Há aqueles jogos que se compram pelo nome. Keep talking and nobody explodes fez-me inspirar Monty Python e expirar Stanley Parable só pelo nome. Portanto, comprei-o. Mesmo sem conhecer grande coisa do jogo, que isso de ler críticas antes de comprar os jogos não é para mim. Geralmente leio-as depois. Geralmente quando não gosto de um jogo. Geralmente a abanar a cabeça enquanto redondas lágrimas me escorrem pela face, aterrando no teclado e esparramando-se ao comprido, como o meu ego e a minha carteira, depois de perceber que gastei dinheiro num jogo que é mau e que nunca irei acabar, quando o poderia ter gasto antes em cerveja, gin, vinho ou algo que, de facto, me aqueça a alma.

Suspiro.

Vou começar por dizer que Keep talking and nobody explodes está desenhado para que se tire o melhor partido dele com um aparelho de VR. O jogo é compatível com HTC Vive e Oculus Rift mas por cá ainda não tenho disso, pelo que é natural que a crítica venha a sofrer alterações (em princípio para melhor).

Keep talking and nobody explodes é, simplesmente, a melhor coisa que me passou pelas mãos nos últimos tempos. Se a ideia é estar com um ou outro amigo, em volta de umas cervejas, a jogar qualquer coisa, este é o jogo a jogar. A sério, não procurem mais.

A ideia é ter um elemento a tentar desarmar uma bomba prestes a detonar.

O problema? Ele não faz ideia como.

A solução? Há um manual com tudo detalhado!

O problema? O manual está noutro lado qualquer.

A solução? Um amigo ou grupo de amigos acompanha-nos, gritando (ao telefone ou do outro lado da sala) orientações e decisões.

O problema? Uma comunicação deficiente, lenta demais, ou pouco assertiva e a bomba explode, ou porque o tempo acabou ou porque vocês cortaram o fio errado.

A solução? Uma espátula para arrancar os bocadinhos do vosso fígado e rins da parede.

Em traços gerais, é este o jogo. Um usa o computador (ou o headset VR) para manipular e desarmar a bomba, outro(s) agarram-se ao manual através de um monitor, tablet, telemóvel ou papéis gordurentos entretanto impressos. Não vale espreitar! 3. 2. 1. Partida!

Calma!

Então é assim… tenho aqui uma bomba. É uma mala. Cinzenta. Tem umas caixas. Tem um botãozito. E uns fios. E umas palavras. E… E uns números! Tem números também. E… pilhas?! Porque é que tem pilhas?! E… porra, o botãozito diz DETONATE! Não quero aquilo! E tem letras e números dos lados!!! E tem mais fios ..e…e..e..e….e……… FALTAM 2 MINUTOS!!!! PORQUE É QUE SÓ FALTAM 2 MINUTOS?!

 

Sem problema, é só seguir as instr…. WTF AM I LOOKING AT?!

[O que se segue é um excerto de um diálogo real aquando dos primeiros contactos com o jogo. Não me responsabilizo. Não sou o gajo mais responsável que possam conhecer. Só por isso.Porque se calhar até fui eu quem disse algumas destas coisas. Não que vocês tenham algo a dizer. Nem eu quero saber. Shiu! Silêncio que se vai desarmar uma bomba!]

  • Ok, tenho fios.
  • Quantos?
  • Hmmm, cinco!
  • Ok… o último fio é preto?
  • É.
  • Ok, vê o número de série da bomba e vê se o último dígito é ímpar.
  • Quê?!
  • A bomba. Deve ter um número de série…
  • Onde?
  • Não sei. Aqui não diz… procura!
  • Porra…. *resfolegar frenético* ah, ok, já vi, já vi, não, não é ímpar, é par!
  • Certo… então… Há fios vermelhos?
  • Então mas não querias saber do preto?
  • Isso era dantes! Há fios vermelhos?
  • Há!
  • E quantos amarelos?
  • Porra, mas tu queres que isto desate num arco-íris de fios? Há… 1 fio amarelo.
  • Ok, então corta o primeiro fio.
  • Só isso?
  • Só.
  • Ok, deu! Luz verde!! E agora… tenho…. quatro símbolos!
  • Quatro símbolos? Deixa-me procurar aqui no manual….ok, descreve-me os símbolos.
  • … quê?
  • Descreve-mos!! Preciso de saber como são!
  • Mas… O primeiro parece, tipo, sei lá, a modos que é como se fosse um E virado para baixo com um triângulo em cima, com uma… não, parece um gajo com uma lança na mão. É tipo um E virado para baixo a fazer as pernas, o triângulo a fazer a cabeça e o gajo está a segurar uma lança…
  • Ok, já vi, deve ser este. Próximo?
  • Vou ter que descrever todos?
  • Yup.
  • Porque é que sou eu a estar aqui com isto prestes a explodir?!
  • Fala!
  • Ok, o outro parece um… um pelo púbico encaracolado.
  • Ok, já vi qual é!
  • Como?! Há no manual uma coisa que tu identificas logo como um pelo púbico?
  • É uma longa história…

