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Paper Mario já foi muito colorido. Num tempo em que a visibilidade dos pixeis eram proporcionais à inteligência com que os jogos eram concebidos, numa era em que a resolução e o brilhantismo estavam intimamente ligados à genialidade de cada instante passado neste mundo virtual. Mas esses tempos já passaram. O mundo ficou cada vez mais vibrante, mas simultaneamente mais artificial. A pobreza da narrativa apenas nos traz à memória tempos idos, em que cada linha parecia ter sido escrita com a maior das paixões e muitas vezes com um tremendo arrojo. E onde as gargalhadas eram espontâneas, hoje o humor é da espessura do que lhe dá o nome, e é tão fina como o papel. Esta é a desilusão com outrora uma das mais inteligentes séries da Nintendo.

O parágrafo anterior parece fatalístico, desanimador, de uma tristeza impressa em cada palavra, e esses factos não são por acaso. A brandura com que me deixo levar pelo desânimo com uma das minhas séries favoritas, herdeira desse encontro fortuito entre a Nintendo e a defunta Squaresoft, o Super Mario RPG. Acima de tudo a tristeza de ver que a Intelligent Systems consegue fazer um pior trabalho de iteração para iteração com Paper Mario do que a AlphaDream com a série Mario & Luigi, que tem conseguido manter a fasquia mecânica, conceptual e narrativa sem sacrificar nenhuma em prol da outra.

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Paper Mario: Sticker Star, o antecessor deste Color Splash, foi uma das primeiras análises que fiz aqui para o Rubber Chicken. À época fiquei extremamente triste com a forma como a ideia genial dos autocolantes foi tão mal-aplicado do ponto de vista mecânico, tornando o combate mais insípido do que deveria ser, mas no mesmo patamar de insalubridade do enredo e do humor, que eram fracos, mais fracos do que um goomba no primeiro nível do Super Mario Bros.

Este Paper Mario: Color Splash vem nessa onda descendente de Sticker Star, mas consegue ir mais longe, apresentando aquele que é possivelmente o pior combate de todos os RPGs relacionados com Mario. Aqui todas as acções/ataques do nosso protagonista são efectuadas ao utilizarmos cartas de ataque, que são descartadas após utilizadas. O que significa duas coisas e ambas terríveis: a primeira e que a ausência de um ataque padrão que não gaste os nossos parcos recursos de cartas leva à segunda coisa horrível, a necessidade de utilizarmos cartas muito poderosas e raras em fracos minions à falta de outras hipóteses. Temos a hipótese de dar um boost a algumas cartas sem cor aplicando cor ao estilo de impressoras inkjet. E é isso.

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Num RPG como este Paper Mario: Color Splash é, em que passamos mais de 70% de todo o jogo a combater, a verdadeira atrocidade a que estas batalhas foram reduzidas torna a difícil tarefa de jogá-lo de uma ponta a outra uma verdadeira provação. E isto admitido de alguém que já teve Paper Mario como uma das séries mais acarinhadas e que agora a vê reduzida a este resultado, a anos-luz da qualidade da sua irmã as portáteis.

O que me entristece ainda mais nesta ode à tristeza, que parece que ouço o grande Messiah Marcolin a cantar-me na cara, é que as decisões do combate e o verdadeiro crime monótono em que o tornaram acabam por prejudicar, ofuscar e destruir aquele que é um dos mais fascinantes mundos visualmente criados para a mal-amada Wii U. A par de outras maravilhas artísticas da plataforma como Yoshi Wooly World e Kirby and the Rainbow Curse, Paper Mario: Color Splash faz uso das potencialidades gráficas da consola doméstica da Nintendo para trazer um dos mundos mais verosímeis que já concebeu, em que todos os recortes de cartão e papel surgem como maravilhosos dioramas a criar um conjunto de níveis interessantes que as nossas acções e as de Huey, o nosso sidekick deste jogo vão dar cor.

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Tudo isto misturado numa premissa interessante, em que a nossa missão é salvar o mundo dando-lhe de volta a cor roubada por um misterioso inimigo (spoiler alert: é o Bowser). A mecânica de cutout, em que recortamos parte do cenário para criar novas plataformas é outra adição que rapidamente cai vítima de um dos piores exercícios de game design aplicado a combate em RPGs por turnos. E que prova que muitas vezes a máxima KISS deveria ser a tónica de qualquer jogo.

Eu queria gostar de Color Splash, gostava de me sentir entusiasmado dele existir e de o poder jogar. Mas infelizmente na tentativa de complexificar um RPG que há muitos anos perdeu qualquer sensação de progressão habitual, a Intelligent Systems acabou por querer complexificá-lo para além do razoável, num exercício de quase autismo criativo que resultou num sistema de combate amorfo e que destruiu por completo todo o jogo.

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Num ano em que a Wii U tem não só ido ensombrada com o lançamento da sua sucessora e que notoriamente se tem percebido que muito pouco amor ainda resta para si, associado aos poucos títulos de relevo a serem lançados este ano, Paper Mario: Color Splash entra e sai pela porta pequena, num canto do cisne desbotado que nem a série, nem a consola, nem nós merecíamos.