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‘Bora lá de volta ao trabalho que as férias acabaram. Amanhã regresso à realidade, e numa tentativa fortuita de fugir mentalmente às responsabilidades da vida adulta que teimam em tomar forma à minha frente mesmo quando fecho os olhos, pego no comando da minha consola e agarro-me a mais umas horas de aventura na pele de Argus – o herói menos heróico que eu já conheci.

Nas análises normais que costumamos ler, é usual começar por de descrever a história, os gráficos, a jogabilidade, os erros técnicos, a longevidade e a capacidade do título em questão de se renovar enquanto jogo – aquela característica que faz o jogador pegar no jogo uma e outra vez depois de o terminar. “O verdadeiro Inferno é a Repetição” – diz o velho ditado, mas quando a repetição é o mesmo que descobrir coisas novas e aumentar a nossa perícia, torna-se aquele degrau extra que leva os jogadores ao caminho do Paraíso.

Desculpem esta divagação, mas como sou uma inepta a fazer análises normais, tenho que pegar em cada texto e contar-vos a minha experiência. E Zenith é definitivamente um jogo que devem experienciar. Tanto que se torna quase impossível de escrever sobre ele. Ainda não o acabei (faltam-me meia dúzia de horas e a missão final) mas quero falar-vos desta pérola independente que acho que não deveriam perder.

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Zenith é um Action RPG Dungeon Crawler. Leram bem – Zenith é isto tudo. Numa perspectiva isométrica, típica de Dungeon Crawlers como Diablo, somos Argus, um mago arqueólogo que dedicou a sua vida a acumular mulheres e tesouros por esse mundo fora. Ele sabe tudo o que há para saber sobre artefactos antigos e coleccionar mulheres na sua cama (e não tem medo de o admitir). Depois de, a mando do imperador do seu mundo, ter encontrado um artefacto que transformou o imperador num servente do mal (um lord Sith) e de quase ter posto fim ao planeta, Argus decidiu que era melhor esconder o maldito artefacto de vez, reformar-se da sua vida louca de arqueólogo aventureiro, abrir uma lojinha de poções numa cidade tranquila (assim tipo Mafra) e dedicar-se a vida de comerciante herbalista, que faz poções para ajudar gatinhos a defecar melhor e velhotes a f…sim – isso que estão a pensar. Pelo meio, claro, salvou o imperador e evitou o apocalipse. Aquelas coisas mundanas que estão na lista diária de todos os heróis.

Anos depois, encontramos Argus na sua loja, a trocar os medicamentos dos velhotes com os dos gatos, a causa um incêndio na sua loja que quase destrói toda a cidade, a embebedar-se todas as noites na taberna da esquina, a visitar prostitutas com a mesma frequência que os adolescentes visitam a página de Instagram diariamente e a fazer inimigos um pouco por toda a parte. Aquelas coisas mundanas que estão na lista diária de todos os heróis magos arqueólogos reformados.

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Tudo muda quando uma misteriosa mulher de cabelo azul (muito atraente) aparece com o seu grupo que nos é estranhamente familiar à procura de um certo artefacto que em tempos, segundo se ouviu falar, quase destruiu o Mundo. E já que a loja tinha explodido e o chefe da máfia local andava à sua procura porque o medicamento não lhe deu propriamente uma excitação extra, Argus achou que era melhor pegar na sua mala de mago e por as pernas ao caminho na esperança de chegar ao artefacto antes da “gaja gira” (como o Argus tão bem a trata), para evitar mais acidentes.

Pronto – pelo menos uma parte de uma análise “normal” já consegui fazer: resumi mais ou menos a história dando-vos um resumo do que se passa sem estragar o seu enredo (espero eu).

Mas resumir a história e dizer que Zenith é um Action RPG Dungeon Crawler de um estúdio que promove produções independentes (a Badland Studios) é fechá-lo numa caixa demasiado pequena, onde nem Zenith nem o próprio Argus conseguem encaixar-se (este trocadilho não foi propositado).

