Dos portugueses ImaginationOverflow chega-nos uma proposta que confesso me deixa um sabor agridoce. Vou cair naquele chavão do “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Stellar Interface apresenta-se como um rogue-like-ish space-shooter. Está bem, então. Mãos à obra, o cheirinho retro do grafismo pixelizado traz um calorzinho nostálgico para a mesa, ainda a fazer lembrar o 1993, Space Machine, que cobri aqui há algum tempo. Isto com as devidas ressalvas, uma vez que o jogo dos suecos da Modesty trazia toda a sua bagagem artística do longínquo ano de 1993 e Stellar Interface nos é apresentado como uma proposta fresca deste ano, ainda a borbulhar.

Se a coisa começa bem, com o tipo e o aspecto da proposta, não tarda muito a começar a deixar um travozinho amargo. Alguns problemas no Menu, onde se incluíram algumas trocas e baldrocas com a troca de língua a deixar algumas opções na língua anterior levaram-me à primeira sessão de jogo. E, não há grande maneira de dourar a pílula – nem é para isso que aqui escrevo – o primeiro impacto é um pouco decepcionante. Aos gráficos retro junta-se uma jogabilidade também ela retro. Movimentos lentos, com uma desanimadora quase total ausência de animações na nossa nave. Vieram-me à memória experiências que havia feito, há uns anos, quando comecei a brincar com GameMaker e, partindo de uma base de um shoot’em up, construíra um jogo com pés e cabeça, com inimigos desafiantes, diferentes, de dificuldade crescente. E aqui, o primeiro impacto ficava uns largos furos abaixo disso. Inimigos lentos, previsíveis, frágeis. Nave pesada, com armamento aquém do esperado… Por esta altura, o jogo parecia tornar-se uma desilusão.


Só que não.

E é importante que eu tenha começado por este preâmbulo. Quando há um factor WOW, é fácil gostar-se de um jogo. Quando tudo nos impressiona, é fácil ser-se impressionado. O que Stellar Interface faz é vencer-nos nos pormenores e, gradualmente, ir conquistando a nossa opinião e admiração. Mais do que isso, ir conquistando o jogador propriamente dito. Dei por mim a voltar ao jogo uma e outra vez, apesar de ter recolhido o suficiente para vos escrever estas linhas ao fim de meia dúzia de sessões de jogo. Mas voltei. E volto. E isso, meus senhores, é o que faz deste Stellar Interface um BOM jogo. E isso é o que me faz escrever-vos estas linhas com um sorriso nos lábios. Não é por ser português que vos recomendo o jogo. Não é por nos arrebanhar desde logo, não é por ser imaculado. É porque Stellar Interface cresce em nós e sai da casca de patinho feio para se revelar uma gigantesca… Galinha! De borracha! Como deve ser!


É que a tal jogabilidade lenta e previsível do primeiro nível é só um tapete de boas vindas. O resto do jogo desenvolve-se num mapa aleatório – a fazer lembrar um Steredenn – com inimigos também eles aleatórios. Há uma classificação do nível de dificuldade de cada nível que nos permite aferir um pouco aquilo que nos espera ao aceder a ele, mas neste jogo, a morte é permanente. Não há cá vidas para gerir. E se, no segundo nível, tiverem um conjunto de encontros imediatos que ditem a vossa destruição, há que voltar ao início e voltar a partir do zero. E porque é que isso é relevante? Porque, no fim de cada nível, é-nos oferecido um conjunto de “upgrades de software” que permitem melhorar a nossa nave. Mais velocidade, mais poder de ataque para metralhadoras, mísseis mais rápidos, “lifesteal”, drones… há um arsenal aparentemente infindável (e imperscrutável, uma vez que as descrições de muitas das melhorias são não só ambíguas como enigmáticas) que podemos ir adicionando à nossa arma. Amigos… há um upgrade chamado “Feijoada” cujo benefício consiste em mandar um gás verde pela parte traseira da nossa nave. Need i say more?! Ou o “Caril de Gambas” que nos coloca a arrotar ardentes chamas que queimem tudo o que se aproxima! Dei por mim a adorar a escolha de ter mantido o jogo em Português. É isto! O segredo está aqui, nestes pormenores e sentido de humor, na capacidade de brincarem com o jogo, com o tom deste e com o próprio jogador. É isto que cativa e que nos faz querer voltar uma e outra vez a este Stellar Interface. E, a cada campanha, todo um novo mapa, todo um novo conjunto de inimigos, todo um novo conjunto de armas a melhorar… muitas vezes para, munidos de um bom arsenal e do correspondente excesso de confiança, nos espalharmos ao comprido ao fim de meia dúzia de vis inimigos.

Segue em frente até ao semáforo, vira nessa à direita, depois à esquerda. Depois pergunta à Dona Firmina onde é que é para virar.

Stellar Interface é assim. Conquista-nos aos poucos. Pela sua dificuldade numa era em que a maioria dos jogos dá a mãozinha ao menino jogador. Pela sua variedade e variância, por nunca sabermos o que nos espera ao descascar aquela nova laranja de cada vez que arrancamos o jogo.

O mapa da campanha para isso contribui, oferecendo-nos vagas de inimigos, Bosses ou missões para desbloquear novas naves. Não há duas sessões de jogo iguais e, com este ar retro, Stellar Interface assina uma experiência nova e refrescante sempre que nos metemos ao comando da nave. A música, convenientemente retro, cativa no início, mas convida a baixar o volume pouco tempo depois, tal como o resto da sonoridade. Pequenas manchas, a juntar às do início das jogatanas com este Shooter com S grande, que não mancham o quadro geral. Stellar Interface é daqueles jogos a que apetece voltar uma, e outra vez. Não é inteiramente acessível e a percepção da qualidade-preço, com este a situar-se perto dos 13€, parece pouco abonatória. Mas recomenda-se pela frescura de ideias e pelo seu replay value. É um jogo que dificilmente se jogará só uma, dez ou quarenta vezes, pedindo sempre mais uma tentativa, trincando a língua a ranger um “desta vez é que é” por entre os dentes. E isso é sempre bom!

[ Todos os testes realizados com Stellar Interface foram realizados na máquina fornecida pela Alientech, a ALIENTECH MASTER EDITION, cujos specs podem verificar aqui.]