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Não era muito mais fácil se os demónios fossem seres vivos e reais? Não era maravilhoso se os seres que nos atormentam e nos destroem, corroem e nos transformam em seres inaptos e infelizes fossem seres com corpo, que pudéssemos confrontar fisicamente?

O quê? Acham que os demónios não existem? Não sejam ingénuos. Não estou a falar daqueles seres que tantas vezes vemos em filmes e videojogos, sempre de aspecto assustador, que são propositadamente desenhados para que os possamos rapidamente apelidar de monstros. Monstro – essa palavra que define tudo o que nos assusta e, pura e simplesmente, não entendemos (ou não queremos entender). Homem que viola uma mulher? Um monstro! Um pedófilo? Um monstro! Um assassino em série? Um monstro! Entender estes “seres” assusta-nos mais do que simplesmente catalogá-los como: Monstros – é que ao entender algo, o nosso cérebro irremediavelmente faz comparações com a realidade que conhece, e esse processo de matching, leva geralmente ao conhecimento de áreas nossas, da nossa realidade, que não queremos descobrir.

Mas como sempre, estou a desviar-me do assunto. Quando começo a escrever, as mãos debitam a conversa que estou a ter comigo e milhentas vezes, a conversa ganha corpo e cresce sozinha.

Voltemos à pergunta inicial: Não era muito mais fácil se os demónios fossem seres vivos e reais? Estou a falar dos demónios que existem efectivamente. Daqueles que nascem connosco, que crescem com os maus momentos de cada dia, vivem na nossa mente e se alimentam das nossas experiências traumáticas e negativas. Alimentam-se dos nossos medos, das nossas dúvidas, das nossas inseguranças, da nossa solidão. Deleitam-se com os nossos fracassos, com a rejeição que sofremos em pequenos detalhes da nossa vida; exacerbam detalhes menores ao ponto de os tornarem gigantes muralhas. Aproveitam as alturas más, os trágicos acontecimentos a que todos somos sujeitos para nos sussurrarem ao ouvido: que não vamos conseguir ultrapassar…que determinado acontecimento foi culpa nossa…que a pessoa que amamos não nos ama de volta… que não somos bonitos o suficiente… fortes o suficiente… magros o suficiente… inteligentes o suficiente… interessantes o suficiente… Não Somos o Suficiente! Suficiente para quê? Para esses demónios não é importante racionalizar – o Fundamental é destruir.

Num ano em que esses “demónios” me tentaram destruir mais do que em qualquer outra altura da minha vida, num ano em que perdi partes de mim que jamais terei de volta, dei por mim a desejar mais que nunca, que estes “Monstros” se transformassem em seres vivos, para que a Luta pudesse ser mais justa. Corpo a Corpo – Eu versus “Aquilo”, com punhos, espadas, e o que pudesse encontrar… uma luta clara, onde sei com quem luto e onde as minhas fraquezas e fragilidades íntimas são isso mesmo – íntimas. As mazelas físicas dessa luta não me assustam. Mazelas físicas incham, desincham e passam. As psicológicas perduram para a Eternidade.

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Os videojogos permitem-me transportar esses demónios para o ecrã e através do comando da consola, luto contra eles o mais que posso. Neste ano de 2016, na tempestade que invadiu a minha vida, voltei a Bloodborne horas sem fim e em Yharnam fiz aquilo que o jogo manda: cacei os meus Pesadelos. Tornei-me Caçadora. “Respirei” o sangue nas ruas. Lutei contra monstros que me pareciam invencíveis e a cada luta sentia-me mais forte, mais preparada. Sentia as lágrimas a ficarem perdidas na rua, e a minha sede de Vingança, contra o mal mais Eterno e Impiedoso que conhecemos, um pouco mais saciada. Os “monstros” a ficarem mais silenciosos a cada batalha. Yharnam tornou-se o meu refúgio. A Aoussa que criei, tornou-se na loba que caçou no ecrã, os “demónios” que não são possíveis de caçar na realidade.

Mas, e se fosse possível? E se, num lugar escondido do Mundo, os Demónios existissem mesmo e um dia resolvessem invadir fisicamente a Terra?

É esta possibilidade que Peter V. Brett, um escritor Norte-Americano descreve na sua série Demon Cycle, a saga épica literária que desejaria, mais que qualquer outra coisa, ver convertida em vídeo-jogo.

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Demon Saga tem neste momento 4 livros principais editados: The Warded Man (também chamado The Painted Man), Desert Spear, Daylight War e Skull Throne, mas é no primeiro livro, que em português recebe o título de: O Homem Pintado que conhecemos o mundo de Thesa e a realidade que eu gostaria de ver convertida num cenário virtual que pudesse explorar na minha consola.

