siren_wallpaper_1

Desde que me conheço como pessoa que o género terror é o meu favorito em todas as formas de arte que me apaixonam: Literatura, Cinema e Videojogos. Sou fascinada pela sensação de medo e pela forma como o nosso cérebro reage a uma das emoções primárias do ser-humano. Sim, de toda a teia de milhões de emoções complexas que conseguimos sentir como adultos, o medo é umas das 5 originais com as quais nascemos. É verdade…só nascemos com 5. E o medo – aquela que menos conhecemos e entendemos pela sua complexidade tão simples, é uma dessas 5 originais.

Por ser apaixonada pela exploração e pelo medo, sempre tentei enquanto Psicóloga evitar a exploração do medo do óbvio: medo de perdermos alguém que amamos, medo do sofrimento emocional, medo de falharmos em algo vital, medo de rejeição… Esse tipo de medo é algo que entendo demasiado bem; algo muito concreto, íntimo e pessoal em cada um de nós. Esse tipo de medo é o verdadeiramente destrutivo da nossa mente e de quem somos, e por isso, por o conhecer demasiado bem e lidar com ele pessoal e profissionalmente todos os dias – tento afastar-me sempre que posso.

forbidden-siren-siren-sairen

É o medo da projecção dos nossos medos que me interessa. O medo de coisas que não existem, o medo do escuro, do que se esconde no nosso quarto, das criaturas dos pesadelos, dos sons que pensamos estar a ouvir – esse medo apaixona-me. É a forma como cada cérebro reage (Lutas ou Foges), como o teu corpo cria micro-sensações de sobrevivência (aquele frio na nuca que nos passa quase despercebido mas nos incomoda na mesma), os arrepios que sentimos sem identificarmos o porquê. A forma como lidamos com esses medos, como os combatemos, como nos deixamos dominar ou escolhemos dominá-los – isso apaixona-me.

Seguindo essa paixão, sempre coleccionei obras literárias de terror (Edgar Allan Poe e Stephen King), Filmes (George A. Romero é a minha colecção de culto) e tento jogar todos os Survival Horror que saem para as consolas que tenho. Sou uma assumida “Horror Freak”. Uma “Fear Junkie”. Uma “Gore Lover”. É assim que sou…e aceito esse lado em mim com grande prazer.

A PlayStation 2 trouxe-nos uma era gloriosa de videojogos, e dentro desta diversidade, um poderio enorme de Survival Horrors. Foi a era de Silent Hill 2, de Project Zero I, II e III, do único Resident Evil 4, de Haunting Ground, e, no meio de tanta mas tanta coisa boa, a era de Forbidden Siren, um jogo que na altura, quase passou despercebido.

Forbidden Siren foi lançado em Novembro de 2003 no Japão e na Europa em Março de 2004. Lembro-me que o comprei como “auto-prenda” de aniversário. Já tinha lido sobre ele, um jogo descrito como estranho e mais um clássico nipónico, e por isso não o queria perder.

Tal como em todos os jogos, as 5 irmãs reuniam-se na sala, chamávamos o nosso amigo de infância (um “Irmão” de outra mãe) e ansiosas experimentávamos o novo jogo.  Siren (o nome original no Japão) entrou na consola e, logo após as primeiras imagens, o visual estranho e sombrio, captou de imediato a nossa atenção. Ok…por esta não estávamos à espera. Era um jogo a Preto-e-Branco. Todo ele. Apenas algumas peças de roupa, o rio e o sangue nos olhos dos monstros era vermelho. Pelo meio do nevoeiro, tudo o resto era preto-e-branco, como um filme antigo.

A história da Sereia Proibida é algo simples e até pouco original. Todo o jogo se passa numa aldeia remota no Japão, Hanuda, cuja população é fervorosamente religiosa, gostando de se manter isolada do Mundo. Hisako Yao, o líder da seita religiosa que domina Hanuda, está obcecado em cumprir um ritual religioso de devoção de um Deus, mas quando o ritual é interrompido por um tremor de terra, toda a aldeia se vê envolta num rio de sangue em que, todos os que lá mergulham, ficam contaminados pelo seu poder e tornam-se Shibitos – seguidores autómatos da vontade do seu Deus. Perseguidores de todos os que não o seguem. A história é assim contada através de 10 personagens com as quais jogamos ao logo de 3 dias em que a narrativa decorre. 10 personagens, sendo que umas são nativas, outras de fora…pessoas cuja história é para nós desconhecida até jogarmos. Cada uma tem um papel fundamental na história de outra, mas para o jogador tudo isto vai sendo revelado bem devagar.

Foto+Forbidden+Siren+2

Os 3 dias em que decorre a nossa narrativa estão divididos em episódios, episódios esses que são ligados cronologicamente e que terminam no cumprimento do objectivo que levou ao seu início. Para cumprir o objectivo, temos que, na grande maioria das vezes, explorar todo o cenário até à exaustão, apanhar objectos, activar outros, abrir ou fechar portas e paralisar os “Shibitos” que vamos encontrando. Sim – não há forma de matar os inimigos. Apenas paralisá-los por um tempo enquanto cumprimos a nossa missão. Depois disso – convém correr.

