– Vou pedir à malta de sites de jogos generalistas que desencante um jogo porreiro e barato na Steam Winter Sale.

– Não Ambrósio, apetecia-me algo excepcionalmente bom.

– Tomai a liberdade de jogar a selecção de jogos do ano de Bernardo Tavares do Rubber Chicken.

*jingle*

Não é que a redacção do Rubber Chicken tenha mais autoridade ou bom gosto que o resto do mundo, na verdade, se 2016 foi um mau ano em muita coisa, foi um excelente ano para o mundo dos videojogos, mas principalmente, um excelente ano para se ser jogador. Foi um ano tão recheado que não tive tempo para jogar talvez trinta a quarenta porcento do que pretendia, muito devido a vida pessoal, trabalho e falta de notas na carteira. Ainda assim houve espaço para muito e tempo para pouco. Foi um ano para realidades virtuais e para updates de hardware nas consolas de sala mas principalmente um ano com muitos, muitos, muitos jogos.

E por isso também quero aqui deixar uma nota importante: os nove jogos que aqui apresento são exclusivamente jogos que joguei na sua totalidade (sendo a excepção o Hitman que comprei recentemente e o No Man’s Sky pelos motivos óbvios), uns que ficarão como meus jogos preferidos de sempre, outros que são meramente menções por terem feito algo que me impressionou. Mais abaixo poderão ler um pouco sobre aquilo que cada um destes jogos me disse. Tenho a certeza que há jogos que falo aqui que poderiam não estar em detrimento de outros que não joguei e, além disso, é importante notar que tudo isto se resume à minha opinião e de acordo com aquilo que eu dou ou não valor num videojogo. Estão também isentos de ordem. Sem mais nada de momento:


Começo por Hitman não por achar que seja dos melhores jogos que se lançaram este ano, mas porque torna bastante claro qual deveria ser o futuro da série (ou se quisermos generalizar mais um pouco, do género). Metal Gear Solid V foi um dos meus jogos preferidos do ano passado e uma das suas maiores lacunas foi talvez aquilo que Hitman consegue entregar ao jogador. O detalhe e nível de atenção ao que preenche os cenários, as histórias e as personagens que habitam o espaço da missão e a forma como interagem é das coisas mais surpreendentes que vi acontecer este ano, mas a verdade é que, para simularmos o organismo social que ocupa um espaço é preciso um pouco mais do que este jogo faz (que já é imenso e extremamente surpreendente).

Tem no entanto a espontaneidade de, enquanto procurava por um bom sítio para fazer pontaria aos alvos com uma sniper, fez-me reparar num modelo famoso que discutia ao telemóvel, roubar-lhe a vestimenta, ser maquilhado, desfilar na passarela em vez dele e aproveitar a pequena janela que tive para conversar com o alvo a abater para lhe fazer a folha. Infelizmente, fora do que não se encontra scripted, Hitman recebe nota insuficiente a reagir a si próprio. É um jogo que certamente falarei no futuro, quando o terminar, mas é um dos meus jogos do ano por ter a originalidade e descaramento para arriscar numa altura sensível para io-interactive. Prefiro um risco que foi dar a algo mais ou menos do que algo incrível feito a partir de uma receita.


Sprinter foi talvez, talvez, a maior surpresa que encontrei no mundo dos videojogos e evidência clara de que são um mercado extremamente difícil de penetrar e do público generalista conseguir distinguir o bom do mau. É um jogo que pega em coisas que quando misturadas são tão heterogéneas como água e azeite, mas encontra uma coerência que certamente muitos jogos invejam até com ingredientes mais parecidos.

Deixem-me explicar: Sprinter é um jogo onde o objectivo é fazer o melhor tempo possível do ponto A ao ponto B e sem sermos apanhados, em cerca de trinta níveis (os botões que apertamos no comando interagem com o ambiente e a jogabilidade resume-se a essa dança tensa que os nossos dedos fazem sobre o comando). No entanto, Sprinter conta também uma história bastante emocional e com um tom extremamente triste. Como é que alguém pegou nestas duas ideias e fez um jogo que faz sentido de uma ponta à outra eu não tenho ideia. Porém, entendemos de onde vem: escapismo. Mas isso não faz um jogo. A arte, o audio, a jogabilidade contribuem apenas para a mesma e única ideia estética. É isso que o faz incrível.


