentamente o trabalho deste estúdio canadiano. Por outro lado sabíamos que suceder ao brilhante metroidvania que era Guacamelee era um desafio enorme. Em que pé estaria este Severed, do qual tão pouco sabíamos?

Por problemas de agenda o Isaque acabou por ir à reunião e veio de lá maravilhado. O que me colocou duplamente de sobre-aviso: primeiro porque sempre me pareceu que ele só se impressionava com jogos conceptuais, bizarros, artísticos, e por outro porque sabia que o género em que Severed estava a ser desenvolvido não lhe era próximo. E se mesmo assim ele ficou entusiasmado então é porque algo de muito bom viria a caminho.

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Quase oito meses passaram desde essa antevisão de uma build provisória numa banca da área de Biz da Gamescom. Severed é finalmente lançado como um exclusivo para a PS Vita, demonstrando ao primeiro impacto que a direcção artística tão forte do estúdio continuava ali presente. A minha dúvida prendia-se com a adequação, ou não, da estética ao tom, facto que comprovadamente funcionou na aura humorística de Guacamelee. Mas este Severed não poderia estar mais distante desse ambiente, tratando-se afinal de uma narrativa complexa, densa, mórbida e trágica.

Neste first person dungeon crawler encarnamos o papel de Sasha, uma mulher que viu a sua família chacinada, a sua casa destruída e um dos seus braços decepados. Na primeira vez que nos olhamos ao espelho e percebemos esta dura realidade somos confrontados por uma figura demoníaca que nos promete vingança, se seguirmos o caminho que nos indica. E assim, o fazemos.

Severed (1)

À medida que vamos explorando os labirínticos mapas de Severed percebemos que a tónica dos metroidvanias é também aqui maravilhosamente aplicada, afastando o jogo de uma abordagem RPG que já muito foi repetida, especialmente em jogos vindos do Japão como Etrian Odyssey.

A estética depurada, quase cartoonizada de Severed encaixa perfeitamente na suspensão da descrença deste mundo ominoso que percorremos sozinhos. E unidos ao brilhante enredo que nos é apresentado de uma forma brilhante, é na apresentação mecânica que Severed realmente brilha. O jogo foi totalmente pensado para a ergonomia da PS Vita, para a forma como jogamos com a consola, e todos os ataques são disferidos através do ecrã táctil. E se á primeira vista esta solução nos remete para as abordagens do mercado mobile, isso não poderia estar mais errado. À medida que os combates com múltiplas criaturas vai começando, e que vamos tendo timings e precisam dos traços que disferimos no ecrã com os dedos cada vez mais precisas, sentimos a imensa dificuldade que Severed traz. E essa dificuldade é mais do que salutar.

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A solução encontrada pelos developers como moeda de pagamento por upgrades encaixa na perfeição com o tom do jogo. Ao enchermos uma barra durante o combate, é-nos permitido em 1-2 segundos dissecar e desmembrar os inimigos, numa acção quase reflexa que exige o mais apurado timing. São depois essas diversas do organismo dos monstros que usamos para melhorar e ganhar capacidades nas diversas armas/utensílios que vamos ganhando ao longo do jogo.

A abordagem metroidvania está aqui presente com a aparente abertura do mundo, quando na realidade não possuímos a priori tudo o que nos permite desbravar todo o mapa. Sempre que derrotamos um boss, temos a possibilidade de decepar uma parte do seu corpo, componente essa que Sasha utiliza como uma bizarra armadura e que lentamente vai disfarçando o seu desmembramento.

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O único senão deste Severed (e digo-o após ter apanhado praticamente todos os segredos do jogo e de o ter completado) é mesmo o desconforto ergonómico associado à PS Vita. O jogo exige quase sempre que seguremos na consola e controlemos o analógico com uma mão enquanto disferimos os golpes no ecrã táctil com a outra. O peso da PS Vita, não sendo demasiado, acaba por tornar sessões de duração média bastante cansativas e obriga-nos a algumas pausas frequentes para combatermos as dores.

O melhor: a aplicação das mecânicas, o aproveitamento das potencialidades da PS Vita, o enredo, a estética,

O pior: a ergonomia da PS Vita versus as mecânicas

Provavelmente Severed passará completamente sob o radar de grande parte dos críticos e de muitos dos prémios da indústria. Injustamente, diria eu, porque em todos os aspectos este regresso da DrinkBox Studios demonstra um dos mais sólidos videojogos deste ano, com mecânicas, enredo e estética brilhantes, que confirmam de uma vez por todas que o estúdio está longe de ser um one trick pony, e que em qualquer género ou tom que se aventurem acabarão sempre por produzir obras de arte de imenso valor.

Severed é um exclusivo PS Vita. Analisado sob código digital enviado pelo developer.