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Acho que escrevo esta crónica como uma desculpa para falar de jogos que amei e dos quais nunca tive oportunidade de falar. De expressar como esses jogos me fizeram sentir. Da interpretação que dei ao seu significado e, acima de tudo, do que simbolizaram para mim e como moldaram a Gamer que sou hoje.

Escrevo estas cartas à PlayStation 2 porque simplesmente foi a consola onde comecei. Comecei a sério. O que é começar a sério? Parece que estou a falar de algo drástico na minha vida. Mas todas as pessoas que se auto-intitulam Gamers sabem que há um momento em que, quando pegamos num jogo ou numa consola, sabemos que o que estamos a fazer já não é só um hobby – é uma Paixão que para sempre irá fazer parte de quem somos. Apesar de me ter divertido com o Quake 2 para PC, com o Turok e o Prince of Persia loirinho num jogo de plataformas, foi apenas no Natal de 2001, quando as minhas irmãs me ofereceram a PlayStation 2, que descobri uma parte de mim que não sabia que me faltava. Às vezes isso acontece – encontramos algo, vivemos um momento, conhecemos alguém, e perguntamo-nos como antes conseguimos viver sem isso.

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Durante a longa vida desta consola foram muitas as experiências deliciosas que vivi – e são essas que adoro partilhar todos os Domingos com quem me lê.

Mas existem também as experiências que foram, na altura em que as joguei, uma absoluta desilusão. Algo que derrubou todas as expectativas que criei – como se essas expectativas fossem um prédio prestes a ser demolido.

Ontem, a falar com um Amigo, que me perguntou a opinião sobre um determinado jogo, lembrei-me de como odiei a experiência que vivi com o jogo que era também o objecto da sua curiosidade. Custou-me dizer-lhe a verdade porque ele estava verdadeiramente entusiasmado com os primeiros momentos, mas não consigo mentir e disse-lhe: “Odiei esse jogo!”

Ódio é uma palavra muito forte e que não se deve usar de forma leve. É apenas uma palavra – mas uma palavra que carrega muito. Mas o jogo que se fala causou em mim tamanha desilusão, foi uma sensação tão forte de ver as minhas expectativas esbofeteadas que não consigo encontrar outra palavra que não seja: Odiei.

Sei que vai ser um choque, mas aqui vai: Falo de – “Obscure”! sim… estou a ouvir o que vocês estão a dizer e os nomes que me estão a chamar. Estranhamente, os anos fizeram este jogo ganhar o estatuto de “Gema perdida”. Ok. Em parte concordo: perdido é, mas está longe de ser uma gema.

Obscure é um jogo do meu género favorito: Survival Horror, lançado em 2004 pela produtora francesa Hydravision (agora Mighty Rocket), e conta a história de 5 adolescentes que descobrem que o liceu que frequentam se encontra invadido por monstros. Monstros esses que vivem na escuridão, no Obscuro, e têm medo da luz. Os 5 adolescentes foram baseados em todos os adolescentes que existem em todos os filmes de terror B de Hollywood que eu adoro: Pesadelo em Elm Street, 6ª Feira 13, Halloween, etc. Temos o bonitão desportista, o inteligente, o “baldas”, a miúda gira e fútil e a miúda inteligente mas não muito gira. E é isto.

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Cada um deles tem as suas habilidades que temos que conjugar se queremos avançar no jogo. Daqui vem a única verdadeira parte interessante nesta amálgama de clichés mal conseguidos: é que este jogo foi inicialmente desenvolvido para ser jogado cooperativamente – à antiga – com 2 jogadores na mesma sala, cada um com o seu comando a controlar jogadores independentes. Esta parte, a única redentora nesta trapalhada, tornava esta experiência divertida com amigos e permitia ignorar todas as falhas do jogo. Caso optassem por jogar sozinhos, em qualquer momento do jogo controlavam sempre duas personagens, sendo que poderiam alternar com o toque de um botão se preferiam dar a liderança a um e a outro. As habilidades únicas de cada uma das personagens requeriam alguma estratégia na exploração: por exemplo – se estávamos a investigar uma sala e queríamos ter a certeza de que tínhamos encontrado tudo o que precisávamos, usávamos o “esperto” e ele dizia sempre que faltava uma coisa.