O pelo púbico é facilmente encontrável, na coluna à esquerda da do micro-pénis com grandes testículos

Confuso? Não muito? É que isto são apenas dois dos mais básicos elementos a desarmar na bomba naquele que é um verdadeiro teste à comunicação, paciência, empatia e persistência. Há módulos cujo desarmamento se faz em escassos segundos, há outros que nos torturam de formas maquiavélicas ao longo daquilo que parecem semanas. O jogo é, verdadeiramente, jogado a dois. Porque nem sempre estar do lado do manual é a tarefa mais simples. Trust me! O jogo está desenhado para ser um verdadeiro quebra-cabeças para quem pensa que vai ter apenas o conforto de ter que olhar para um manual.

Falta ali a letra F, para “Fuck this shit, i’m out of here!”

Há instruções tão rocambolescas e complexas que interpretá-las quando do outro lado da linha temos um gajo a gritar para nos despacharmos não é tarefa fácil. São exemplos disso os módulos de labirinto, em que o operador do manual tem que dar instruções para percorrer um labirinto sem o feedback visual de saber onde está. Ou os módulos em que a decisão sobre qual ou quais os fios a cortar dependem de uma sequência de trinta passos. Ou, já agora, o módulo intuitivamente chamado “Fios Complicados” que nos deixam a olhar para um gráfico de Venn a preto e branco, com várias linhas e pontos de intersecção e que faz lembrar as marchas de Lisboa realizadas por carreiros concorrentes de formigas, a preto e branco, enquanto as formigas nos mordem aquele pedacinho de carne entre a unha e a zona digital enquanto comemos um Chilli Habanero e ouvimos Zé Cabra em repeat. Como se a coisa não bastasse, a meio da discussão, podemos ter que perguntar ao operador que está a desarmar a bomba se a mesma tem uma porta paralela ou uma porta PS/2… O que, após a reacção e insulto inicial, até pode ser fácil de resolver se quem está a tentar desarmá-la souber o que é uma porta DVI-D… Porque se não souber, espera-vos um belo momento a tentar descrever a alguém como é que é essa porta, partindo do princípio que quem não sabe o que isso é até está a olhar para a zona certa da bomba.

Mas diz-me, a bomba tem uma coisinha com uma espécie de colmeia? Com uma caixa de correio ao lado? Procura! PROCURA!!

Em suma, Keep talking and nobody explodes é um jogo absolutamente genial, que promete testar ao extremo a vossa cumplicidade e sintonia com o vosso companheiro de jogo e que acaba por se tornar extremamente viciante, encadeando desafios uns atrás dos outros e fazendo-nos passar largas horas agarrados ao jogo, entre suspiros de alívio, impropérios avulso e gargalhadas nervosas quando se consegue desarmar uma bomba a menos de um segundo da sua detonação. Keep talking and nobody explodes é um desafio stressante, emotivo e muito gratificante, que tanto nos põe a citar um texto, como nos obriga a jogar ao jogo da memória ou nos põe a interpretar código Morse (“fez PI… PIIIIIIII… PI PI PI….. PIIIIIIII”). Ou, já agora, quando põe o dedo na ferida e o torce vigorosamente, quando decide apresentar-nos aos needy modules, um conjunto de módulos especiais que carecem de atenção constante e que são impossíveis de desarmar, apenas atrasar até ao desarme completo da bomba. Ou ainda quando o jogo decide usar elementos imprevistos para nos fazer dar um salto, como o apagão que nos deixou às escuras quando procurávamos ler umas palavras presentes num módulo ou o alarme do despertador a tocar, borrando literalmente a cueca a quem procurava concentrar-se para desarmar a bomba. E nem sempre quando se faz tudo bem saímos de lá com todos os membros nos locais certos. Ou experimentem largar um botão quando o contador tiver um 5 no ecrã quando faltam apenas 2 segundos para a detonação.

 

Please remain seated and try to stay calm

Keep talking and nobody explodes não é perfeito. Falta, por exemplo, a disponibilização de um manual oficial em várias línguas, entre as quais o obrigatório Português. Não há, ainda, uma versão oficial, mas podem encontrar a versão Oficiosa, com o apoio da editora, aqui. Dá para terem uma noção daquilo que vos espera! Não é perfeito. Mas anda lá perto, como party game… E pouco lhe faltará se houver um capacete VR por perto, quer-me parecer!