Todos os episódios, de todas as personagens, tal como descrevi acima, estão ligados cronologicamente e jogamos todos eles (embora nem sempre com uma lógica cronológica concreta). Sempre que num dado episódio cumprimos um objectivo (seja ele primário ou secundário), activamos um “efeito borboleta”, e esta acção (ou falta dela) vai influenciar no episódio a seguir em que outra personagem irá passar por aquele mesmo sítio mais à frente na linha temporal. Mais vezes do que podem pensar, vão fazer me***a…e depois, darem-se conta, quando ali chegarem com outra personagem, que estão entalados. Encurralados sem poderem avançar porque a personagem anterior, quando ali passou, esqueceu-se de abrir uma porta. Para saberem onde tudo correu mal, vão ao “link Navigator”, no menu principal do jogo, e vêm onde aparece a mensagem: Key Lock. Depois, é só jogarem esse episódio novamente, para saberem onde correu mal.

Esta mecânica só muito mais tarde foi similarmente repetida em Until Dawn (e mesmo assim….muito rudimentar quando comparada com Forbidden Siren) e conferia um carácter de tensão e exploração ao jogo que até então eu desconhecia numa narrativa deste género. Imaginem isto: é um jogo se Survival Horror, não podem matar definitivamente nada do que encontram (apenas temporariamente paralisar), querem acabar o episódio o mais rápido possível e sobreviver aos 3 dias em que a história se centra, e ao mesmo tempo, para poderem avançar com todas as personagens, têm que explorar todo o cenário ao pormenor. Conseguem imaginar? Eu considero um detalhe genial e deu-me um sentimento de tensão que raras vezes senti num jogo. Obriga-nos a controlar o medo pelo bem da exploração. A deixar que o cérebro domine o instinto de fuga. E os puzzles não são nada fáceis – são complexos e intrincados. E estávamos em 2004 – walkthroughs no Youtube eram uma raridade praticamente inexistente. E mesmo que já existissem (existiam já os walkthorugh escritos), para mim, nunca foram opção. Vencer estes jogos requer a melhoria de todas as nossas capacidades – e isso é parte do desafio.

siren2-3

Forbidden Siren trouxe-nos também uma mecânica que eu, pessoalmente,  não voltei a ver em qualquer outro jogo. Todas as 10 personagens conseguiam usar Sightjacking – ou seja, se se concentrassem, conseguiam ver pelos olhos dos Shibitos que existiam no seu redor. Isso era extremamente útil para ver os seus hábitos, que caminhos faziam, o que viam, e quantos se encontravam ao seu redor. Esta capacidade não só era absolutamente essencial para a sobrevivência, era também vital na resolução dos puzzles. Muitas vezes, os Shibitos olhavam para um código que necessitávamos para abrir uma porta, ou olhavam para o item que necessitávamos. Era um detalhe brutal e que nos deixava entrar na mente doente daqueles de quem fugíamos.

Na altura do seu lançamento, o jogo foi recebido com muitas reservas tanto pelos jogadores como pelos críticos. Os“Reviewers” da altura elogiaram o seu design minimalista e sombrio, a complexidade da história, mas criticaram a sua mecânica de jogabilidade por ser demasiado complexa e depender em demasia da habilidade do jogador. Foi também criticado por ser muito difícil. Sim – é mesmo muito difícil para a altura em que saiu e quando o joguei, senti que foi um dos jogos mais difíceis que tinha conquistado. O Boss final, uma das lutas mais estranhas com as quais me defrontei desde sempre.

Quando os créditos finais correram, por estas e outras razões, senti também que era uma jogadora melhorada. Estava melhor do que alguma vez fora. Senti também que tinha jogado uma aventura única…talvez demasiado Singular para a altura em que saiu. Tinha demasiados elementos originais, alguns mais bem conseguidos que outros, e julgo que foi muito mal julgado pelos criticos.

Forbidden Siren teve um sucessor, um numero 2, que já não foi o mesmo. Teve também um sucessor para PS3, simplesmente chamado Siren, que eu tenho mas nunca joguei.

Forbidden Siren é para mim um jogo mal-compreendido e mal-apreciado por jogadores e críticos. Um jogo que gostaria e muito que os jogadores de hoje lhe dessem uma oportunidade. O apreciassem por tudo o que tentou conquistar..mesmo quando falhou. Por toda a atmosfera que criou. Pelos momentos de absoluto medo que nos deu. Pela indústria e por todos os Shibitos, Forbidden Siren é o clássico a preto-e-branco que merecia ser revisitado por todos os jogadores, 12 anos após o seu lançamento. Apreciado pela sua simplicidade, pelas barreiras que quebrou. Apreciado pela simplicidade da emoção que nos transmite – a singularidade complexa do medo que tão bem soube criar.