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Gosto de utopias distópicas. Uma contradição, dizem? Nada disso. Eu posso gostar igualmente de preto e de branco, de verde e vermelho, e às vezes até posso gostar de chamar a este último de encarnado, se me apetecer. Sou um homem livre. H. G. Wells, Aldous Huxley, Philip K. Dick – estes autores escreveram sobre mundos imperfeitamente perfeitos, que demonstravam exemplarmente que a ideia de utopia de um homem era a distopia de outro, porque a liberdade de um indivíduo termina quando começa a liberdade do próximo. Gen Urobuchi, conhecido por escrever o argumento de animes como Madoka Magica e Fate/Zero, terá certamente ido beber um pouco da inspiração de obras como Brave New World ou Minority Report quando escreveu Psycho-Pass.

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Passado no Japão de 2112, a ordem da sociedade é gerida por SIBYL, um supercomputador que gere a vida e monitoriza o estado psicológico de cada indivíduo. Desde que um ser humano nasce e à medida que cresce, SIBYL decide que tipo de educação e carreira cada pessoa deve seguir, de acordo com a sua inclinação genética e psicológica. A criminalidade também desceu graças a SIBYL, que mede o estado psicológico e emocional, identificando as pessoas psicologicamente instáveis e que têm maior probabilidade de cometer um crime, apelidando-os de “criminosos latentes”. É-lhes oferecida medicação, sugerido acompanhamento e terapia psiquiátrica e, caso não cumpram ou caso já tenham excedido um nível mais elevado, a solução final reside no seu encarceramento ou morte. Esta última solução é levada a cabo pela Criminal Investigation Division (CID), uma unidade especial constituída por Enforcers, indivíduos classificados como “criminosos latentes” mas seleccionados por SIBYL como cães de caça, que são chefiados por Inspectors, indivíduos que têm um coeficiente mental estável e que foram educados para seguir a lei moral de SIBYL. Efectivamente, os Inspectors tomam as decisões e os Enforcers executam-nas, estando munidos para tal com Dominators, armas ligadas ao sistema de SIBYL que só podem ser disparadas contra um alvo que tenha sido identificado como tendo ultrapassado um certo nível de desequilíbrio mental e que se auto-regulam para disparar para atordoar ou para matar, tal como os phasers em Star Trek.

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Psycho-Pass: Mandatory Happiness é uma visual novel que decorre numa cronologia paralela ao anime em que podemos seguir a história na perspectiva de dois personagens: a Inspector Nadeshiko Kugatachi e o Enforcer Takuma Tsurugi. Kugatachi perdeu a memória e está a tentar recuperá-la e Tsurugi está à procura de uma amiga de infância / paixoneta que desapareceu subitamente. Ambos vão-se defrontar com Alpha, uma entidade obcecada em trazer a felicidade aos humanos que o rodeiam, nem que seja à força. Aqui jaz o conceito de Mandatory Happiness – um nome genialmente perturbador. Mesmo assumindo que todo o ser humano quer ser feliz, a partir do momento em que a felicidade passa a ser uma obrigação e deixa de ser uma escolha, ela quase que se transforma num termo doentio e indesejado – ninguém quer ser forçado a fazer o que quer que seja, porque todo o ser humano quer ter o direito à escolha, mesmo que essa não passe de uma ilusão. É sem dúvida na escrita de Urobuchi que esta visual novel tem o seu maior trunfo.

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O jogo em si consiste simplesmente em tomar uma série de decisões que ramificam a história e têm impacto no que pode acontecer nos casos que investigamos ou aos criminosos que perseguimos enquanto membros da CID. Ao longo do jogo essas decisões vão influenciar a trama e o estado mental do nosso personagem, que é medido através do HUE, um sistema de cores que vai de um laranja-muito-claro-quase-branco a um castanho-muito-escuro-quase-preto e que nos ajuda a perceber se o nosso estado mental é estável ou instável, influenciando também como outros personagens nos vêm. Essas decisões vão acabar moldando o nosso personagem, os personagens à nossa volta e invariavelmente o final da história que vamos ter (más decisões que levam a um Bad Ending são possíveis, normalmente culminando na morte do nosso personagem).

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A voz foi dada aos personagens pelos mesmos voice actors da série e, tal como no anime, a artwork do jogo ficou a cargo de Akira Amano – notou-se contudo que aqui foram mais modestos, fazendo um “tone down” na imagética mais gore a que o anime nos habituou. Hoje em dia visual novels e romance andam regularmente de mão dada e por vezes pode-se tornar difícil explicar que é possível um coexistir sem o outro. Mandatory Happiness faz isso mesmo, mantendo-se fiel ao ambiente depressivo do anime original e que nos leva à conclusão que a developer 5pb. fez um bom trabalho (embora ainda inferior ao seu excelente Steins;Gate). Recomendo-o a quem é fã da série anime, fãs das obras de Philip K. Dick e fãs de visual novels num ambiente distópico e “cyberpunkiano”. Sim, eu sei que essa palavra não existe, mas eu sou um homem livre e eu escrevo o que eu quiser.

Psycho-Pass: Mandatory Happiness está disponível para PS4 e PS Vita.

Foi jogada a versão PS Vita.