No inicio desta semana falou-se em filmes de terror, eu hoje vou falar de jogos de terror. Não só em jogos de terror da Nintendo, mas ao jogo de terror da Nintendo, a maior e mais bem-feita produção de horror e medo que já graciou as consolas da Nintendo. Não é o Nightmare in Elm Street da NES, o primeiro jogo de terror em que coloquei as mãos, nem Clock Tower na SNES, muito menos, Shadow Man da N64, vamos para o reino obscuro e ignorado da Gamecube, uma consola tão ignorada como brilhante.

Muitos se esquecem que o jogo que salvou e mudou a saga Resident Evil, foi lançado como um exclusivo na Gamecube. Mas também não é de Resident Evil 4 que vamos falar. Raparigas e rapazes ventoinha, raparigas e rapazes… não-ventoinhas peguem na minha mão, vamos entrar por uma casa cheia de horrores, vamos entrar na escuridão eterna.

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Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;

Eternal Darkness da Silicon Knights é A aventura de terror da Nintendo. Não é só da Nintendo, é de todas as plataformas. Infelizmente como foi lançado numa consola brilhante mas com poucas vendas é desconhecido pela maior parte dos jogadores mas muito apreciado por que o conhece. Assim como os meus filmes de terror favoritos, Eternal Darkness não é um jogo que precise de grandes monstros ou de sangue para assustar, até porque na sua maior parte evitamos o confronto fisico com os inimigos que cruzam o nosso caminho, o que Eternal Darkness faz e muito bem é *****-nos a cabeça em quase todos os momentos.

Indo buscar muito ao Resident Evil original, aqui controlamos Alexandra Roivas numa mansão em que todas as paredes e objectos delapidados pelo tempo estão cheios de mistério. Sozinha num desconhecido enorme e ao mesmo claustrofobico, Alexandra está a investigar a morte do seu avô e encontra o Tome of Eternal Darkness um livro encadernado em pele e osso humano, nesse momento ela “vive” momentos de Pious Augustus um centurião romano que encontrou o livro pela primeira vez.

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And the silken, sad, uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me—filled me with fantastic terrors never felt before;

A partir daqui o jogo passa-se em dois planos (que acredito ter vindo a inspirar a saga Assassin’s Creed anos mais tarde) Alexandra investiga a morte do avô na sua mansão e ocasionalmente viaja no tempo e “revive” momentos de quem possuiu o livro antes dela. Nunca sabemos para onde ou quando vamos no momento em que viajamos no tempo, podemos ir de 26A.C. até 2000D.C., homens e mulheres, do Cambodja a Washington passando pela Pérsia, arqueologos, escravos, monges e muitos outros entraram em contacto com este Tomo, tudo é possível e nunca sabemos também como vai acabar essa parte da aventura, nem quando. Essa sensação de desconhecido faz o jogo crescer, a sua estrutura não linear no enredo e cronologia é refrescante e infelizmente nunca mais vi reproduzida em nenhum jogo.

Sem querer dar mais pormenores sobre o jogo pois as surpresas são grande parte do seu valor, posso dizer que o objectivo final é derrotar uma divindade que quer dominar a Terra, existem na realidade 3 que o querem fazer e funcionam num alinhamento Pedra-Tesoura-Papel que escolhemos no inicio do jogo e isso permite-nos acaba-lo três vezes (e devemos fazê-lo) de formas diferentes.

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Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
 

Além do grande ambiente que cria, há dois aspectos que adoro em Eternal Darkness sendo o primeiro a sua vertente literária.

Grande parte do jogo tem sequências narradas por George Roivas o avô de Alexandra, e essas partes são muitas vezes introduzidas com passagens literárias que de uma maneira ou outra se associam ao que se vai passar. Enquanto algumas são do meu poema favorito, “The Raven” de Edgar Allan Poe (um autor cuja vida e obra merecem ser passados para jogos de video) outras são retiradas de Freud ou Jung, e é esta parte de realismo, assim como muitos locais e momentos históricos em que o jogo se passa às vezes que dão maior peso ao ambiente. É a fusão entre a fantasia e a realidade que torna tudo uma ilusão demasiado real.

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This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom’s core;

Sobre o maior ponto de venda, e meu favorito, de Eternal Darkness já havia falado uma vez aqui no Rubber Chicken, mas tenho que voltar a mencionar. Quando disse que o jogo ****-nos a cabeça sempre que pode, não estava a falar num sentido figurativo, era para ser lido quase literalmente.

Os nossos personagens possuem uma barra de sanidade, essa barra vai-se esgotando em certas situações e aí nas palavras de grande Megatron “The fun has begun, but it’s no joke.” A brincadeira começa mesmo quando a insanidade ataca e não é nada divertida. O jogo está programado para fazer de tudo para nos dar um toque dessa insanidade, desde descontrolo da personagem, sons estranhos vindos do nada, ou a minha favorita um blue screen failure. Sim, aconteceu e eu fiz reset à consola e tive que refazer tudo desde o último save point, portanto ficam já avisados deste, os outros deixo-vos descobrir por vossa conta e risco porque espero que quem leia este texto e nunca jogou o vá fazer porque vale a pena. Vale tanto a pena.

Eternal Darkness: Sanity’s Requiem (de seu nome completo) é injustamente esquecido quando se fala de jogos de horror, passou ao lado do estrelado que merecia porque saiu numa plataforma esquecida, mas mete Silent Hills e Resident Evils a um canto. Pode não ter envelhecido muito bem graficamente, mas ainda me dá um calafrio na espinha sempre que penso no jogo, tal e qual como este poema centenário lido por esta voz, que é a que oiço quando o leio.

Infelizmente não jogo Eternal Darkness há anos. Emprestei-o a um suposto amigo com quem nunca mais falei e nunca me devolveu a minha cópia. Acho que está na hora de procurar uma nova.

Oiço vozes na minha cabeça, talvez a minha barra de sanidade esteja esgotada…