Confesso que não me passaria pela cabeça melhor jogo para ocupar o meu tempo em casa entre épocas de exames, com quarenta de febre e completamente rodeado de lenços de papel. A melhor parte é que fui apanhado completamente de surpresa por The Witness, uma vez que nunca tinha jogado o anterior jogo de autor de Jonathan Blow, Braid, nem fazia a menor ideia da existência deste jogo, no início de 2016. Inúmeras vezes tentei falar sobre The Witness, e é um jogo que nunca se resume ao que nós conseguimos explicar dele a um amigo que perguntou o que é. É um excelente jogo para citar e fazer paralelismos de bons e maus exemplos de game e level design. E transpira minuciosidade até no mais pequeno detalhe.

Sempre que volto a The Witness sinto que cada momento no jogo é um momento a apreciar uma escultura de proporções tão grandes que a melhor forma de a apreciar é estar dentro dela. E o tremendo esforço e trabalho da equipa em lançar este jogo com tanto por e sobre que dizer é incrível, indescritível. É possivelmente desta lista, dos jogos que mais vezes irá ser lembrado como um bom exemplo. Talvez não junto do público generalista, que procura explosões e tiroteios, mas para as pessoas que verdadeiramente amam o meio artístico que são os videojogos.


Firewatch é talvez o jogo de que menos consigo falar desta lista por o ter jogado tão rapidamente. Julgo que o passei num raio de doze horas (em duas sessões separadas por algumas horas) depois de o comprar e escrevi o artigo logo de seguida, de forma a que me conseguisse esquecer o mais rápido possível da história para o conseguir voltar a jogar. O motivo é simples, foi talvez o primeiro jogo narrativo, dentro desta vaga relativamente recente de jogos narrativos em primeira pessoa, que me fez acreditar que era possível existir um jogo interessante e que me agarre, mostrando muito pouco de substancial, muito pouco além do que podemos dizer das paisagens, dos locais mas, principalmente, do diálogo.

É linear. Poderia efectivamente ser transcrito para livro, ainda que a agência do jogador seja essencial para uma interpretação de papéis, essencial para que o que nada se passa naquele mundo (mais uma escultura como The Witness, só que narrada) tenha um maior impacto. É também nos videojogos em que grande parte de nós sente os sentimentos mais desprotegidos, afinal. Ou então, falo apenas por mim.


Furi é um Shadow of the Colossus moderno. Diferente, claro: a ideia e o feel do jogo, a forma como as mecânicas foram concebidas são completamente diferentes porque a ideia por trás delas é também completamente diferente. Furi não é uma história sobre perda, mas sim uma história sobre vingança. No combate a precisão é, mais que importante, estritamente necessária, tal como os bons reflexos e doutrina. Mas talvez uma das coisas (presente neste jogo) que distingue para mim os bons jogos dos jogos medíocres é a consciência de que há um jogador naquele mundo. Eu quero sentir-me desafiado e posto à prova, mas quando o jogo é esse, quero principalmente ser respeitado.

E Furi faz isto. É consistente nos atrasos de input, certifica-se que todos os ataques são possíveis de prever, a curva de dificuldade está extremamente bem desenhada e, mais que isto tudo, respeita a tensão e adrenalina (e possível fim de frustração) nos momentos imediatamente a seguir ao final de uma batalha extremamente difícil, deixando do outro lado espaço para pousar o comando e apreciar as paisagens enquanto ouvimos a história que este jogo tem para nos contar. E enquanto vemos, enquanto ouvimos, o corpo descomprime e relaxa. E à medida que gradualmente vemos que a próxima batalha se aproxima, respiramos fundo, agarramos o comando com força, desencostamos as costas do sofá recomeçamos.


Bound é um jogo desenvolvido pelo demoscene group polaco Plastic com a colaboração do Santa Monica Studio. De um ponto de vista visual e gráfico, há muito poucos (ou nenhuns) jogos como este e talvez apenas por isso já valha a pena experimentar este jogo (ou experiência) de cerca de duas a três horas. Fora isto, foi o meu primeiro exemplo de uma história que se joga por ordem arbitrária e ainda assim, consegue fazer imenso sentido. Não que a percebamos exactamente o que se passou com uma playthrough do jogo (será necessário estar atento ao cenário e a símbolos para percebermos a ordem correcta para jogar Bound), mas certamente põe-nos num lugar capaz de tomar uma decisão importante no final.

