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Olá PlayStation. Desculpa – sei que não te escrevo há muito tempo mas existiram coisas na minha vida recente que me levaram a afastar de ti por uns tempos. Sei que me compreendes e que irás perdoar a minha falha… Acredita – daria tudo para não ter tido razões para deixar de te escrever.

Lembras-te que aqui há uns meses eu disse que gostaria de manter esta correspondência contigo, embora seja tão unilateral, para juntas recordarmos as memórias de jogos antigos que fizeram de ti a consola mais vendida do Mundo. Aquela que transformou tudo. Na altura disse que me iria focar em jogos escondidos, aqueles tesouros perdidos que tu, na tua abundância criativa, deixaste escapar.

Hoje, não trago um diamante perdido. O jogo que te trago é um Diamante que brilha tanto ou mais que qualquer outra jóia – um Diamante amado por quem o jogou e aclamado pela crítica. Mas preciso falar dele – mesmo que não se encaixe nos padrões que defini para estas cartas. Tu sabes o quanto eu preciso falar deste jogo neste momento. Há uns meses contei-te como os videojogos são tatuagens que me ajudam a sarar as feridas da minha vida. E como tenho feridas para sarar…

TaurusAggredior

Shadow of the Colossus foi lançado em 2006 na Europa, pela produtora à qual, amigavelmente, chamamos Team Ico, alcunha adquirida após o lançamento do brilhante videojogo Ico, uns anos atrás. A história de Shadow of the Colossus resume-se nestas três linhas:

Um rapaz do qual nada sabemos para além do nome, Wander, entra num templo de uma terra proibida com a mulher que ama morta nos seus braços para aí ouvir uma voz de um ser divino dizer-lhe que, para que ela regresse à vida, ele terá que matar 16 colossos.

E é este o jogo. Não tem que ser complicado para ser genial. A beleza e o génio encontram-se frequentemente nas coisas mais simples – apenas temos que saber onde procurar. A jogabilidade? Tão simples como o seu argumento. Uma tecla para a espada, outra para procurar a luz que nos indica o caminho do próximo colosso, outra para nos agarramos, e outra para podermos usar o nosso arco. Não temos enigmas para decifrar. Não existem diálogos ou interacções com outras personagens. Não passamos por cidades onde inimigos se encontram à espreita para nos atacar. Nada. Tudo à nossa volta é um imenso e vasto nada, absolutamente maravilhoso. Só nós e o nosso cavalo, Agro – o melhor companheiro para uma jornada de vida.

Com a voz de um Deus que nos exige a vida de 16 colossos em troca da vida da que mais amamos, partimos à procura.

Nunca vou esquecer a sensação de encontrar o primeiro colosso. De ver como a arte de quem o criou transpirava certamente por todos os poros. De ver como aquele colosso é assustador, imponente e incrivelmente majestoso. De perceber como sou um insignificante ser quando me aproximo dele. Nessa altura, enquanto admiramos a criatividade, o génio e a arte da Team Ico, damo-nos conta que teremos que matar este ser que nos parece indestrutível. Quando o Colosso nos vê, os seus olhos tornam-se vermelhos – ele sente o ataque iminente. A música, antes doce e suave, adquire repentinamente um tom bélico e agressivo. Sentimos que a batalha é inevitável.

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Cada colosso é um gigantesco puzzle. Não matamos os Colossos como qualquer outro inimigo. Não – para os destruirmos teremos que drenar o seu líquido vital – atingi-lo no glifo de luz que cada colosso tem espalhado pelo seu corpo. Literalmente…teremos que apagar a sua luz para que este gigante se extinga. Aqui – aquele que seria apenas mais uma experiência de videojogo, tornou-se para mim, muito mais do que isso.

Quando ataquei o primeiro colosso, à medida que ia desferindo cada estocada que eventualmente levaria este titânico ser ao seu fim, senti que estava a fazer algo que não deveria fazer. Eu vesti a pele de Wander (como visto a pele de todas as personagens às quais empresto o meu tempo), sabia que estava a fazer algo por Amor… mas porquê matar estes colossos? Cada investida com a minha espada, cada glifo que se apagava através da sua seiva negra que escorria, sentia os meus dedos no comando a hesitar. Não queria fazer isto. No fim, o Colosso cede aos meus ataques….a musica abranda e transforma-se num violino que geme em dor… eu acordo no templo onde iniciei, e o espírito do colosso encontra-se ao meu lado – olhando para mim. Num gesto de perdão e redenção que sinto que não mereço. Eu, Wander, levanto-me, chamo por Agro que jamais me largará, e procuro o próximo Colosso.

E assim se repete esta odisseia de encontrar e matar estes Maravilhosos 16 titãs que nada me fizeram. Mato-os porque sinto que não tenho alternativa. Pelo meio, cavalgo em paisagens que nunca antes tinham sido construídas com tamanha dimensão e beleza para a PS2. Um mundo aberto em cenário fechado. Encontramos Colossos voadores….colossos submersos em areia…colossos em água. Cada um deles – um gigantesco puzzle que teremos que solucionar para os podermos vencer.

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Atravessei o jogo e vesti a pele de Wander, com o sentimento de mais profunda Solidão e Impotência. Solidão porque Wander procura a todo o custo recuperar a que mais ama. Impotência porque senti que o que fazia, fazia-o porque não tinha escolha. A cada colosso que destruí, lutei comigo para conter as lágrimas. Nunca antes ou depois experienciei tamanho desespero e tristeza enquanto jogadora. Quando terminei, comprovei mais uma vez aquilo que sempre acreditei: Os videojogos são a forma de arte mais completa e interactiva que hoje temos! Neles viajamos, descobrimos, projectamos e saramos lugares nossos que permanecem escondidos do olhar de quem nos vê.

Apesar de amar Shadow of the Colossus como um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, sei que não irei mais vestir a pele de Wander. Existem emoções às quais não quero regressar. Mas sabes…Ps2…hoje olho para Wander com outro entendimento. Hoje, ironicamente, consigo vestir a sua pele melhor do que nunca.

Hoje…viajaria por todas as terras longínquas deste mundo, seguiria a voz de todos os Deuses e destruiria todos os Colossos do Mundo para poder regressar aos braços daquela que é única e que me ensinou a amar.