ATAQUE DOS CLONES #17

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Uma das características que definem um bom JRPG é sem dúvida a sua intemporalidade.

Ao colocar a tónica na história e numa mecânica de jogo baseada na execução direta da intenção em vez da maneira como essa execução é efetuada, retiramos o problema dos constrangimentos técnicos que têm tendência a provocar o “mau envelhecimento” dos jogos.

A fórmula é de tal forma segura e linear que torna todas as produções deste tipo praticamente imunes a potenciais novelties geracionais. Numa indústria cada vez mais repleta de acionistas à procura da renovação perpétua da pasta de dentes e das laminas de barbear, o género foi empurrado para o action-RPG, esse bicho híbrido sistematicamente defendido como mal necessário sem nunca ter alcançado metade da relevância comercial do seu antepassado.

Num contexto onde a Square-Enix procura ressuscitar o seu magnum opus cozinhado ao gosto do suposto paladar moderno, é bom recordar que houve quem, na selva chinesa do game design de sweat shop, procurasse adaptar este clássico da PSX aos caprichos dos primitivos 8 bits.

A rainha das famiclones no território chinês - Jackie a dar o golpe mortal do dragão nos direitos de autor

A rainha das famiclones no território chinês: A SUBOR – Jackie a dar o golpe mortal do dragão nos direitos de autor

A Shenzhen Nanjing Technology é uma das muitas empresas chinesas dedicadas ao mercado corrosivo da tecnologia primitiva bootleg ao serviço dos pequenos orçamentos. Para além de uns excelentes clones de jogos Pokemon e uma longa lista dos inevitáveis títulos sobre o Romance dos 3 reinos (popularizados no ocidente pelos Dynasty Warriors) esta adaptação de Final Fantasy VII é uma jogada improvável tendo em conta as assimetrias entre as duas plataformas. Com a estreia de Final Fantasy VII: Advent Children em 2005, o clima é propício à criação de um produto capaz de corresponder ao interesse das massas familiarizadas com as personagens. É desta forma que surgem nesse mesmo ano os famosos cartuchos amarelos estampados com o cartaz do filme. O mesmo acontecerá após o lançamento do Crisis Core com um rebranding do mesmo clone mas desta vez com a imagem da capa do jogo PSP.

Não sabemos exatamente como terá a Shenzhen Nanjing Technology distribuído as tarefas mas tudo indica que o esforço terá sido inteiramente dedicado à transcrição do guião e dos diálogos. Se omitirmos a minuciosidade desse aspeto, o resto é um conjunto caótico de templates e tilesets roubados um pouco por todo o lado sem grande preocupação com a consistência entre visual e narrativa.

O que torna este jogo muito difícil de abordar é o seu real desprezo pelo grau de dificuldade. Os inúmeros combates aleatórios vão buscar as criaturas mais diversas sem qualquer consideração pelo seu nível, o que torna os combates incrivelmente longos e demasiadas vezes simplesmente insuperáveis. Para progredir o jogador é forçado a depender da sorte e, se tudo correr bem, chegar ao próximo save point para repetir o feito e assim sucessivamente. Claro que esta descrição poderia aplicar-se a qualquer jogo mas, neste caso particular, esse feito é simplesmente contra-natura. Querer superar um desafio que nunca nos foi voluntariamente colocado é algo que só poderia estimular o espírito de contradição pueril do nerd americano e o seu excesso de tempo livre.

É desta forma que nasce no meio das comunidades obscuras do trivial uma primeira fanlation à qual se seguiria, quatro anos mais tarde, um mod que corrige toda a incongruência gráfica mantendo-se fiel ao original e consertando o grau de dificuldade. O orgulho pelo objeto atinge o seu paroxismo aquando da criação de uns poucos cartuchos amadores compatíveis NES e vendidos entre os 50 e 150 dólares no Ebay Americano. Uma pesquisa em sites chineses – sim no Rubber investiga-se- indica que esse mod terá sido reaproveitado e comercializado no mercado do Império do Meio.

Se quiser experimentar esta curiosidade, opte pelas duas versões de forma a perceber a evolução entre o sujeito original e a sua versão aperfeiçoada. A versão americana pode chegar ao nível qualitativo de uma produção respeitável da altura, mas a paixão pelos clones reside também nos seus inúmeros defeitos e, nessa matéria, a versão chinesa não desilude.

A versão Americana com uma capa a imitar o estilo de Yoshitaka Amano.

A versão Americana com uma capa a imitar o estilo de Yoshitaka Amano.