É um jogo diferente (e estritamente melhor) do que qualquer Journey que possa ter aparecido este ano, apesar do seu apelo não se debruçar sobre um momento específico do jogo. É um jogo que quando terminamos sentimos satisfação devido ao desfeche mas não perdura por não o entendermos na totalidade. Mas tudo o que precisamos para o perceber está lá. E se quisermos percebê-lo, não precisamos rigorosamente mais nada do que jogar outra vez e outra vez, montando as peças.


Estive quase, quase, a não pôr este jogo nesta lista. Mas se acabei por colocar Hitman pelo que faz de original, também não poderia deixar de pôr este pelo que significa para mim. As listas de melhores jogos são pessoais e por isso têm de apelar à pessoa que a está a escrever antes de qualquer outra. No Man’s Sky, ou depois do update, como chamam ao modo de exploração, é um exemplo claro de um jogo que nos testa ao ponto de questionarmos os nossos motivos. Não há qualquer motivo em jogar este jogo além do tempo que lá passamos: não vale a pena procurar significado além do grind ou além da experiência de apontar para um local no céu de um planeta e dizer “agora vou ali” e ir. E para aqueles que procuram, para aqueles que não desistem de querer uma resposta, o jogo tem apenas uma resposta.

É um jogo que reforçou a minha ideia de que a vida não tem propriamente um local de chegada ou um objectivo absoluto. É no fundo, aquilo que fazes dela e a forma como aproveitas o teu tempo. Foi um jogo que me fez perceber que a minha recompensa por três horas de grind entediante não é o facto de agora estar 0,002% mais próximo do centro da galáxia (afinal, é só mais um ponto no mapa), mas a possibilidade de viver um planeta diferente com uma paisagem impressionante e que só será possível naquele universo. Foi esta a beleza que vi em No Man’s Sky, não condeno (nem entrarei em discussão) todos os que acham que não tem o mínimo de valor.


Vi muita gente a atribuir a The Last Guardian o prémio, o presunto de ouro de 2016. Eu não entendo. Nem essa atitude, nem The Last Guardian. Além de achar cedo para alguém verdadeiramente perceber o valor desta obra e o que diz sobre nós e como o faz, seria preciso alguma distanciação, digo eu. É indiscutivelmente um jogo lindíssimo, cheio de bons momentos, e claramente o que falha do ponto de vista de performance não põe em causa o valor da obra, mas estou tão longe de achar que toda e cada cena do jogo faz sentido (como em Shadow of the Colossus) e toda e cada mecânica, arquitectura dos níveis tem uma razão de ser (como em The Witness). É um jogo bastante bom, mas na minha opinião, também muito mais frágil que os seus predecessores.

O que eu não posso negar é o final. Todas as dúvidas que tinha sobre o jogo e a sua qualidade foram respondidas quando o terminei e fico extremamente feliz com o facto deste jogo, no final, ter visto a luz do dia. É muito provável que seja o melhor final que vi num videojogo, no entanto, as dúvidas sobre se o resto do jogo está à mesma altura persistem. O jogo parece-me pior do que aquilo que toda a gente pinta, tem uma soma das suas partes pior a que todos os jogos anteriores. Ainda assim, consegue ser do mais surpreendente que vi este ano.


Há aqueles jogos com que se engraça. Há aqueles jogos que têm mérito. Thumper tem os dois. Não ficaria minimamente surpreendido se me dissessem que joguei este jogo todos os dias desde o seu lançamento, para ser honesto também não ando a marcar no calendário, mas o que Thumper tem é uma consistência, uma solidez e polimento que muito poucos jogos desta lista têm. É um jogo inteligente, fora da caixa, sofisticado no seu game design e ao mesmo tempo, extremamente simples.

Eu já não sei o que escrever mais sobre este jogo, porque na verdade, já escrevi demasiado este ano. Thumper é daqueles jogos que vou levar comigo para a vida, que diz mais sobre mim e sobre o mundo que me rodeia do que aqueles que investem imenso num enredo ou numa história fantástica. Poderão ler aqui uma antevisão, lançada poucos dias depois do lançamento do jogo, e aqui a minha detalhada análise com o porquê de Thumper ser o melhor que se fez na indústria dos videojogos no ano de 2016.


Obrigado, boas entradas e muitos bons videojogos para todos!