Mais do que qualquer outra coisa, Zenith é uma paródia, uma sátira, um produto tão inteligente e comicamente bem escrito, que à medida que o vamos explorando, esquecemos os erros de design e falhas técnicas que muitas vezes interferem com a fluidez da nossa aventura. Os developers de Zenith são fãs e amantes de videojogos, principalmente dos clássicos RPG e mostram-nos como, só quando genuinamente amamos algo, podemos caricaturá-lo e, diria mesmo, gozá-lo, de forma inteligente. Sem achincalhar. Sem diminuir.  Saber rir e gozar com o que amamos, e principalmente connosco, é uma característica cada vez mais rara no mundo de hoje e que demonstra uma maturidade que lamentavelmente não está ao alcance de todos.

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Dei por mim a rir às gargalhadas de comando de consola na mão, com o meu marido a perguntar: “ O que foi?” vezes sem conta. Quer dizer – como não rir quando encontramos Tidus e Cloud de Final Fantasy X e VII? E mais ainda, quando Tidus diz a cada 5 segundos: “Esta é a minha história”, ou quando Cloud …não diz rigorosamente nada – está no seu canto com o seu ar misterioso, que leva Argus a chamar-lhe: “Adolescente Emo”. Ou quando encontramos o mercador de Resident Evil IV no meio do nada, e Argus tem com ele uma discussão sobre a estratégia económica e comercial de alguém que quer vender coisas no meio do nada onde não passa ninguém. Ou quando Argus comenta que é estranho haver tantas poções de vida no meio do chão em todo o território. Ou quando temos que replicar os desafios de Indiana Jones e a Grande Cruzada e Argus nos diz como é bom saber soletrar, e como é muito estúpido darmos um passo em frente para um precipício sem pelo menos tentarmos pisar primeiro.

São tantos mas tantos os detalhes e “cameos” que vemos ao longo da aventura, que sentimos que jogamos, revivemos os jogos e filmes que fizeram parte do nosso imaginário infantil e nos divertimos como poucas vezes o fazemos. Tudo ao mesmo tempo.

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Sim, Zenith tem falhas próprias de um jogo sem grande orçamento. A câmara, que é fixa,  é muitas vezes tapada pelo próprio cenário (ao ponto de não conseguirmos ver para onde vamos), as personagens são “mudas” (todo o diálogo está escrito no ecrã sem voz a acompanhar), os comandos, muitas vezes desajustados e mal conseguidos, tornam alguns puzzles que seriam desafiantes, numa p**a de uma luta frustrante com o botão analógico da nossa consola – e isto é desnecessário e estúpido. A banda sonora é a mais irritante que já ouvi (a sério – tive que por o jogo em mute em algumas partes) e não fosse o som maravilhoso das aranhas cantantes (sim – aranhas cantantes), não haveria salvação para a composição musical de Zenith.

São defeitos grandes. Alguns, aqueles gamers muito tecnicistas que não gostam de uma experiência de entretenimento mas sim de uma demonstração técnica de capacidades, diriam que estes são defeitos fatais e que Zenith não pode ser um bom jogo ou um grande sucesso de vendas. Eu, que sou muito mais uma jogadora de experiências que alguém que se perde nos pormenores técnicos, uma admiradora de Inspiração e Criatividade e pouco de desempenho académico, gostaria de ver Zenith tornar-se um sucesso inesperado de vendas. Está disponível para PC e PS4 – o preço mais ou menos acessível face aos AAA da actualidade e merece que lhe dêem uma oportunidade.

Peguem nele. Riam-se com Argus e com as suas “bocas” e observações sobre tudo e todos. Revivam as vossas personagens e jogos RPGs favoritos de um prisma bem diferente. Joguem e divirtam-se! Acima de tudo, joguem algo diferente do que hoje em dia há no mercado e riam, riam muito….Afinal Rir é dos melhores, mais simples e menos técnicos prazeres que poderemos aproveitar na Vida!