Ou então é culpa do Leonel

Não sei se pelo facto de conviver com o Leonel há quase 13 anos que a sua “otakusice” esteja lentamente a passar para mim, a enraizar-se como um tentáculo maroto que anda a percorrer o meu corpo numa tentativa de colonoscopia não desejada. É possível que esta metáfora tenha ido longe demais e seja demasiado visual. Por falar em visual algo que eu aprendi com o Leonel é que uma visual novel não é uma tradução bastante errada de alguém que quer falar dos livros publicados por várias editoras de Comics norte-americanas, mas sim um género de videojogo que mais se assemelha a um livro animado interactivo, ao estilo de uma série que eu tanto gosto, Phoenix Wright. Aprendi muitas mais coisas com ele sobre a cultura otaku, nomeadamente uma série de palavras e termos japoneses que não devo pesquisar no Google sob pena de nunca mais conseguir esquecer o que vi. E eu como sou extremamente cumpridor nunca o fiz. Fica a dúvida se ele já o fez, e se isso lhe deixou sequelas. Mas essa é uma pergunta para fazer quando ele voltar de Nova Iorque e não é para aqui chamada.

Steins;Gate

Há sempre um sentimento de estranheza quando tens um redactor que diz que possivelmente o seu jogo do ano é algo do qual nunca ouviste falar, e ainda por cima passas demasiado tempo semanal a pesquisar lançamentos e ainda mais tempo a jogar uma catrefada quase infinita de jogos. Steins;Gate foi um nome que ouvi de forma incessante da parte da mesma pessoa (o Leonel, lá está) que tantas vezes fingia estar morto depois do trabalho apenas para que nenhum de nós o chateasse enquanto ele jogava o jogo tão afamado (por ele).

steinsgate_game_english_steins_gate

Em traços gerais, e sem estragar aquele que é aclamado como um dos melhores enredos de uma visual novel pura, Steins;Gate é desenvolvido à volta de um conceito simples: o protagonista, um jovem estudante de secundário e auto-proclamado cientista louco inventa uma máquina do tempo que lhe permite enviar e-mails para si mesmo no passado, levando a consequentes alterações no futuro.

Todas as tramas e ramificações que o mundo projecta a partir de ligeiras (e aparentemente inócuas) alterações no passado têm as devidas repercussões na vida do protagonista e dos personagens à sua volta.

A qualidade da história é tal que mesmo para alguém que está pouco habituado a visual novels puras sem puzzles ou mecânicas adicionais como Phoenix Wright, esta poderá ser das melhores experiências dentro do género dentro das dezenas de horas que o jogo dura.

3940dc0a1c7ad4febce4e0672d8f91d01397020138_full

Depois de ter sido lançado em diversas plataformas (bastantes, tendo em consideração o facto de que se trata de uma VN) e para a longevidade do jogo, parece-me que as plataformas portáteis como iOS e PS Vita são o ambiente perfeito para se usufruir de Steins;Gate.

Que o Leonel bem tinha razão em afirmar: é capaz de ser o jogo mais obrigatório do seu género.

The Silver Case

Ironicamente a nossa rubrica dedicada a jogos nipónicos onde este artigo se insere, o Gomu Gomu no Chicken foi criada para albergar o muito que o Leonel nos ia apresentando, adquirindo e que recebemos de algumas editoras internacionais. Não é portanto uma surpresa que este The Silver Case tenha também sido apresentado pelo nosso sushi de Galinha da redacção que ele é.

the-silver-case-detectives

Apesar de estarmos bastante atrasados com a cobertura da ida à Tokyo Game Show (que por este andar deve ser lançada no Carnaval do ano que vem) há uma história curiosa relacionada com este The Silver Case, que para quem não sabe é uma visual novel com 16 anos e que foi o primeiro projecto da Grasshopper Manufacture, o estúdio do aclamado game developer SUDA51 lançado em 1999 para a PS1, e que chegou o mês passado ao PC.

Com apresentação marcada pela Playism, o Leonel lá se deslocou ao stand daquela que é indubitavelmente a editora indie mais profícua do Japão e sobre a qual já diversas vezes falámos. Sem estar preparado para qualquer entrevista, tal é a surpresa de perceber que a apresentação era uma conversa sozinho com o próprio SUDA51.

b94ec4241c08f00ac2ef042380210e8f

Mas bem, este é um pequeno aparte que me lembra outros tempos, como diria o Artista Bastos, quando me entrava pela redacção a dentro com aquele ar de comunista da clandestinidade e me dizia: “Olá, tudo bem?”.

Mas voltando a The Silver Case, cujo enredo não revelaremos porque estaríamos a estragar a essência que constitui uma visual novel, mas basta-nos dizer que mais de uma década antes de Steins;Gate chegar ao mercado, já The Silver Case com a sua temática complexa de investigação sobre serial killings demonstrava as infindáveis possibilidades de boa escrita para o género, estabelecendo-se como uma das suas pedras basilares.

Num curto espaço de tempo ver Steins;Gate e The Silver Case a chegarem ao mercado ocidental é um extremo sinal positivo dos tempos. Pelo meio de alguns produtos banais e de localizações que pouco mais são do que mero fan-service para otakus frustrados, estes são dois bons exemplos da maturação e do tom adulto e emocional e psicologicamente complexo que uma visual novel pode ter. E são duas excelentes portas de entrada para um género que parece carregar o ónus da globalização nas costas do advogado mais famoso dos videojogos.