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Uma das inevitabilidades da vivência no galinheiro é ter mais cedo ou mais tarde que gramar com um jogo indie. Se essa perspetiva não é habitualmente um problema para os muy sofisticados redatores do Rubber, a minha posição de indie-céptico merece pelo menos um aviso ao leitor de que as linhas que se seguem foram escritas com objetividade mas pouca experiência… Contemporânea. É que este alegre novo mundo do scrolling de pixel massudo, raramente surpreende o jogador veterano habituado a soprar o cartucho para ter o jogo a funcionar.

A paixão pelo gaming rústico responde, parece-me, mais vezes a uma necessidade reaccionária emotiva do que uma objetiva vontade de inovação em relação ao mainstream. Daquelas saudades que fazem um cota valorizar a autenticidade dos tempos em que os putos estavam bem melhores por levarem chapadões na escola ou arriscarem um olho por brincarem com fisgas em vez de estarem em casa seguros, higiénicos e versados em “racionalismos”.

Seguindo essa mesma lógica, tudo aquilo que irei descrever de aparentemente negativo poderá ser interpretado pelo leitor aficionado como positivo. Uma espécie de interpretação Sado-maso do gameplay. Morri imensas vezes… Tão bom!

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Chronicles of Teddy é um jogo competente, pensado e que falha onde quer porque quer. A sua categorizarão contemporânea, “Metroidvania”, só peca por estar semanticamente ligada a um jogo diferente da sua inspiração real: Zelda II: The Adventures of Link. O que faz um conjunto de indivíduos dedicarem o seu tempo e esforço na reabilitação deste famigerado desapontamento banhado em ouro plástico é algo que escapa à minha compreensão de australopiteco pop. Felizmente, a homenagem supera em muito o homenageado.

O jogo conta a história de uma “Dorothy” dos tempos modernos que numa noite de tempestade é interrompida na sua sessão de Zelda II por um corte de eletricidade. Ao sair do quarto na companhia do seu urso de peluche, o tal Teddy, cai, tal como a Alice de Lewis Carroll, num portal para uma dimensão mágica fortemente inspirada no seu jogo preferido assim como em certos lugares comuns das produções 8 e 16 bits.

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A sua espada e escudo são heranças diretas do Link de Zelda II e correspondem-se tanto em estética como em gameplay. O alcance da arma é curto e exige paciência para gerir os poucos milímetros que separam o inimigo do nosso corpo. Se juntarmos o facto da projeção causada por danos ser mínima e o período de invencibilidade brevíssimo, qualquer abordagem desatenta pode tornar o mais insignificante adversário num poderoso destruidor de “HP”.

Não foram raras as vezes em que as malditas bolas de gelatina com o seu “pattern apático, conseguiram destruir mais de metade dos meus pontos de vida por estarem sistematicamente alinhados com a minha personagem, pacientemente imóveis, à espera do fim da minha invencibilidade para repetir um inevitável toque mortífero.

Teria sido mais fácil manter a calma, não fosse o jogo um “Metroidvania” com um gigantesco e labiríntico mundo aberto. Passar pelos mesmos cenários e reencontrar os mesmos adversários perpetuamente ressuscitados é nos longos momentos de desorientação, algo que só poderá resultar a longo prazo numa dolorosa úlcera garantidamente “gaming”.

Música para os teus ouvidos

Chamar a Música…

O grande trunfo deste Chronicles of Teddy reside nos seus enigmas musicais. Para comunicar com as personagens e resolver os enigmas do jogo, é necessário utilizar um léxico de palavras “musicadas” que vamos compilando à medida que vamos progredindo na aventura. Enquanto as notas que formam as sílabas do idioma são objetos espalhados pelo jogo, o vocabulário advém tanto da leitura dos sinais visuais no cenário como de segmentos musicais que desafiarão a nossa sensibilidade auditiva. Este último aspeto tanto poderá ser extremamente fácil para um “ouvido absoluto” como uma verdadeira tortura para quem partilhar o meu “ouvido zero absoluto”.

Embora o recurso ao dicionário de palavras e o acesso ao instrumento sejam muitas vezes inconvenientes, o conceito é, na sua generalidade, bastante conseguido e constitui um dos principais encantos do jogo.

No que se refere ao universo gráfico, Chronicles of Teddy sofre de uma direcção artística cliché colocada ao serviço de uma execução visual impecável. Dito de outra forma, a beleza do universo é reminiscente de inúmeras referências visuais ultrapassadas. O ponto alto da sua originalidade visual reside nas personagens do universo, cuja serenidade e dimensão, recordam a sensibilidade de uma produção do Fumito Ueda. As personagens dizem pouco e caberá ao jogador decidir se essa aposta representa um agradável mistério poético ou a incompetência literária de um conjunto de tipos obtusos que tiraram o curso de programação informática.

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Chronicles of Teddy é um excelente jogo de antigamente com tudo o que isso implica. É uma obra pensada para um determinado público e que cumpre os critérios da sua audiência. Se o gaming moderno não for do seu agrado e desespera por um novo Castlevania à altura, este Chronicles of Teddy: Harmony of Exidus poderá perfeitamente preencher a sua fome por dificuldades, gameplay e desprezo por narrativas preponderantes.