Parece super interessante não é? Mas Não! Foi tudo tão mal conseguido, tão mal desenvolvido que passamos o jogo sem criar qualquer ligação a nenhuma das 5 personagens. Não nos interessa quem está em perigo. Não nos interessa as relações entre eles nem a história do que se passa a volta. Nada. Apenas nos interessa passar do ponto A ao ponto B. Sair do liceu. Matar monstros. Apontar a luz, destruir a névoa de escuridão que os protege e disparar ou bater até morrerem. Abrir mais uma porta. Repetir. Avançar. Mais uma sala. Matar. Abrir as janelas. Sair. Próximo.

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E os monstros são ridiculamente fáceis. Jogo todos os jogos em nível Normal de dificuldade quando pego neles a primeira vez, mas em Obscure verifiquei várias vezes o Menu para confirmar que não estava em “Super-Easy Mode”. Em todo o jogo morri pouquíssimas vezes, e não é por eu ser uma super jogadora (não sou mesmo!… sou super trapalhona a maior parte do tempo…), é mesmo porque o jogo é muito fácil. Como  se quisesse que o jogador não perdesse muito tempo com cada etapa. Bem sei que nem todos os jogos têm que ser difíceis,  mas acho que qualquer jogador gosta de sentir uma certa sensação de realização, quanto mais não seja na morte de um Boss – como se tivesse conseguido ultrapassar algo que para outros seria intransponível. Este jogo não recompensa o jogador com essa sensação em momento algum. O jogador passa por ele a passear… o último Boss vem e vai quase sem darmos por ele… e não deveria ser assim.

E o elemento Horror neste jogo? Aqui é que as coisas se tornam mais pessoais. É que aqui, Obscure entra no meu território. Para que fique claro, o género Terror é o meu favorito em tudo o que me apaixona: Livros, Filmes e Videojogos. Julgo que é o género mais subestimado em todas as formas de arte. Considerado como um género patético, menor, imberbe… comentários injustos de quem arrogantemente ignora que é o género mais difícil de construir com qualidade em qualquer uma das formas de arte que referi.

Por isso, cada vez que pego num Survival Horror, não espero que seja perfeito – como referi acima, é extremamente difícil de conseguir construir algo exímio em terror, mas espero que exista um esforço para assustar o jogador – para o arrepiar e agarrar o comando da consola com toda a sua força. Mas em Obscure não existe nada disso. Existem “jump scares” tão previsíveis quanto aborrecidos. Sabemos que naquele corredor especifico, pela forma como esta tão denunciadamente desenhado, vai cair um monstro do tecto ou surgir algo do chão. Os efeitos sonoros são tão dissipados no ambiente que não nos transmitem qualquer efeito de sobressalto ou alarme. Nada. Tudo está feito ao limite possível de todos os clichés – e num cliché, não pode haver surpresas.

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Obscure termina tão abruptamente como começa. Sem qualquer conclusão decente à história, ou desenvolvimento do destino de cada um dos 5, do que aconteceu no liceu… simplesmente, do nada, vemos os créditos a surgirem no ecrã. Ste ou oito horas de jogo e já está. Não me interpretem mal – não me incomoda que seja curto –  qualidade e longevidade não estão directamente ligados (vejamos o caso de Journey ou mesmo Uncharted), mas quando a sua curta duração equivale à conclusão de algo que nem sequer chegou a começar, aí sentimos que fomos defraudados. Como se tivéssemos passado as ultimas 7-8 horas à espera de algo que nunca surgiu. Uma promessa que nunca se concretizou.

Em 2004, um ano não muito bom para o mundo de Survival Horror, merecíamos mais. Merecíamos um jogo que defendesse o género como tão bem o fez Silent Hill 2 em 2001. Mas não – tivemos Obscure, um jogo que a nostalgia leva a que hoje seja considerado um tesouro perdido. Talvez seja. Todas as análises são opiniões enviesadas pelas experiências e emoções do analista.  Gostava muito de pertencer a esse grupo – olhar para Obscure e saber apreciá-lo naquilo que tentou ser. Mas Obscure entrou no meu Mundo de terror e não o defendeu. Adoraria olhar para trás e ver nele a Gema que tantos vêm. Não consigo… Obscure será para mim o jogo que jamais quis odiar… mas que inevitavelmente o meu coração de jogadora continua a rejeitar vezes sem conta.