O Homem Pintado conta-nos a história de Arlen Bales, um jovem nascido em Thesa  numa era que os homens chamam de: A.R. – After the Return – era após o regresso dos demónios que, outrora escondidos dos homens no centro da terra, voltaram em força à superfície reinada pela raça humana com o único propósito de nos consumirem e destruírem. Mais fortes do que nós, o regresso destes demónios levou a raça humana quase à sua extinção mas os Humanos, resilientes como são, cedo descobriram runas antigas, sinais de magia perdidos nos tempos, cuja força conseguia repelir os monstros e mesmo, quem sabe, combate-los. Lentamente, as runas foram convertidas em pinturas pelas casas como protecção, os humanos aprenderam que apenas à noite corriam perigo, e adaptaram-se. Lutar não era opção – a possibilidade de derrota e a ilusão de invencibilidade encobria a cobardia e fome cega de sobrevivência a qualquer preço. Restava esperar pelo “Escolhido” – alguém que viria para travar a luta que ninguém tinha coragem para fazer. Arlen nasceu neste mundo de cobardes. De homens que correm e se escondem sempre que noite aparece. Que não arriscam nada. Que se contentam a viver com as “sobras” que os demónios deixam.

Conhecemos Arlen pela primeira vez aos 11 anos. Vemos como a criança se torna adolescente. Como o adolescente questiona tudo à sua volta. Vemos a sua sede de lutar – de não se satisfazer com o Não que obtém. Vemos como rejeita velhas superstições e valoriza a investigação e o conhecimento. Acompanhamos Arlen na sua primeira luta com um demónio. Fazemos com ele as viagens pelas 5 cidades principais de Thesa. Através da escrita simples e hipnótica de Brett, conhecemos as cidades como se estivéssemos lá. De livro para livro, descobrimos mais de Arlen, de todas as personagens com as quais se cruza, das suas lutas internas e externas. Mais que tudo – descobrimos a sua Coragem! Como se recusa a tombar. Como transforma Medo em Audácia.

Encontrei pela primeira vez Peter V. Brett e a sua saga em 2014 e, inevitavelmente, a ele regressei em 2016. Precisei de Arlen. Nos momentos obscuros de 2016, como desejei tanto que aquele mundo fosse a realidade. Desejei tanto ser transportada para ali. Precisei de transportar a luta para para um lugar mais tangível que o universo das páginas da minha imaginação. Desta vez, necessitei mais que tudo que esta luta fosse um pouco mais palpável. Precisava de me sentir exausta e cansada. Precisei que Arlen me levasse para a sua cidade e caça, tal como Aoussa me levou tantas gloriosas vezes para Yharnam.

E como não é possível na realidade tal como a conhecemos, desejei a segunda coisa melhor: desejei que fosse um videojogo.

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Imaginei percorrer aquelas ruas num Action RPG semelhante a Witcher 3. Transformar Arlen como transformamos Geralt – à nossa imagem. Perder-me em exploração e side quests pelas 5 cidades principais. Aumentar a minha experiência. Crescer com Arlen e tornar-me no “super-guerreiro”. E como o sonho comanda a vida, imaginei  como seria maravilhoso se este jogo pudesse ser desenvolvido pela CD Project Red, com a colaboração dos developers de From Software que trabalharam em Bloodborne na concepção design gráfico e de cenários (e também da banda sonora), e com os argumentistas da Naughty Dog que nos deram Last of Us na concepção das personagens. Como me delicia esta utópica fusão.

Este ano compreendi mais que nunca o poder de um videojogo. Como instrumento que nos diverte, nos desafia e muitas vezes, nos “salva” , mantendo os “monstros” fechados no ecrã. Sim – os videojogos são, para mim, bem mais que mero entretenimento tantas vezes catalogado como leviano.

No mundo criativo do que tanto se repete e onde, infelizmente, a originalidade de história vai escasseando, deixo este pedido de Natal, agora que a época se aproxima:

Que o mundo literário de Peter V. Brett encontre o caminho para as consolas e PCs. Que um jogo merecedor deste fantástico mundo criado na Demon Cycle Saga seja uma realidade nos anos vindouros. Que eu possa conhecer Arlen, vestir a sua pele e com ele devolver o Mundo aos Humanos que se mostrem merecedores. Este é o meu pedido de Natal aos “Deuses” dos Videojogos.

Enquanto o desejo não se torna uma realidade, volto aos braços de Aoussa e ao estranho abrigo que Yharnam se tornou para mim. Afinal, uma loba caça e, como aprendi em Bloodborne: “its just what Hunters do”!