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Acredito que este meu regresso ao Post Scriptum seja simultaneamente um desvirtuar da própria rubrica, como também a razão da sua existência: trazer jogos que por uma ou outra razão tenham passado completamente ao lado de muitos dos nossos leitores, sejam ou não uns must-play.

Dragon Valor foi um daqueles jogos que conheci graças aos sacos (literais) de jogos de PS1 que um amigo trouxe quando a família deixou Macau para trás, anos depois da passagem governamental para a China. A proximidade com a Ásia, e sendo um pólo comercial interessante para muitos norte-americanos tornou o pequeno ex-território português uma espécie de Meca dos bootlegs para o grande sucesso comercial do final da década passada, a PlayStation. Sempre ali no limiar da legalidade (dito por simpatia), muitos dos discos que este meu amigo trouxe na bagagem na sua chegada a Portugal não eram mais do que CDs gravados e vendidos em pequenos envelopes de plástico com uma impressão quadrangular da capa do jogo a identificá-la. Numa época em que a internet era uma realidade lenta em Portugal, e em que a pirataria e o P2P estava longe do estabelecimento verdadeiramente global que teve na década passada, era o empréstimo de discos que servia de verdadeiro “curador” de muitos dos títulos que nunca chegaram à Europa, ou dos que chegaram mas que nunca chegariam à venda em retalho no mercado português.

Por entre as dezenas de títulos trazidos de Macau qual bagagem de despedida de uma família que diz adeus, a par do seu País, de quinhentos anos de ocupação, é possível que Dragon Valor tenha sido dos que mais me marcou. O que não significa que seja propriamente o melhor dos jogos que joguei.

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Lançado pela Namco no final de 1999, Dragon Valor apresenta-se como um RPG/platformer em 2.5D, com um enredo simples típico do início dessa época, em que a narrativa era amplamente subvalorizada perante as mecânicas do próprio jogo. Quando falei inicialmente de que a ideia de desenterrar “pérolas” da PlayStation era largamente exagerada neste artigo não estava a brincar. Em diversos aspectos Dragon Valor é um jogo mais do que mediano, aborrecido, monótono, e que dificilmente passou o teste do tempo. E eu bem o sei que decidi rejogá-lo há cerca de cinco anos só para perceber se existia alguma ligação entre a impressão deixada na minha memória e o jogo propriamente dito. E não existia: DV vale apenas pelas razões que me fizeram rejogá-lo várias vezes em 2000, e outro número igual de vezes em 2011.

Não sendo uma inovação para a evolução que os videojogos já tinham percorrido na viragem do milénio, mas as ramificações que o jogo tomava foram o grande factor que me fez conhecer todos os caminhos possíveis. Do herói inicial cuja luta inglória contra o dragão existe como prenúncio de uma jornada mais complexa e mais comprida vão dois ramos distintos. E os ramos prendem-se com a sua descendência: se tivemos um relacionamento com a personagem x ou y jogaremos de seguida com os filhos resultantes desses relacionamentos, sendo que estas escolhas são feitas por nós mesmos in-game. A seguir a essa ramificação existe outra ramificação, em que jogaremos com os descendentes dos filhos do personagem inicial, numa estrutura que não só nos trazia a passagem do tempo como novos trilhos para percorrer.

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É claro que o corolário de ter de rejogar o jogo várias vezes e de fazer escolhas distintas prendia-se com os diversos dragões que enfrentávamos, exclusivos das  distintas ramificações, e que no final desbloqueavam brilhantes ilustrações e concept arts relacionadas com o jogo.

Parece um motivo fútil, mas acreditem que só mesmo aquela qualidade de ilustrações, numa época em que não existia o conceito de googlar pela galeria de imagens para satisfazer a nossa curiosidade. Passar a provação de ter de percorrer o jogo até ao fim, não era algo sofrível, porque estaríamos a ser injustos para com um jogo que não sendo soberbo também não era mal-construído, mas cuja mediania tornava uma verdadeira monotonia de ter de desbloquear todos os caminhos possíveis.

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Dragon Valor não possui a história mais interessante do mundo, e o seu enredo está provavelmente escrito algures num documento de texto com 7 o 8 linhas. Todas as componentes mecânicas são medianas mas a ideia de ter um jogo com tão múltiplas ramificações de descendência do protagonista do jogo fez-me guardá-lo para sempre no canto da memória. Não posso afirmar que seja um dos melhores jogos da minha vida, mas acho que para cada um a definição de “pérola” pode ser algo tão simplista como “algo que marcou, mesmo que de forma mito subtil”. E isso sem dúvida foi algo que Dragon Valor fez.