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Firewatch  desenvolvido pela Campo Santo, co-publicado pela Panic Inc..
Aprox. 3,4 minutos de leitura (250 wpm c/taxa de compreensão de 60%). Tempo recomendado a despender: 5 minutos (tempo do autor durante a revisão).

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Firewatch é talvez o jogo mais complicado que joguei em toda a minha vida. Não por ser espetacularmente difícil, qualquer algoritmo que desse input aleatório o acabaria em relativamente pouco tempo, mas porque é extremamente difícil explicar o que este jogo é e ao que é que ele se resume.

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A melhor forma de o descrever é que é um jogo com uma narrativa extremamente pesada, ao gosto de um bom livro. Não que seja pesado ao estilo de Saramago, mas sim por ser nela que reside o sumo da experiência. Firewatch está consciente de si próprio a todo o momento, de uma forma que até se esquece de nós. É um jogo em first person em que toda interactividade que tem é resumida a andar e escolher entre linhas de diálogo diferentes com a única pessoa que verdadeiramente interagimos no jogo inteiro, mas que nunca vemos, Delilah. Controlamos o protagonista do jogo, Henry, que perdeu a mulher Julia para a Doença de Alzheimer (e já não o reconhece), pessoa de que temos uma ideia vaga da sua aparência devido a pequenas linhas de texto e à foto que reside em cima da nossa secretária do nosso posto de observação da floresta, que vamos habitar durante três meses por termos ingressado nesse trabalho.

As paisagens são lindíssimas e o jogo tem uma homogeneidade visual excepcional, ainda assim, poucos são os locais que depois da nossa jornada ficam. A utilização da música é, sem margem para dúvidas, o ponto mais forte do jogo inteiro, já que é ela a responsável pela intensificação dos sentimentos correctos nas alturas correctas. Seja pelo Rhodes melancólico ou pela guitarra áspera e repetitiva muito ao gosto sul-americano, estão bem entregues. É bastante difícil de compará-la a qualquer outra coisa, mas acho que as paisagens e o estilo artístico do jogo suporta bastante bem a descrição que a banda sonora merecia mas não tem, enquanto escrevo este artigo de cabeça quente (cerca de vinte e quatro horas depois de o começar e menos de doze depois de o acabar).

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O sentimento com que fiquei depois de acabar Firewatch foi de que este tenta ser um livro, ou um filme. Em qualquer um dos casos estamos sem sorte, já que eu não gosto nem de filmes nem de livros, mas no final do jogo, o sentimento que fico é de que jogos e filmes (ou jogos e livros) são tipos de media bastante diferentes, tanto por ser complicado transmitir significado sem controlo nas acções tal como a linha no role play não estar uniformemente definida para todo o tipo de pessoas que joga. Enquanto num filme cada frame conta e é determinada por quem está a criar o filme, aqui, nós somos donos daquilo que nos permitirem ser donos, o que poderá levar a desleixo da parte do criador nesta parte da história. E sinto que foi isso que aconteceu.

Firewatch encontra-se tão preocupado em contar a sua história ao seu ritmo que poderia muito bem ser um filme. Mas como é preciso que esteja em primeira pessoa para ser consensual com o tema do jogo, não pode ser. É extremamente irritante quando nos dizem para ir a um sítio (algo perfeitamente natural num videojogo) e cortam para um ecrã negro com o número do dia onde a acção seguinte irá desenrolar. É extremamente desrespeitoso para com o jogador e eu senti-me bastante insultado. Quase tão insultado como quando descobri que a única forma de largar uma foto emoldurada minha com a Julia era atirá-la para o chão.

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É um jogo que, quando depois de terminado, vão fazer surgir em nós alguns porquês. E surpreendentemente, esses porquês não são uma parte relevante da história ou argumento, mas habitam no jogo quase como para estabelecer ligação temática com a narrativa. Não de forma óbvia, não de alguém que entende, mas de alguém que compreende. De alguém que compreende o que faz sentido. A questão fulcral aqui é que o jogo teria muito mais espaço para fazer ressonância se eu me sentisse na pele do Henry. Apesar de compreender as suas motivações, somos arrancados da pele dele vezes suficientes para sentirmos que os seus sentimentos são completamente insignificantes. Houve momentos no jogo que me apeteceu desligar o intercomunicador e simplesmente explorar a floresta sozinho, outros em que fui literalmente forçado a seguir um guião. E tudo isso acabou por ressacar da pior forma possível.

Firewatch foi, para mim, uma oportunidade desperdiçada por não ter criado meios para me aproximar do protagonista. No entanto, é uma história que fala de alguém que nos foi retirado devido a uma doença que também não pediu permissão para entrar. E quando comparamos o que critico neste jogo com o tema, de alguma forma faz sentido, deixando-me com dúvidas sobre se este sentimento amargo era exactamente aquilo que a Campo Santo queria transmitir.

Firewatch não é claro, parece um passo na direcção certa mas das duas uma: ou faz muitas coisas erradas ou é brilhante. E tudo isto depende do sítio onde a linha do intencional e acidental fica desenhada, sítio esse que não é claro.

ugh.