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Há muito, muito tempo a internet era uma coisa mística, estranha, quase incompreendida, e cujos usos ainda eram muito rudimentares. Para conhecermos lançamentos, novidades de videojogos e demais notícias o Santo Graal eram as bancas, onde uma série de revistas sobre videojogos traziam-nos uma maré de jogos do qual nunca ouvimos falar e cuja maioria acabámos por nunca jogar na nossa vida.

Saltem o relógio para 1999, quando a Revista Oficial PlayStation era a bíblia sagrada dos muitos portugueses que tinham cedido à consola da Sony, fascinados pelos muitos exclusivos e pelo selo de qualidade da companhia herdado de anos de reverência às gigantes e poderosas Trinitron. Pouco mais de uma década depois acabei por me cruzar e relacionar com algumas das pessoas que pertenceram a essa mítica revista (e a tantas outras) graças a esta aventura de já largos anos que tem sido o Rubber Chicken. Uma das pessoas que passou por uma das redacções foi a nossa Alexa, mas isso é uma conversa para outra altura.

Um dos grandes factores que determinavam a nossa ligação quase umbilical para uma revista com a Oficial PlayStation era a sua inclusão das afamadas demos. Não me esquecendo que a grande maioria de quem nos lê pertence à nossa demografia, e que automaticamente compreende as referências, temos acima de tudo de avivar a nossa memória colectiva para pensarmos na cabal importância dos discos pretos com letras brancas que acompanhavam a revista e o que eles significavam para o emergente mercado de videojogos da década de 1990. Numa era muito anterior a vídeos de ganeplay, sites e blogues com 0-second information, eram estas demos o nosso grande decisor em termos de escolha de quais os jogos a adquirir.

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Relembramos mais uma vez esse ido ano de 1999, em que um dos grande marcos da cultura portuguesa tinha decorrido há apenas alguns meses, e que Metal Gear Solid tinha tomado de assalto o mercado internacional. Tornando o género de acção furtiva não só algo extremamente lucrativo e requisitado, como o lançamento no mesmo ano de outros dois colossos do género (Tenchu: Birth of the Assassins e Thief) permitiu que os stealth games tivessem o seu apogeu comercial e crítico na viragem do século.

Mas regressamos a 1999, quando a já falada Revista PlayStation anuncia um jogo desenvolvido pelo estúdio norte-americano Eidetic (que viria 2 anos depois a ser adquirido pela própria Sony). Esse jogo tinha um nome de peso na altura, e tão rapidamente nos conquistou a todos como igualmente desapareceu num relâmpago. Falamos obviamente de Syphon Filter.

Poderia aqui encontrar uma série de justificações filosóficos ou analítico-artísticas, mas a grande verdade sobre o que conquistou toda a gente que foi a correr comprar Syphon Filter depois de ter jogado a demo é simples e deve ficar aqui registada em letras garrafais.

Todos queríamos jogar Syphon Filter porque dava para disparar tasers a distâncias impressionantes e incinerar inimigos por electrocussão.

Eu sei que estou a ser redutor. Acima de tudo era a aura de Ethan Hunt que Gabriel Logan, o protagonista de Syphon Filter emitia que nos conquistava. Era a acção frenética, quase ininterrupta, a sensação de one man army e de super-espião que nos agradava em todo o jogo, que era infinitamente menos denso narrativamente do que a obra de Kojima que nos tinha arrebatado a todos menos de um ano antes.

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Mas era esta sensação de filme de acção de domingo-antes-do-jantar que nos aproximava de Syphon Filter. O arsenal à disposição de Logan (e à nossa disposição) e é claro, o taser já enunciado aos gritos. As explosões por todo o lado que fariam o próprio Michael Bay encolher-se a um canto e sentir-se uma pequena formiga da realização (que talvez seja bem-vistas as coisas). Eram os anos 1990 no seu auge e quase a fechar a porta, num canto do cisne berrado e explosivo para relembrar o porquê de acharmos que a década se povoou de manifestações “extreme” em grande parte da cultura pop.

Syphon Filter, o primeiro da série, acabou por ser um tremendo sucesso para a PlayStation, mas acabou ter a sua derrocada de forma rápida. Com duas sequelas a serem lançadas em dois anos subsequentes, a rapidez com que os jogos foram chegando ao mercado acabou por exaurir a franquia da frescura e do sentido de novidade de uma forma demasiado rápida. Este milking abusivo de lançar uma trilogia no curto espaço de três anos levou ao esgotamento da marca, e de iteração para iteração as vendas e as análises foram sendo progressivamente mais baixas, até às três tentativas subsequentes (uma na PS2 e duas na PSP) até ao “esquecimento” e 2007.

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É possível que a nova geração possa desenterrar a franquia daquela gaveta esquecida onde está o Crash Bandicoot e alguns dos apresentadores da RTP que volta e meia aparecem na RTP Memória. E é possível que Syphon Filter renasça em todo o esplendor, depois de uma década de espaço para respirar sem ser vítima daquilo que chamo o Síndrome My Heart Will Go On. Gabriel Logan poderá regressar para tentar juntar-se, com mérito, ao panteão de grandes heróis de acção dos videojogos, por nome próprio, e não apenas aquele tipo do jogo Syphon Filter que tinha um taser e incinerava pessoas por electrocussão.